Em Fevereiro de 2006 visitei a República da Irlanda. Pode parecer estranho, mas aos 41 anos era apenas a minha segunda viagem. Estava ainda na fase da descoberta, tudo era novidade, absoluta novidade, no maravilhoso mundo da viagem. Nessa expedição à terra do gaélico usei pela primeira vez o Couchurfing enquanto “convidado”. Aconteceu em Cork. Primeiro com o Mark, que dois anos mais tarde me devolveu a visita, depois, com a Flavie, uma francesa em Cork. Ora sucede que a Flavie tinha uma amiga chamada Paola que, já se vê, é a “nossa” padeira.

Já não me recordo a que respeito veio à baila. Mas de repente a Flavie estava-nos a dizer: “- Ah Baltimore, sim, tenho lá uma amiga. Chama-se Paola. Querem que lhe telefone e pergunte se podem ficar com ela amanhã?”

Neste ponto, há que oferecer ao leitor dois pedaços de informação. O primeiro, é que Baltimore é o “cu de Judas” da Irlanda, a ponta perdida, onde ninguém vai a não ser que tenha mesmo que ir. Uma aldeia irlandesa que transpira solidão por todos os poros, onde nenhum viajante perdido desconfiaria se lhe dissessem que tinha chegado a um qualquer recanto da Gronelândia. O segundo, é que a Paola não fazia parte da comunidade Couchsurfing. Não fazia, mas, adianto já, passou a fazer depois da nossa visita.

O leitor já terá adivinhado que a boa da Paola disse que sim, que éramos bem-vindos. E foi assim que no dia seguinte partimos em direcção aquela ponto obscuro do mapa, a uns 100 km de Cork, que, como sempre sucede na Irlanda, mais parecem ser o dobro, porque ninguém conta com tanto buraco nem com vias tão estreitas e sinuosas. Resultado: chegámos lá noite cerrada e simplesmente demos conosco totalmente perdidos. Se der uma vista de olhos no Google Earth verá que estar perdido nas imediações de Baltimore é estar verdadeiramente desaparecido para a civilização. A Paola não usava telemóvel e simplesmente não faziamos ideia de como iriamos agora dar com ela. Já nos preparávamos para passar uma noite (muito fria) no carro, quando vimos, lá muito ao longe, umas luzes na estrada… que se aproximavam… e aproximavam… e chegaram até nós… e era ela, que andava à nossa procura. Salvos!

Esta história é sobre a Paola, e se enchi a página com uma série de parágrafos introdutórios é porque não tenho muito a dizer sobre ela, mas, ao mesmo tempo, esse pouco é imenso. Italiana, com uma longa experiência como cozinheira a bordo de navios de cruzeiro, decidiu “ancorar” por estas paragens. Só porque gostou. Talvez fosse o sentido de comunidade, o ambiente intimista da aldeia. Mas decidiu ficar, por tempo indeterminado. Vivia numa casinha de bonecas, acolhedora, rústica, e, muito importante para uma noite de Fevereiro, bastante quentinha. Recebeu-nos de braços abertos, como se de velhos amigos nos tratássemos. Foi logo pedindo desculpa pela companhia que não nos poderia fazer. É que, ali estabelecida, o seu ganha-pão era precisamente a fazer pão. Com o despertador preparado para tocar às três da manhã, acordava todos os dias e dirigia-se para a cozinha onde um enorme forno semi-industrial já se encontrava pré-aquecido. Amassava o pão que a aldeia inteira haveria de comer no dia seguinte. Feita a cozedura. era metê-lo em cestos que por seu turno eram enfiados na velha carrinha e lá ia ela, bem cedinho, fazer a distribuição por quem quer que quisesse do seu pão.

Aquele breve par de horas numa escura noite irlandesa foi todo o tempo que passei com a Paola. Mas foi o suficiente para que ela deixasse uma marca na minha vida. Como um exemplo. Nunca mais a vi, e apenas por uma vez recebi notícias, por e-mail. Que na semana seguinte à nossa visita o seu simpático cão tinha sido mortalmente atropelado… que continuava por ali…. que tinha passado a ser um membro activo do Couchsurfing. Talvez um dia, de novo, os nossos caminhos se cruzem. Eu gostava.

 

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