São 6:20 e estou deitado no chão do quarto, com a roupa mais leve que o sentido de prevenção contra as picadas de mosquito consegue admitir: calções de banho e t-shirt. Foi assim que adormeci, na cama, pelas onze horas. Depois, numa rotina já diária, com o nascer do dia, acordei e transferi-me para o chão fresco. Quando o sol se mostra, entra pelo quarto aberto e incide sobre a cama, tornando o sono impossível. Hoje isso não aconteceu contudo. Em vez do calor escaldante os meus sentidos captaram o som da chuva tropical que caiu com a chegada do dia. Mesmo assim segui o hábito estabelecido. Mas, ao contrário dos dias anteriores, já não dormi mais. O ciclo diário em São Tomé é difrente: às cinco e meia já é de dia, e, opostamente, a noite cai antes da chegada das seis horas.

Após três dias de grande ritmo, esta Segunda-feira foi usada para abrandar. A meio da manhã descemos à cidade, sem objectivo definido.  As vistas são já velhas conhecidas. Primeiro a subida, a passagem frente ao quartel, depois, a descida com vista para a baía Ana Chaves, com a cidade ao fundo. A passagem frente ao edíficio do Sporting Clube de São Tomé, e depois, já cidade dentro, o bulício a intensificar-se, quando somos cercados: de um lado o paredão, com balaustres portugueses que vão sendo levados pelos elementos e pelo homem, e nunca repostos; do outro lado as casas construidas pelo meu povo, umas decadentes, em ruínas, mesmo, enquanto outras, resplandecentes, foram recuperadas recentemente e são utilizadas por empresas lusas com presença no mercado local. A pequena comunidade de pescadores que ainda se mantém activa na cidade, um bastião de pobreza, de odores fortes, com condições de vida miseráveis, como que um mostruário do verdadeiro país, para alem da charmosa capital.


A primeira paragem foi no posto de turismo, onde comprei o mapa de São Tomé criado pelo meu conhecido Bastien. Custa 1 Eur e vale totalmente cada cêntimo. Ainda trouxe um pequeno guia turístico, que usualmente custa também 1 Eur, mas que estava a ser oferecido.

Passámos frente ao Liceu Nacional, esse díficio estilo Estado Novo tão característico; hoje, fervilhava de vida. No longo passeio em sua frente, ao longo da estreita praia que o mar revolto fustiga, os alunos conversam e namoram, num quadro que surge como um regresso a um passado não muito remoto. Consigo imaginar tudo aquilo, sem grandes variações, por meados dos anos 60. A cor da pele dos alunos seria maioritariamente mais clara, mas o ambiente não variaria muito.

A seguir fomos ao hotel Miramar em busca de internet. Barrete! Dois Euros por uma hora de acesso não é assim tão mau, mas isso é assumindo que a coisa funciona de todo. Não foi o caso. Para além dos e-mails que chegaram, não foi possível fazer nada. É que uma coisa é um acesso lento, outra, é um acesso que basicamente não funciona. A visita serviu para dissipar um mito: em ambientes com forte ar condicionado afinal também há mosquitos. Que eu bem vi um a passar em frente do meu nariz, e não me pareceu nada perturbado com a acção intensa do ar condicionado.

Com o calor tropical a apertar, o suor e a desidratação a fazerem mossa, só conseguia pensar numa cervejinha gelada, e quis regressar aquela tasca muito simpática no Parque. Acabei por encomendar umas febras, que muito prejuizo me deram mais tarde, como se há-de ver, e, conversa para aqui, conversa para acolá, acabei por esvaziar três garrafas de cerveja nacional, que são de meio litro e custam quase nada.

Telefonei ao Walter, um contacto que tinha referenciado para alugar carros. Em poucos minutos estava sentado à nossa mesa e fizémos negócio: no dia seguinte pelas 10 horas, um Suzuki Jimmy entregue em casa, a 42,50 Eur por dia. Por quatro dias com opção de mais um.

O dia seguia preguiçoso. Decididamente um daqueles em que se impõe parar, depois de uma sucessão de jornadas fatigantes. O passo seguinte era passar pela nossa padaria do costume, comprar alguns bolos secos para nos manter alimentados para o serão.

A caminho de casa, encontramos a Ana, amiga do KB, chefe do Alberto, que andava nas suas rotinas diárias. Depois de uns poucos dias de São Tomé já começo a encontrar gente conhecida.

Chegamos à hora de sempre, logo após o sol posto, depois de infindáveis cumprimentos às pessoas que passam por nós e nos falam, uns com um mero aceno de cabeça, outros com um par de perguntas curiosas.

Sinto-me cansado. Quase miserável. O calor, as caminhadas, as noites mal dormidas. Tudo isto começa a fazer danos. E para melhorar o cenário, começo a sentir-me ligeiramente mal disposto, adormeço brevemente, torno a acordar e acabo por vomitar todo o almoço. Sinto-me logo melhor, mas não foi um bocado agradável. O KB chega pouco depois, mas só tenho energia para lhe falar de passagem. De resto, ele retira-se logo para o quarto. Quanto a mim, aguarda-me mais uma noite de sofrimento, com o calor peganhento, o barulho, a impossibilidade de dormir. Da cama para o chão. Do chão para a cama. A dificuldade de optar pela pedra do soalho, fresca e rija, ou o colchão, mais confortável, mas infernalmente quente.

11 COMENTÁRIOS

  1. Caro Papa Léguas
    Temos em comum o prazer de conhecer muito além do local onde vivemos.
    Outra afinidade é fugir dos programas turísticos organizados localmente. Depois de ler este seu artigo e tendo já este destino em mente há alguns tempo, resolvi, e parto para lá de 8 a 23 de abril. Aproveito o pacote turístico disponível, em APA na 1ª semana, porque fica 400€ mais barato que só a viagem.
    Na segunda semana vou para a ilha do Príncipe dois ou três dias, depende dos voos internos.
    Agradecia, se possível, uma vez que tudo correu bem, o contacto do Walter, para poder alugar um jipe, também a bom preço. Se tiver outras dicas que possa e queira fornecer, agradecia.
    Não serei um papa léguas mas queria transformar-me num papa Km.

    • Lá nos encontraremos certamente Joaquim Cavaleiro. Rui Fernandes e esposa de 08 a 16 de Abril…se reparar num “Tuga” alto e encorapado com uma loira… pago-lhe uma cerveja…

  2. O número do Walter: +239 9916617

    O Príncipe deve ser uma experiência e pêras, mas demasiado caro para mim, considerando a distância e o tempo que lá se ficará numa viagem típica.

  3. Estou na dúvida, por causa do horário dos voos internos se fico 2 ou 4 dias no Príncipe. Tem por acaso alguma sugestão

  4. Joaquim, a experiência ensinou-me a não dar opiniões sobre tempos de estadias. Cada viajante tem a sua forma de sentir um lugar e os seus tempos individuais. Como norma pessoal, quanto mais tempo melhor. Depois de vistos os lugares, não há tal coisa como demasiado tempo para conhecer as gentes. Sendo mais pragmático, se estivesse perante essa escolha, iria para os dois dias se tivesse uma semana no país, quatro dias se tivesse duas semanas no país.

  5. Boas Ricardo,

    Muito obrigado por estes posts, bem descritivos e coloridos, mas sem a monotonia extensa de uns “Maias”.
    Já tinha colocado outro post sobre o transporte mas agora reparei neste texto e pergunto-lhe, como vou estar ‘sozinho durante 4 dias’, se ao alugar um carro (E vou aproveitar este contacto valioso) é melhor ter um guia para descobrir as saidas correctas para picar os spots da ilha e se há opções mais baratas para a viatura (mas com volante e 4 rodas…)? Também já li noutro site ou blog que por vezes não há combustível disponível na maior parte das bombas, confirma-se?

    • Daniel, não acho que seja necessário de todo um guia para passeios ao volante. Um mapa – comprável no posto de turismo no centro de São Tomé – será uma mais valia. Alugar carro é das poucas coisas que não é especialmente barato. 40 eur é um valor aceitável, baixo disso será excelente… claro que quem diz “carro” diz mesmo é um veículo TT sendo que os mais económicos são mesmo os Suzuki Jimmy.

      Combustível: sem stress. Não esquecer que a ilha tem 40 km em linha recta de ponta a ponta. Um depósito atestado em São Tomé não poderá deixá-lo ficar mal.

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