Preparava a viagem à Indochina, procurava um condutor de tuk-tuk para os três dias reservados para a exploração das ruínas de Angkor. O meu amigo Agostinho, recentemente regressado de uma viagem por aquelas paragens tinha-me dado o contacto de um homem de confiança, mas, já nem me lembro como, passou-me esta situação pelos olhos: um holandês que parecia servir de PR e agente comercial de um “simples” condutor de tuk-tuk. Insólito. Fiquei curioso. Enviei um e-mail, logo respondido. Palavra puxa palavra e a verdade é que em poucos dias troquei uma série de correspondência com o tal holandês. E fiquei cativado. Seria o Savuth.

O primeiro dia não correu especialmente bem. O seguinte foi melhor. Savuth levou-nos a um local maravilhoso, bem longe das multidões de Angkor. E partilhámos uma refeição, feita de fruta, sentados à mesa da vendedeira. Mas o que verdadeiramente marcou o segundo dia foi perceber que três eram demais para andar por ali a visitar os locais sagrados dos antigos Khmers. Então apresentei uma proposta ao nosso condutor: pagar-lhe-ia os três dias, mas em vez de ver mais templos queria fechar a passagem por ali com uma visita à sua aldeia, de manhã, e depois ao início da noite ele asseguraria o transporte para o aeroporto. E foi assim que ficou combinado.

Não vou descrever o quão divertido foi visitar a família de Savuth, andar com eles pelo mercado local, visitar a escola dos seus filhos. Isso ficará para uma outra ocasião, na mais adequada rubrica Momentos. Porque aqui falo de pessoas, queria mesmo era contar ao leitor aquilo que naquele dia aprendi sobre a vida deste homem.

Depois de me passar para a mão uma pequena pilha de álbuns de fotografias onde ele a a sua família aparecem com os diversos amigos ocidentais que foi fazendo desde que iniciou esta actividade, falou um pouco do seu percurso. Em 1979 tinha 13 anos. Tal como eu. Sim, temos a mesma idade, com as datas de nascimento separadas por um mero par de semanas. E foi nesse ano, o mesmo em que o Governo tresloucado dos Khmers Vermelhos foi deposto pela intervenção vietnamita que os soldados chegaram.

Procuravam novos recrutas, e acharam que um miúdo que ainda nem era adolescente servia perfeitamente. Levaram-nos, e com ele ficaram durante uns vinte anos. Duas décadas depois alguém lhe disse: – “Pronto, podes-te ir embora, o teu serviço militar acabou”.

Voltou para a aldeia, fez vida da venda de peixe, namorou e casou. Por essa altura tinha quase quarenta anos, mas não podia constituir família porque tudo o que tinha para viver com a mulher era um pequeno quarto que mal dava para os dois. Depois viu uma oportunidade nisto do turismo. Começou a fazer uns serviços e a sua simpatia, honestidade e humildade quase infantil fizeram algo por si: primeiro um, depois outro e mais outro. Amigos ocidentais. Australianos, sobretudo, e também o tal holandês.

Entre uns e outros ajudaram-no a estabelecer o negócio. Alguém lhe ofereceu a motoreta que puxa a “carruagem”. Que também foi prenda. E, por fim, a casinha onde agora vive e que lhe permitiu formar finalmente uma família, veio também com o dedinho dos seus anjos “brancos”. No fundo a história de Savuth confunde-se com a do seu país, sempre dependente da ajuda exterior, desde tempos imemoriais.

Entretanto aprendeu inglês, que fala e compreende a um nível muito razoável. De ouvido. Ainda tenho dificuldade em compreender como é possível alguém aprender uma língua como ele sabe inglês começando por apanhar aqui e acolá umas palavras soltas, depois frases, e, por fim, sempre sem uma aprendizagem estruturada, comunicar quase fluentemente.

pessoas-savuth-03Hoje vai vivendo. Com dificuldades evidentes, nunca sabendo se no dia que se segue terá algo para pôr na mesa de família. O pouco dinheiro que ganha usa-o na educação dos filhos. Cobra USD 15 por dia. O que inclui o seu serviço, o uso da viatura e a gasolina. Estima que consegue trabalhar uns dez dias por mês. Não é muito e vai todo para cobrir os subornos necessários para se manter na actividade e para que os seus rebentos não sejam prejudicados na escola.  Sim, porque no Cambodja espera-se que os alunos levem todos os dias uma pequena quantia para o professor. Só assim estes profissionais mal pagos poderão sobreviver, e os estudantes que “esquecerem” a gratificação serão penalizados.

Ao fim da manhã foram horas de partir. A família lá ficou, os pequenotes voltaram às suas brincadeiras, enquanto a esposa preparava o almoço. Ele, veio-nos trazer a Siem Reap, a simpática cidade que serve de base ao turismo em Angkor. Mais tarde passou pela casa onde ficávamos para nos conduzir ao aeroporto. Como esperado. Despedimo-nos com um abraço, e, como tantas vezes acontece com as pessoas que apresento nesta rubrica, por vezes o meu pensamento flui em direcção a ele. Um homem bom. Por isso, se um dia for para estes lados e quiser ter um condutor de tuk-tuk de confiança ao seu serviço, peça-me o contacto do Savuth.

3 COMENTÁRIOS

  1. Ola tudo bem!

    Adorei o seu post e gostaria de obter o contacto do Savuth pois estou a planear uma viagem ao Cambodja e fiquei interessada nas dicas que deu.

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