O Dan foi uma das muitas pessoas que recebi e hospedei no âmbito do projecto Couchsurfing. Sucedeu em 2008, durante os meus anos em Praga. O seu pedido inicial chamou-me desde logo a atenção: assumindo-se como um “chef” profissional, voluntariava-se para cozinhar às cegas para um grupo de amigos meus, desde que lhe arranjasse um apartamento com uma cozinha e espaço para 10 a 15 pessoas que eu deveria reunir. E o que é isso de cozinhar às cegas? Simples. Cada um dos convidados deveria trazer dois ou três ingredientes, sem qualquer combinação prévia. Era uma questão de se ir ao supermercado e pegar nas primeiras coisas que nos viessem à ideia. E depois, ao entrar no apartamento, depositar o que quer que fosse na mesa da cozinha e esperar que todos tivessem chegado.

E assim sucedeu. O Dan, tal noiva impedida de ver o futuro marido, numa sala à parte. E quando todos estavam prontos, uma pequena pirâmide de bens alimentícios acumulada no tampo da mesa, foi conduzi-lo até lá. Ele parou, mirou aquilo tudo, mão no queixo, uma apreensão aparente na face. Pensou, e pensou. E passados longos segundos, fechou o problema: já sei o que  vou preparar; serão dois pratos principais e três sobremesas. E foi assim que, naquela noite fria, num apartamento da avenida Korunni, se fez magia.

Mas a história de Dan, o Americano, não se resume a este episódio. Durante as 2 ou 3 noites que ficou comigo, e que incluiram uma ida em grupo para uma pernoita numa casa de campo de uma amiga minha, na floresta checa, aprendi um pouco sobre ele. O Dan, ainda novo, tinha-se tornado num “chef” e num empresário de sucesso. Em Pittsburgh tinha montado um restaurante, daqueles que têm listas de espera para uma mesa, e de onde o cliente sai com uma conta média de 150 Eur. Mas um dia, acordou, olhou em redor, e chegou a uma conclusão: o prazer de cozinhar por cozinhar, para partilhar os seus segredos com os outros e dar-lhes prazer através da comida, já não existia. Aos poucos, sem se aperceber, tinha transformado tudo aquilo numa implacável máquina de fazer dinheiro. E decidiu que estava na altura de colocar um travão naquilo. Vendeu o seu negócio e partiu à procura do mundo. Sem destino nem prazo. Como ele dizia, os limites eram o dinheiro e a paciência da namorada.

Depois do vigoroso abraço de despedida, mantive-me em contacto com o Dan através do Facebook. Até hoje. Depois de se fazer ver nos pontos mais díspares do globo (ora estava com os gorilas no Rwanda, ora estava próximo do círculo polar; ora estava nas estepes da Mongólia, ora estava na remota Nova Zelândia) regressou à sua Pittsburgh e recomeçou do princípio. Determinado a não cometer os erros do passado. São doces, as memórias que tenho do homem que chamava os patos do Vltava (rio que cruza Praga) como um encantador de aves.

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