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Acordo às oito. Tenho portanto três horas livres pela frente. Despacho um pacote de bolachas que felizmente tenho na bagagem, e depois é esperar. Não estou muito satisfeito com este repouso forçado, que se estende ainda mais quando o Adnan se atrasa. Quando chega, às 11:30, ainda haverá mais tempo a perder. Primeiro, o meu anfitrião, de surpresa, diz que não posso ficar uma segunda noite. Tenho que arrumar a mochila à pressa. Depois, há que a ir deixar no escritório do irmão do meu amigo. E, então sim, apanhar um mini-bus até à estação de “autocarros” de Batman, de onde saem os “dolmus” para Hasankeyf.

Ao contrário do previsto o Adnan não me acompanhará na visita aquela aldeia histórica. Não sei se fique satisfeito ou triste. Talvez seja melhor assim. A minha atracção pela exploração a solo é muito forte, sim, prefiro ir sozinho.

Esperamos juntos pelo transporte. Sentamo-nos a beber um chá até à partida. O bilhete custa 4 TL. A viagem de cerca de 50 km leva um pouco menos de uma hora.

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A paisagem é fascinante. Que pena não ter um carro para parar a meu gosto. Vou-me roendo de frustração pelas fotografias que não tiro. Há um campo repleto de bombas de petróleo, há aldeias pictorescas, uma delas com o que parece ser um castelo ou fortificação antiga, ou o que resta dela, no topo da colina adjacente, feita de pedra amarela. E há “casas” escavadas na rocha. Depois, aparece o rio Tigre, esse berço da civilização humana, de que tantas vezes ouvi falar e vejo agora pela primeira vez. E, sempre, a paisagem, por si.

Chegamos a Hasankeyf e começo logo a explorar. Abro a festa com a visita a um túmulo e a um pequeno hamam que se encontram na periferia da aldeia. É dia de festival, estão prometidos cantares a danças curdos, mas o evento acaba por ser cancelado devido às condições metereológicas. Há vento, por vezes bastante forte, e a cauda de uma tempestade de areia anda no ar. Batman estava coberta por um manto de “névoa” amarelada, e ali passa-se o mesmo. A areia trazida dos desertos do Iraque e da Síria infiltra-se em todo o lado e a garganta fica seca.

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Tiro todas as fotografias com que há muito sonhava. Hasankeyf, assim como Kayakoy, foram as duas razões de ser desta viagem, estrelas de um documentário no Travel Chanel que me atraiu até à Turquia. Esta aldeia histórica estará em breve (prevê-se Junho de 2014) debaixo de água, submersa na albufeira de uma enorme barragem que cobrirá toda aquela zona. Apenas o minarete da mesquita principal ficará de fora, testemunha grotesca de um património desaparecido.

Atravesso a ponte “nova”, que creio ser dos anos 60. Do lado de lá há uma espécie de centro improvisado. Os cafés e restaurantes mais frequentados encontram-se ali, e os “dolmus” páram na estrada. Há também um motel, que, segundo dizem, é relativamente barato mas com pobres condições, mesmo para esta parte do mundo.

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Tomo a rua principal, cheia de comércio, vocacionado para os turistas. Há lojas de recordações e restaurantes de preços inflacionados, como mais tarde experimentarei pessoalmente. Mas para já a excitação de ali estar retira-me a sensação da fome que tenho. Exploro sem parar aquelas ruas, avisto as habitações escavadas na rocha e compreendo que Hasankeyf é mais do que eu pensava. A ideia que tinha guardado era a de uma aldeia pictoresca, à beira do Eufrates, com um alto minarete e os pilares de uma ponte há muito destruida. E afinal dou comigo perante uma cidade escavada na rocha, agora abandonada por questões de segurança, depois de há uns anos um menino ter morrido esmagado por uma pedra que se desprendeu. O castelo, imponente, como um cenário único para um filme de fantástico, ergue-se ali. Antes podia ser visitado, mas agora, também por cautela, encontra-se encerrado.

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Já um pouco afastado do bulício da rua principal, um homem diz-me qualquer coisa, depois, apercebendo-se que não compreendo, muda para inglês… está-me a aconselhar a dar uma vista de olhos no “canyon” acolá, e sigo a indicação. Subo por uma fenda escavada na rocha por anos de erosão, por vezes mais larga, outras, formando lagos que nesta altura estão secos. Há pontos onde mal consigo passar, tão apertadas são as paredes. Infelizmente a falta de alimento começa a fazer mossa. Estamos agora a meio da tarde e a única coisa que comi foi aquele pacotinho de bolachas de manhã cedo. Assim não fosse continuaria a trepar e estou certo que acabaria por encontrar um ponto com vistas deslumbrantes sobre o rio e a aldeia. Mas tive que voltar para trás.

Andei ainda um pouco mais por ali. Entrei na zona “moderna” da aldeia, onde as pessoas vivem actualmente. Vejo que a cidade escavada nas rochas se estende ainda por centenas de metros mas já não tenho nem energia nem paciência para percorrer tudo aquilo até ao fim. Chego ao topo, à cidadela. À entrada um homem recolhe 1 TL à laia de bilhete. Hesito. E é nisto que dá passar demasiado tempo em viagem económico. Estamos a falar de 0,37 Eur. Entro, largando a moeda na caixinha, e vou encontrar uma casa de chá no terraço mais apetecido. Não fosse a fome atroz, teria feito ali uma boa pausa, mas não há ali comida, apenas bebidas.

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É hora de me sentar e me dar ao luxo de uma refeição a sério. Escolhi uma esplanada, mas não gostei dos preços. Acabei por pagar cerca de 12 Eur pela refeição completa, um valor razoável (mas não para mim) em Portugal, mas decididamente uma roubalheira para esta região. E nem estava especialmente saboroso. Pronto… final do dia. Apanhar o transporte de volta a Batman.

Ao serão encontrei-me com o Adnan. Fomos rodando os locais, mas não a bebida. Um chá aqui, um chá acolá. Um chá além, um chá ali. Talvez me tenha ficado na memória o sítio onde para além de chá experimentei o popular “café amargo” e também uma bebida que, segundo me dizem, poderá ter inspirado a fórmula da Coca-Cola (e sim, há de facto algumas semelhanças  e esta já cá estava quando a outra chegou). Naquela casa de chá, só há homens. De vez em quando chegam elementso femininos. Ou um par de namorados, ou integradas num grupo de amigos. Mas vão sempre para o piso superior. Menciono isto ao Adnan. Ele diz que o pessoal se sente mais descontraido sem mulheres e que não existem leis nem regras, é uma situação natural.

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Um homem entra, com um reservatório às costas. É o vendedor da tal bebida. Os meus amigos insistem para que eu experimente. OK. Não é bom nem mau. Uma espécie de coca-cola sem gás e menos amigável ao palato. Mas o vendedor fica fascinado comigo. Literalmente. E é um filósofo. Fica a matutar nas maravilhas da vida, como é interessante, eu estar ali e ele também, e nem um nem outro perceber nada do que se diz. E como é que me passou pela cabeça atravessar meio-mundo e acabar por o encontrar ali, tão longe, em Batman. E olhava para mim com expressão fascinada, repetindo este fascinio, verbalmente, aos meus amigos que divertidos iam traduzindo.

A noite acabou em casa dos “dois irmãos”, dois tipos completamente loucos, que, não estivéssemos nós numa terra onde não existem bebidas alcóolicas, eu diria que estavam em estado de pernamente embriaguez. Mas vamos lá, isto no bom sentido. Dois tipos bestiais, divertidos, com um enorme sentido de hospitalidade. Apareceu logo chá, bolos. O plano inicial era eu ficar lá em casa com eles (a família estava fora) mas tiveram que passar a noite com outro segmento da familia, de surpresa, e então o Adnan ficou comigo. Foi um serão interessante e divertido. As conversas no salão de chá foram elucidativas… no aspecto político, social, histórico. E depois a loucura dos dois jovens manos. Em grande.

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