Acordei bem, simplesmente abri os olhos e senti que a noite tinha acabado. Lá fora já fazia alguma claridade. Eram cinco e pouco. Sentei-me no alpendre a apreciar tudo aquilo, com um livro na mão. A temperatura, pela primeira vez em todos estes dias, era ideal. Fresca, mas sem provocar uma sensação de frio. O sol nascia, e, a tempos, fazia incidir alguns dos seus raios sobre a fachada do edíficio principal da roça. Fiz a ronda por todos os espaços, como se fosse o senhor da propriedade. Encontrei tudo em repouso, à parte um negro que partia de bicicleta, matutino. Voltei ao meu trono temporário, livro na mão, até ser interrompido, muito mais tarde, pelo vizinho alemão que me dava os bons dias, e compreendi logo pela sua expressão que os momentos de leitura estavam por ora terminados. Logo se juntou ali o resto do grupo, à conversa, que durou até seguirmos, juntos, para baixo, em demanda do pequeno-almoço que tinha sido anunciado para as sete e meia.

Em redor o dia estava claro. Para já não se anunciava chuva. Do pessoal da casa, nem sinal. Ficámos só ali no paleio, e passou-se não sei quanto tempo até se começarem a manifestar sinais do pequeno-almoço que se aproximava. Vieram os primeiros pratos, e sentámo-nos à mesa. E afinal, os primeiros pratos eram os últimos, e fiquei a pensar quão má era aquela refeição, servida num local afamado pela sua gastronomia. Passo a descrever: um pequeno cesto de pão branco de má qualidade cortado em pedaços, já duro; um pratinho com uma porção de manteiga rançosa; um minúsculo frasco com compota de papaya; o correspondente a um ovo mexido; leite, chá e café. E mais nada! Pior e menos do que já tive direito em hosteis europeus (ou seja, locais onde as matérias primas não têm um custo quase nulo) onde paguei  10 Eur ou menos de pernoita.

De resto, apesar do assunto não me dizer respeito porque não paguei os 15 ou 18 Eur pedidos por uma refeição, mas quer-me parecer que se as pessoas escolhem pagar esta quantia rídicula no contexto é porque vêm ao nome do “chef”, este homem que ganhou fama com o programa “Na Roça com os Tachos” que passou na RTP há uns anos. Só que este não se mostrou, ou pelo menos foi o que me disseram. Então é como ir a Barcelona, pagar uma pipa de massa para assistir a um jogo do  clube local, e em vez de se ver Messi e todas as outras estrelas a evoluir no relvado, ser-se servido com uma equipa dos escalões de formação.

Estávamos nós a acabar o pequeno-almoço quando começa a chover. Mau! Isto estava a correr tão bem, querem ver que iremos ficar de novo impedido de cruzar o vau? Entretanto, refeição terminada, aparece um outro casal de portugueses que também planeia seguir para sul e que se junta ao grupo. Claro que o tema central da conversa é o tempo e o caudal. Os jovens que tinham ido ao pico na véspera esperam um táxi que os há-de levar ao embarcadouro para o ilhéu das Rolas, mas que não há-de chegar nunca. Nisto chega uma carrinha cheia de portugueses que vêm do Resort Pestana e trazem boas notícias: dá para passar o caudal sem problemas. Corremos para o quarto para empacotar as coisas, pagamos a noite e seguimos em coluna com os outros portugueses, dando boleia aos jovens que já perdiam a esperança de chegar hoje às Rolas.

E de facto a passagem a vau foi uma brincadeira de crianças, com a água não mais alta que um joelho, o Jimmy a aguentar-se com completa estabilidade. Depois foi rever as paisagens que já tinha conhecido no Domingo, cada vez mais verdejante, até chegar à saída para o pontão do barco que, a soldo do Resort Pestana, faz o transporte para o ilhéu. Aquele trecho é violento, algo ingreme, com muita pedra e lama, e, contudo, é usado diariamente por viaturas menos robustas que os nossos Suzuki. Antes da viagem, uma ida ao ilhéu tinha feito parte dos planos. Mas assim que soube que o resort cobrava 20 Eur pela utilização do seu barco, a hipótese foi imediatamente descartada. Talvez se conseguisse um arranjo mais razoável com um pescador local, mas a distância a percorrer e a dureza do mar não me deram tranquilidade para aceitar uma solução de improviso e assim ficou afastada a possibilidade de atravessar a linha do Equador durante esta viagem.

Despedimo-nos ali dos nossos companheiros de aventura e seguimos para Porto Alegre, onde fomos encontrar o Paco recatadamente a ler em casa. Uns dedos de conversa sob o seu alpendre e mudámo-nos para a tasca local onde encomendámos uma garrafa de tinto de Portugal, supostamente fresco, mas na realidade à temperatura perfeita para um vinho deste tipo. Talvez um dia compreenda como conseguem vender tal pomada numa das povoações mais remotas de São Tomé por 3 Eur, considerando as despesas de transporte, de importação, depois, de transporte até ali, e, claro, o devido lucro do comerciante. Mas a verdade é que as 30.000 dobras pedidas nem chegam aos tais 3 Eur, e soube que nem ginjas, revelçando-se ideal para a longa conversa que ali tivemos.

Fazia-se hora de tratar do nosso alojamento para a noite. O Paco tinha já reafirmado o seu gosto para que ficássemos com ele, poupando assim os 25 Eur da diária do Ecolodge de Jalé, reduzida a 20 Eur se ficássemos pelo menos duas noites, e incluindo pequeno-almoço (depois da experiência da roça, sorri para dentro perante a menção de um pequeno-almoço). Mas queriamos ficar junto ao mar, declinámos educadamente a oferta e lá seguimos, para uma conversa com o Osvaldo, conhecido como Valdo, e que é o homem que faz a gestão das três cabanas que compôem o complexo.

Porto Alegre é pobre, muito pobre. Mas as pessoas não fazem má cara perante a riqueza dos outros – ou seja, da nossa – bem pelo contrário. Há sempre um ou outro que nos deita um olhar hostil, que nos vê como os colonos de outrora, ressentimentos recordados ou herdados. Mas a esmagadora maioria é terna, muito amigável. Enconto bebiamos o nosso tintol na tasca, os homens iam entrando, fazendo expressões surpresas e agradadas pelas inesperadas visitas e cumprimentando eefusivamente. Entretanto, o Paco é uma das figuras mais populares desta parte da ilha. Alcunhado de “O Branco de Porto Alegre”, é considerado, após seis meses, como parte da comunidade, e todos fazem questão de o cumprimentar à passagem.

Deixamos o nosso amigo espanhol em casa e seguimos para Jalé. O local, que tinhamos visitado brevemente no Domingo, é magnífico. Idílico. Paradisiaco. Um refúgio secreto à beira do mar. As ondas quase que vêm beijar a pequena escada de madeira que dá acesso à cabana. A água detém-se a menos de dois metros. A calmaria é enorme, só se ouve o rugir do mar. Será esse o som que nos acompanhará nas próximas doze horas.

Dá para um passeio pela praia, para espreitar o mangal do lado oposto da estrada, para ler um pouco, para ficar simplesmente a olhar para tudo isto. Em silêncio. Até o sol se deitar, por detrás das nuvens que engrossam. Vai ficar mau tempo. Às seis horas é de noite. Tempo para ver um episódio de qualquer coisa no computador, descarregar as fotos do dia e preparar para dormir. Tomo um “Xanax” para anular o ribombar incessante do mar, agora coadjuvado pelo tamborilar da chuva no telhado. Está calor. Dispenso a rede mosquiteira, espalho repelente pelos braços e pés e estendo-me para dormir. Adormeço facilmente, e acordo apenas uma vez, não sei a que horas, sobressaltado pelo som de vozes. Depois de alguns minutos de alerta, volto a dormir, e acaba por ser o sono mais repousante de toda a estadia. Nem o barulho do mar nem a porta que não se fecha me pertuba.

Galeria Especial Praia Jalé e Eco Lodge Jalé


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