Partimos de Sevilha, com mais uns daqueles bilhetes Ryanair comprados ao preço de nada, que se adquirem sem pensar muito e que depois logo se vê se de facto se usam. À chegada a terras africanas, o calor esperado, e uma longa fila para verificação de passaportes que se estende pela placa escaldante do aeroporto.

Existem três formas de se chegar ao centro de Fez a partir do terminal: de táxi, o que custará cerca de 15 Eur, num autocarro regular, que para muitos existe apenas no mundo das lendas e que nunca ninguém viu, com bilhetes a 0,35 Eur, e, por fim, o expresso do aeroporto, que exige o dispêndio de 2 Eur. Foi esta última opção que selecionámos, até porque o autocarro se encontrava parado lá fora, como que a convidar, e ainda para mais segue directo para a moderna gare de comboios, ou seja, justamente para onde queriamos ir.

Os caminhos-de-ferro marroquinos são relativamente simples de utilizar, sobretudo se o percurso não implicar apeadeiros e estações secundárias – nessas, pára a composição sem qualquer informação, e não existem cartazes com os nomes nas plataformas – e oferecem um excelente website onde todas as ligações podem ser consultadas assim como o preço das mesmas. Mas para hoje estava reservada uma fava. A partida que deveria ser às 10:50 acabou por acontecer às 11:30. Até lá, sauna gratuita, sem ar condicionado e com as carruagens paradas debaixo de sol. Talvez tenha até sido uma situação excepcional; as expressões impacientes dos passageiros marroquinos, o constante olhar para os relógios, as entradas e saídas nos compartimentos assim o parecem sugerir. Mas uma coisa é certa: depois de arrancar ninguém pára a máquina infernal. Sempre a abrir, até atingir os 160 km/h, vencendo os cerca de 40 km que separam Fez de Meknes em menos de nada.

Maknès é uma das cidades imperiais, repleta de esplendorosos edíficios e monumentos, mas naquele momento estávamos em trânsito. A ideia era mesmo chegar a Moulay Idriss, o que se viria a revelar mais complicado do que imagináramos. Logo na estação de comboios, deu para compreender que os motoristas dos “petit taxis” (designação dos táxis urbanos, que não estão autorizados a efectuar “corridas” para fora do perímetro urbano) não estavam nada interessados em nos levar ao local onde os táxis a sério esperam clientes para saídas para além das paredes da cidade. Pronto, assim sendo, lá terá que ser a pé. Sem a menor ideia da direcção ou distância. A aventura acabou por correr de forma aceitável, com pedidos de indicação frequentes aos transeuntes. Mas mesmo assim, longo e intenso foi o esforço, que ainda se andaram uns 3 km, bem carregados e debaixo de calor intenso.

Chegados finalmente ao desejado oásis de táxis logo fomos abordados por simpático condutor, que se propunha transportar-nos ao nosso destino e ainda a Volubilis, onde de facto planeávamos ir mas apenas depois de largar os tarecos no pequeno hotel onde tinhamos reserva para uma noite. Desapontado pela nossa recusa, o rapaz não se impacientou: apontou-nos os colegas que trabalhavam na modalidade “colectiva”, ou seja, seis pessoas amontoadas num carro, despesas partilhadas. E assim foi. Correu tudo bem. Dinheiro poupado, viagem rápida e cómoda, apesar do aperto físico.

Moulay Idriss é uma cidade sagrada. Ainda há meia dúzia de anos não era permitido a estrangeiros pernoitarem por lá. “Moulay” significa mais ou menos “santo”, e Idriss foi o fundador de Fez e da “sua” cidade, sendo o mausoléu localizado no centro, e claramente fora do alcance dos olhos dos não muçulmanos. Nas ruas, o fervilhar marroquino: são os asnos carregados de bens ou gentes, as bancas de venda de tudo e mais alguma coisa, as crianças que brincam por ali, os ociosos de todas as idades que se encostam nas esquinas e nas esplanadas locais, os carros decrépitos nas ruas onde ainda se consegue circular… e alguma hostilidade no ar. Talvez muita gente não tenha achado boa ideia a abertura da sua santa cidade aos estrangeiros. Mas que não hajam más interpretações: esta hostilidade de que falo não é aberta, é necessário alguma sensibilidade para a sentir, e pouco incomoda.

Um dos objectivos de qualquer visitante de Moulay Idriss será subir a uma das pontas da cidadezinha, que se ergue sobre duas colinas abruptas, com o centro no vale que as medeia. Ora chegar ao topo não é tarefa simples. As ruelas e becos são inúmeras, e seguir a orientação natural não é boa ideia, porque o caminho correcto não é sempre a subir. É muito, mas mesmo muito provável, que alguém se ofereça como guia. E é capaz de ser boa ideia aceitar. Foi o que nos sucedeu, de forma involuntária (o tipo era ligeiramente afectado do miolo e muito insistente, mas também com um aspecto educado e limpo) e no fim percebi que foi o melhor que poderia ter acontecido. Sem ajuda não teria chegado lá acima, pelo menos no reduzido espaço de tempo de que dispunhamos.

Terminada a digressão com o nosso guia com toques de atrasado mental (mesmo), foi tempo de encontrar táxi para fazer a corrida até Volubis, ali mesmo a 4 km, que noutro cenário seriam ultrapassados a pé, mas não hoje, não aqui, não com pouco tempo e quase quarenta graus. E então ainda tentámos esperar, vendo se apareciam mais turistas com quem partilhar a viatura e a respectiva despesa. Mas nada. Nem se previa solução, porque à parte de um pequeno grupo, pareciamos ser os únicos estrangeiros em toda a cidade. E assim lá fomos, sustentando toda a despesa, que de resto não era muita.

Volubis não tem muita história. Encontrei pouca informação sobre a cidade romana que outrora aqui ferfilhava de vida, e a sua visita foi mágica mas despida de episódios narráveis. Algumas pessoas aconselham gastar duas horas a explorar os cantos, mas nós com metade do tempo sentimo-nos realizados. Alguns dos mosaicos encontram-se em excelente estado de conservação sendo, juntamente com o imponente fórum, as jóias da coroa de Volubis. Para regressar, uma pequena disputa sobre o preço do transporte. Se calhar o esperto viu-nos ali, com aparente ar de cordeiros desprotegidos, quatro quilometros distantes da localidade, e tentou a sorte. Mas acabou por aceitar o preço justo, o mesmissimo que haviamos pago na ida.

Pelas 17:00 Moulay Idriss fervilha de vida. A praça central é um caos, com toda a gente a querer entrar e sair da cidade ao mesmo tempo. Nas ruas em redor o mercado está cheio. Aceitamos o convite para entrar num dos restaurantes e é sob um poster do Cristiano Ronaldo que nos deliciamos com uns bolinhos de carne maravilhosamente cozinhados.

Mais tarde, já no pequeno hotel, duche tomado, subimos para o restaurante do terceiro andar. Um espaço interessantissimo, com traços locais, mas sem ser artificialmente faustoso. Vamos encomendando uns petiscos… um batido de amêndoas… umas tigelas de Harira – sopa marroquina à base de tomate mas com muito mais que se lhe diga – e ainda umas sobremesas.

Uma palavra de agrado para o estabelecimento Diyar Timnay: por 12 Eur por pessoa, um quarto com casa de banho, ar condicionado, TV satélite, frigorífico, Wi-Fi, um restaurante recomendável, e, claro, pequeno almoço incluido. A localização não poderia ser melhor… numa rua das traseiras da praça principal oferece toda a centralidade sem ser ruidoso, e a vista da sala de estar e de refeições é das melhores que se pode ter na cidade. Isto sem falar da simpatia de toda a gente, sempre procurando agradar e precavendo problemas que não chegam nunca. Para terminar, uma história engraçada: o website de bookings que usámos para a reserva tinha as coordenadas erradas para o hotel… saídos do táxi tinha a indicação no GPS de 600 m de distância… e estava eu a ver isto e a começar a andar quando somos interpelados por um homem que nos tenta vender uma estadia… eu vou dizendo que não, que já temos hotel marcado… ele pergunta qual, e eu, com alguma irritação, acabo por lhe dar o nome… ora e não é que ele era o dono do estabelecimento… e sabia o nosso nome de cor, porque, claro, estava à espera da nossa chegada… e assim sucedeu um pequeno milagre… não fosse a abordagem comercial, teriamos ido a nenhures e encontrado nada. Assim, ficámos logo acomodados, e bem acomodados!

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