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Depois da noite longa da véspera, acordámos tarde, lá pelas onze. Saimos juntos, acompanho o Emre até ao escritório, por assim dizer, ao virar da esquina. Ele tem lá um cartão dos transportes públicos da cidade para me emprestar. Depois, ando até ao Metro, viajo até Taksim, a praça nevrálgica de Istanbul.

Quando subo as escadas para a superfície o sol brilha. É um sinal do bom dia que terei pela frente. Descubro o monumento à República Turca, notavelmente discreto para um país com gosto pela monumentalidade e um culto evidente pela Bandeira, sobretudo quando se encontra num espaço  tão vasto como esta praça.

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Instintivamente apanhei a Istiklal Caddesi, uma das ruas mais representativas da cidade. É uma artéria que se estende por 2 ou 3 km, plena de vida, com um comércio variado, de todos os géneros. É vedada ao trânsito, com excepção do “eléctrico nostálgico”, que a percorre para trás e para a frente. O veículo faz lembrar os nossos “amarelinhos”, mas este é encarnado. O percurso custa 1 TL (0,37 Eur).

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De um lado e de outro as montras captam a atenção. Os famosos doces turcos ocupam um lugar de destaque nas muitas ofertas que a Istiklal Caddesi reserva para os visitantes. Mas há muito mais: kebabs, vendedores de rua que tostam castanhas enormes, cozinham espigas de milho ou espremem peças de fruta da época, vendendo o sumo a preços insignificantes (cheguei a ver copos de sumo de laranja serem aviados pelos mesmos 0,37 Eur).

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Há também lojas familiares, com as multinacionais a fazerem-se representar em força. Só nesta avenida há dois Burger King, dois Starbucks, McDonalds, Zara e toda a artilharia pesada. A espaços há artistas de rua que animam a multidão que vai passando, e que compacta esta é… a qualquer hora do dia, em qualquer dia da semana, a massa de gente preenche toda aquela avenida.

A meio, encontro o liceu de Galatasaray, fundado nos finais do século XVI, e onde muitas das mais ilustres figuras públicas turcas se formou. Segundo a tradição, foi um velhote que ali o sultão encontrou, que, oferecendo-lhe duas rosas (uma amarela e outra encarnada, as cores que deram origem ao equipamento do famoso clube de futebol Galatasaray), se identificou como veterano da conquista de Istanbul, e lhe pediu que ali estabelecesse uma casa de conhecimento. E o soberano fez-lhe a vontade, dando-se início a esta afamado estabelecimento de ensino.

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Logo a seguir, há agitação. Um cordão de polícia de choque faz deter uma pequena manifestação. Há um impasse pacífico, sem a tensão que por vezes se sente no ar nestas ocasiões. Sigo o passeio, deixando aqueles dois grupos cara a cara.

Passo pela entrada do Tunnel, um sistema que transporta passageiros entre aquele ponto e as imediações no Bósforo, lá mais para baixo, junto a Karakoy. Diz-se que é o segundo metro mais antigo do mundo, a seguir ao de Paris, e decididamente o mais pequeno. A verdade é que aquilo é uma mistura entre metro e “elevador”, mas como anda para baixo e para cima sob a terra, ficou mesmo definido como sendo “metro”.

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Dali em diante a atmosfera muda. O carácter cosmopolita da Istiklal Caddesi perde-se e entro numa outra Istanbul, com um sabor oriental, feita de pequenas lojas, passagens transversais de natureza obscura. O comércio é sobretudo de instrumentos musicais, e as lojas que vendem tais produtos parecem não ter fins. Há-as de todos os géneros e especialidades, desde clássicos espaços preenchidos por pianos de aspecto sóbrio, até a pequenas lojas atafulhadas com variedades de guitarra e instrumentos de sopro de ar exótico.

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Agora é sempre a descer e sei que em breve estarei no “Golden Horn”, chamemos-lhe, em português, o “Corno Dourado”, uma espécie de apêndice do Bósforo que não vai para parte nenhuma, mas que teve um papel importante na história da cidade, nomeadamente na sua conquista definitiva em 1453.

Passo junto da torre da Galata, de onde impotentes italianos observaram a queda de Bizâncio. Nessa época Galata, ou Pera, era uma cidade independente, formada por mercadores genoveses e venezianos, que tecnicamente era neutral no embate entre Otomanos e Bizantinos.  Já existe uma considerável fila de pessoas que aguardam a oportunidade de subir ao topo desta torre. Penso que , apesar de não ser destas coisas, estou capaz de aparecer aqui um dia pela manhãzinha para usufruir, sem esperas, das impressionantes vistas que dizem ser possível usufruir lá de cima.

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Em seu redor existem uma série de agradáveis casas de chá que servem perfeitamente para repousar um bocado. Tentei-me a sentar-me numa especialmente atractiva, mas acabei por prosseguir a caminhada. Queria chegar à ponte de Galata, e, de facto, lá estava ela.

Esta ponte tem dois níveis. O de cima, para trânsito automóvel e pedestre. Na platafoma de baixo, existem restaurantes e passagens para os peões. É um local muito apreciado para uma refeição de peixe, e isso nota-se desde logo: antes de chegar à ponte há um pequeno mercado onde qualquer pessoa pode comprar peixe por valores muito simpáticos. Há também uma estação de barcos, uma espécie de cacilheiros de Istanbul, que me atraiu…

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Observo a cena: um barco acaba de chegar, larga os passageiros e logo os que em terra aguardavam começam a embarcar. Penso… tenho o “Istanbul Kart” no bolso… nem sei se é válido neste transporto mas suponho que sim… e de repente estou junto à máquina, passo o cartão, acende-se a luz verde. Não faço ideia para onde vou mas certamente haverá uma volta. Lembro-me que a viagem foi facturada a 1,95 TL… um pouco menos de 0,80 Eur.

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A embarcação afasta-se a grande velocidade. No Bósforo os barqueiros andam sempre apressados. Atravesso o rio, paralelo à ponte. E acosto na outra margem. Por um segundo senti uma pequena decepção… esperava uma viagem ao desconhecido e afinal é isto… !? Mas não… um dos funcionários chama, bem alto, e toda a gente se levanta… suponho que devo seguir com a corrente… afinal é um transbordo, creio que inesperado. Toca a entrar para uma embarcação idêntica que ali se encontra, e num instante já navego outra vez.

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Agora sim, a toda a mecha, pelas águas limpas do Bósforo (incrível, não é… águas limpas rodeadas de 20 milhões de humanos.. mas a verdade é que estão). Está um vento frio, que acentua o carácter marítimo da expedição. Há muito para ver, trepido de excitação… não sei se me hei-de virar para a Istanbul europeia ou asiática. E há o imenso tráfego do Bósforo, e os paquetes gigantes encostados aos cais. A viagem é agradável e não especialmente curta. Passa por mim um vendedor de chá… por impulso levanto o dedo… sabe bem, bebericar a bebida quente, servida numa esbelta chávena de porcelana. Custa 1TL.

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Eventualmente a viagem termina. Na altura nem o sei, mas estou em Uskudar, um dos bairros clássicos da margem oriental. Não sei bem para onde ir, de forma que ando um pouco para cima, e depois para baixo… até chegar à famosa “Maiden’s Tower”,  uma estrutura cheia de tradição e rodeada de lendas que se ergue num ilhéu a umas poucas centenas de metros de terra sólida.

Por ali, toda a margem está aproveitada de forma deliciosa: existem uma espécie de “escada”, à moda de um anfiteatro, com “degraus” altos, onde estão colocadas, de forma ordenada, enormes almofadões, por vezes separados entre si, como se fossem camarotes de teatro. Com o frio que está, enfio-me num, e sinto-me logo mais quentinho. Embrulho-me numa das mantas ali colocadas à disposição dos clientes e espero. Mas ninguém me vem atender. Acabo por retomar a caminhada, mas fica a recomendação para futuros visitantes de Istanbul. Vale a pena.

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Apanho outro barco, mas agora sei para onde vou: Eminem, que é o terminal fluvial (bom, aquilo não é bem um rio, mas parece mesmo o nosso Tejo) que serve o centro histórico. Desta vez vou a maior parte do percurso no interior, encostado a um bendito aquecedor, a descongelar.

O dia está a chegar ao fim. Ando por ali, vejo os pescadores que tentam a sua sorte dos patamares da ponte de Gálata. Entro na “mesquita nova”, volto a sair… deambulo ao calhas, sem saber muito bem onde estou a ir, mas com a consciência de que não me quero aventurar muito por hoje, pois estou perto de zonas que pretendo explorar em detalhe mais tarde.

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Dou comigo num mercado que parece ser infinito e que, suspeito, é apenas a aba exterior do famoso bazar de Istanbul. Procuro um gorro e, finalmente, depois de muito andar por ali, encontro uma bancada com alguma variedade. Pago menos de 2 Eur pelo desejado abafo, que as pobres orelhas há tanto pedem. Que satisfação! Pelo quentinho e pelo preço agradável.

É hora de começar a retirar. Tenho ainda uma longa caminhada pela frente, que vou fazendo parando ainda para comprar uns bolinhos para o serão e para fotografar de novo a ponte, desta feita já com a iluminação que vem com a noite. Passo agora pelo tabuleiro inferior, observando a clientela dos restaurantes.

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Do outro lado sigo um percurso diferente. Vou ao longo do Bósforo e depois obliquo por Beyoglu, talvez a zona mais cosmopolita da cidade e o cenário principal do romance O Museu da Inocência, de Orhan Pamuk, que tanto me marcou.

É Sábado e a cidade prepara-se para a festa. Sente-se o frenesim crescente no ar. Os bares já estão abertos, mas ainda vazios. Só que se nota claramente o afluxo de pessoas à zona. Já eu caminho em direcção oposta. Chego a Taksim e meto-me no Metro, que deixou de ter mistérios para mim.

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Antes de me recolher definitivamente paro no Carrefour Express para mantimentos. Depois passo um serão agradável na companhia do meu amigo, cada um a tratar das suas coisas, naquele silêncio cúmplice interrompido na hora e na quantidade certa, como só antigos companheiros de apartamentos partilhados sabem fazer.

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