O autocarro que vagarosamente vence a distância entre Faro e Sevilha é um pedaço desprezível de lata. Com piso perfeito a coisa vai-se disfarçando, mas como entre o trajecto entre as duas cidades não se faz sem quatro ou cinco saídas da auto-estrada para recolher eventuais passageiros. O cubículo que funcionaria como WC tem um cartaz na porta… “avariado”. A mesinha individual que se deveria desprender das costas do banco da frente tem um parafuso, sem cartaz, mas obviamente também avariada. E é assim que de uma viagem que demoraria duas horas se fazem mais de quatro horas de tortura, prolongada por paragem de quinze minutos para “descanso” numa estação de serviço, do lado espanhol, notariamente pior do que as portuguesas.

A chegada a Sevilha ocorre no pico do calor, essa temível arma andaluza, que fustiga indiscriminadamente visitantes e locais. Mas por outro lado, um português que acabou de passar todo o Verão a sofrer os ataques das altas temperaturas dos Algarves traz a vantagem da habituação continuada. E assim, apesar de mais de uma dúzia de quilómetros mais tarde me começar a ressentir, é com um sorriso que aperto a mão à onda de calor que me abraça à saída do terminal ferroviário.

Como estou adiantado para o encontro com o meu anfitrião (Christos, um grego que desenvolve actualmente trabalho de investigação para a universidade) aventuro-me pela margem oeste do Guadalquivir. Mas o tempo não dá para nada, e logo dou por mim já não à frente do tempo mas perseguindo-o. É escusado. Sou obrigado a enviar um SMS ao Christos pedindo desculpa e mais 30 minutos. Ele vive mesmo no centro, não o das grandes avenidas e movimento louco, mas o da cidade antiga, da ruas sinuosas e ambiente familiar, pelo que fico muito bem instalado. E uma hora de paleio mais tarde, saio para explorar.

Mesmo sem trazer na bagagem qualquer tipo de expectactiva, as primeiras impressões são desapontantes. Talvez o efeito prolongado do tal calor, talvez o excesso de luz ou talvez o rumo errado. Mas após um par de horas a andar dou por mim a maldizer a ideia de passar dois dias em Sevilha antes de proceder para Marrocos. Contudo, com o passar do tempo, o humor muda. À medida que o Sol se vai preparando para recolher à cama, a cidade transfigura-se. Os sevilhanos, como todos os espanhóis, trabalham até tarde, abrigam-se do sol nos interiores e começam a sair das “cascas” já perto do pôr-do-sol, quando as temperaturas baixam e se tornam convidativas para actividades no exterior. E assim, as ruas vão-se enchendo, e ao atravessar o parque Maria Luisa, noto que estou rodeado de uma multidão.

Esse parque é atractivo, bem cuidado, fresco, com vegetação luxuriante. E fica adjacente à magnífica Praça de Espanha, não tão magnífica nos dias que correm, pois tal como tantos outros monumentos da cidade se encontra em obras. Saído do parque, já ao lusco-fusco, foi tempo de iniciar a caminhada de regresso a casa. Vou andando por aquilo que penso serem das principais artérias da cidade, ao acaso, fixando apenas a atenção da marcha na direcção geral. E sinto o melhor de Sevilha, o ambiente positivo no ar, os edíficios deslumbrantes, espelho de um passado esplendoroso que já não o é, mas mesmo assim embelezados, com a iluminação que é ligada por essa altura do dia.

Passo afoito pela fachada da FNAC, instalada numa rua reservada a peões, eléctricos e… bicicletas. Sevilha é surpreendentemente uma cidade de bicicletas. Existem corredores reservados a ciclistas por todo o lado, e a autarquia deve feito um esforço notável para popularizar o uso destes veículos de duas rodas, porque de facto toda a gente os usa, e muito. Espalhados pela cidade encontram-se parques onde bicicletas municipais se encontram presas, prontas a serem pegadas por quem pagar a taxa para a sua utilização, podendo ser depois largadas em qualquer outra destas bases. A presença desta cultura da bicicleta foi de facto uma das surpresas mais marcantes, porque andar em esforço físico numa cidade famosa pelo seu calor infernal, tem muito que se lhe diga, ainda para mais num país onde de forma geral não existem estes costumes.

Chegado ao lar provisório, houve ainda tempo e energia para sair e beber um par de cervejas com o grande anfitrião. Fomos até à praça de Hércules, ali mesmo ao lado, onde existem tantas esplanadas, pejadas de gente de todas as idades, transbordando de energia. Um serão agradável.

O dia seguinte não trouxe grandes novidades. Itinerância pela cidade, em locais já conhecidos da véspera mas também em novas ruelas e ruetas. Porque o dia foi mais dedicado à cidade antiga, com uma breve incursão ao passeio do Guadalquivir, à zona ribeirinha, que foi visitada nas duas margens. Neste segundo dia os astros deviam estar melhor alinhados, porque não foi preciso esperar pelo desaparecimento do sol para apreciar o ambiente da cidade. Fica a ideia que seriam precisos anos para passar por todas as pequenas vias que serpenteiam pela “baixa” de Sevilha. Tantos detalhes, tantos segredos escondidos, esperando serem descobertos pelo viajante mais destemido.

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