A manhã tinha um acontecimento especial agendado: a chegada da nova “couchsurfer” que iria ficar conosco em casa do KB até ao fim da nossa estadia. Cabia-nos fazer o papel de anfitrião à chegada, por delegação, porque o nosso amigo tinha afazeres e apenas podia estar no aeroporto por um muito limitado período de tempo. Na véspera, talvez acalorado com o par de cervejas que bebeu, surpreendeu-me ao passar-me a chave do carro, para nosso usufruto durante o dia. Foi assim ao volante do Vitara que chegámos ao aeroporto, a tempo de ver o avião da TAAG tocar a pista e manobrar para junto do terminal. Junto da vedação uma pequena multidão aguardava, mãos na rede de arame, testa encostada, olhos postos nas escadas por onde os primeiros passageiros iam agora descendo.

Aproveitei aquele tempinho para um salto ali ao lado, à antiga aerogare que durante tantos anos serviu fielmente São Tomé, porta de entrada para gente carregada de tantas expectativas . Actualmente foi convertido numa dependência estatal, para um qualquer serviço obscuro. O novo terminal, em obras desde que foi inaugurado há um par de anos, faz agora as honras da casa. Ainda muito recentemente não existia sequer uma vedação e as pessoas podiam cruzar livremente a pista. Mesmo agora o pessoal da segurança vai facilitando, abrindo o portão para a miudagem que, vindo da escola, se dirige a casa, do lado de lá do aeroporto.

A Ronja chegou enfim, vinda de Cabo Verde, para uma estadia de um mês por São Tomé e Principe. Enquanto a conduzia a casa, ao volante do temperamental Vitara, senti-me um veterano de África. Depois de dez dias estava completamente integrado, era como São Tomé já não tivesse segredos para mim. Sabia de cor a localização das dezenas de aldeias da ilha, podia conduzir pelas ruas da capital como se ali tivesse crescido, falava com o pessoal local com todo o desembaraço, pronto a resolver qualquer problema que surgisse.

Com a nova hóspede apresentada às instalações, descemos à cidade. Metemos alguma gasolina, antes do incontornável pequeno-almoço na padaria. Depois, fomos ao Cacau, onde o João Carlos Silva nos facilitou a visita, apontando um cicerone para nos mostrar os diversos espaços que partilham aquela antiga gare de manutenção.

Aproveitando a inesperada disponibilidade de um carro, decidimos regressar a Água Izé, onde nos tinha escapado o velho hospital aquando da primeira visita. Passámos Pantufo e Santana, deixámos o carro no mesmo local, junto à estrada, já quase à saída da antiga roça. A criançada saltou-nos logo em cima, mas com uma atitude bem diferente do que da primeira passagem por aqui. Escoltaram-nos com zelo até ao hospital. Atravessámos meia Água Izé para lá chegar, caminhando pelas ruas enquadradas por casas miseráveis, distribuindo bons-dias à esquerda e à direita. E, depois de subirmos um pequeno morro, lá estava ele, imponente, mágico, aquele edíficio pleno de charme, com uma escadaria que, só por si, justificaria fazer dali o cenário de uma filme. Quando se pensa na velha plantação colonial engolida pela selva, apenas para ser agora descoberta por um Indiana Jones dos tempos modernos… bom, é aquilo. Não há melhor.

Explorámos o interior do edíficio, sempre escoltados por aquele bando de miudagem, que se iam revezando, partindo uns para os deveres do dia, juntando-se-lhes outros à medida que avançámos por Água Izé. Dos antigos conteúdos nada resta. Ficaram as parededes nuas e a vista deslumbrante. Se as crianças são tomenses adoram ser fotografadas, para depois se verem, com grande entusiasmo no LCD da câmara, as de Água Izé levam ao extremo este culto. Os pedidos de fotografia chovem, incessantes, de todos eles, nos mais diversos locais, com esta e aquela pose, em grupo ou a solo.


Já no caminho de volta os nossos pequenos amigos mostram-nos a igreja e a antiga escola, nenhuma das duas ainda em funcionamento. Para o fim estava guardado um bocadinho com alguma ansiedade, quando o carro se recusou a pegar. Um mal menor, porque na pior das hipóteses teríamos que ficar por ali à espera de auxilio enviado pelo KB. Mas estava calor e ficar retido em Água Izé durante uma ou duas horas não era uma perspectiva animadora. Depois de muito dar ao motor de arranque decidi espairecer, dando algum tempo ao Vitara para refrescar as ideias e fomos até à praia adjacente, a uns 300 metros de distância.

Na areia alinhavam-se as pirogas. Algumas mulheres organizavam o pescado do dia. A humidade estava elevada, já tinha a roupa ensopada em suor. A Ronja foi ao banho, saudada por uma multidão de pequenotes que meio correram meio nadaram para ela, envolvendo-se todos, no fim, numa batalha de chapinhanço, que olhei ao longe, enquanto me dirigia para o carro, fazendo as minhas rezas secretas. Com sucesso, porque desta feita o motor pegou à primeira tentativa.

Não querendo abusar da sorte conduzi directo para São Tomé, desistindo de uma nova visita à Boca do Inferno, que afinal fica logo a seguir a Água Izé. O KB tinha-nos enviando um SMS a convidar para jantar. Parámos ainda no supermercado e casa. O resto do dia foi para relaxar. A empregada cozinhou uma saborosa omelete, acompanhada com batatas fritas, e grelhou uma fruta-pão que tinhamos comprado. À mesa sentou-se também uma amiga chinesa do KB, uma investigadora da equipa de luta contra o paludismo. Tinhamos planeado ir ao jazz, mas o ambiente em redor da mesa estava tão agradável que acabámos por ficar por casa, terminando o jantar ao ar livre, numa noite de clima ameno, que acabou bem tarde. Pelos padrões de Sâo Tomé.

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