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A confusão do tablet continua a dominar-me a mente e os planos. Que confusão! Tantos cenários possíveis. Pela manhã vou à estação de comboios recolher informação, mas parece cada vez mais evidente que terei que pagar mais e comprar um voo desta região para Istanbul. Vai-se o meu plano das 24 horas de comboio, mas paciência. Eu agora só quero recuperar as minhas coisas e regressar a Istanbul. Começo a sentir algo como quando estive na Síria… do tipo “isto aqui é tudo muito bonito mas quando me vir daqui para fora, vou respirar de alívio”.

Depois das informações – que mais coisa menos coisa bateram certo com o que tinha adiantadamente recolhido na net – voltámos ao centro da cidade, comprámos o pequeno-almoço numa pastelaria e viemos passear para o beira-lago. O Ersin trouxe-me até um café que tem internet e, já agora, é muito agradável, com dois andares oferendo excelentes vistas sobre o lago. Comemos o pão redondo, frito, ligeiramente doce, coberto com sementes de sésamo, que os turcos petiscam a toda a hora e em todo o lado. O amigo dele, companheiro de apartamento, e portanto também meu anfitrião, vem ter conosco, todo engravatadinho, como têm que andar todos os professores por aqui. Vamos para dentro, que lá fora o chá não chega ao ritmo que os meus amigos desejam. Subimos ao segundo andar. Que café agradável.

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Por volta do meio-dia os meus amigos têm afazeres e eu tenho onde ir. Ahlat. Uma pequena cidade, ou grande aldeia, a cerca de 30 km de Tatvan, onde se encontra um dos maiores cemitérios islâmicos do mundo, e não só é vasto, como é antiquissimo. Está pejado de campas desde o século VIII. O Ersin leva-me aos dolmus e despede-se.

Lá sigo, e assim que a viatura sai de Tatvan e vira à direita apercebo-me de toda a extensão da beleza desta região. É uma área de montanha pura, com este enorme lago em altitude. A própria Tatvan tem um perfume difuso a montanha. Mas visto desta estrada o lago e as montanhas envolventes são simplesmente espectaculares. Aquelas três dezenas de quilómetros são um desfile de detalhes e perspectivas de tudo isto… ai o que eu não daria para ter um carro aqui à disposição… quantas paragens, quantas fotografias.

Pergunto ao meu companheiro de viagem que segue à minha frente onde fica o cemitério, ao que ele responde com um gesto que diz: “Não te preocupes com nada”. E de facto, mais à frente, vejo-o dizer qualquer coisa ao condutor, e enquanto a furgoneta abranda, aponta-me com um grande sorriso para o cemitério que surge agora do lado oposto da estrada.

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Saio, atravesso o asfalto e entro no espaço onde se erguem milhares de lápides. Simplesmente espectacular. Daqueles momentos de puro êxtase, que me levam a vaguear de boca semi-aberta e a utilizar a D-90 como um maníaco.

Não estive por lá muito tempo, quer porque afinal não é tão imenso como me tinham dito, quer porque por mais fantástico que tudo aquilo seja, ao fim de um bocado cai na rotina. O campo foi  relativamente restaurado há pouco tempo, mas quem o fez nãolhe destruiu a magia, como vi suceder em Istanbul. Foi tudo murado, e as lápides mais importantes ganharam um painel explicativo em três línguas (turco, árabe e inglês). Existe também um museu, que não visitei. Não vi vivalma. Na entrada está um estaminé que vende recordações e pouco mais. À saída perguntei ao velhote se não tinha nada que pudesse comer. Disse que não. Mas comprei-lhe três maçãs que estavam uma delícia. Pediu-me 0,37 Eur pelas três.

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Afastei-me a comer logo uma, que estava cheio de fome. Tarefa seguinte, encontrar o dolmus de regresso para Tatvan. Fui andando, andando, até chegar a uma rotunda. Do lado de lá da estrada vejo um senhor junto a um carro. Vou lá falar com ele, perguntar-lhe onde posso apanhar o transporte. “Pardon, dolmus, Tatvan?”. Ele começa a explicar, mas não percebo bem. Ao fim de dois segundos já o homem tinha desistido, começa a andar a faz-me sinal para o seguir. Anda comigo cerca de quatrocentos metros até chegar ao ponto pretendido. Pelo caminho vai falando com toda a gente com que nos cruzamos, a pé, de carro e de camião. Deve ser uma pessoa influente.

Chegando ao local, faz-me sinal de que agora esperamos. Não só se deu ao trabalho de me levar até ali como agora não arreda pé. Não senhor, não enquanto eu não estiver a caminho. Passado um pouco chega outro homem, que conhece algumas expressões em inglês. E ficamos ali os três. Acho que o outro também quer ir para Tatvan, mas quando passa o próximo dolmus, dá-me prioridade.  O meu ilustre protector faz sinal ao carro para parar e enceta negociações com o condutor que está muito reticente em me levar porque aquilo vai cheio. Acaba por me arranjar um cantinho lá atrás, misturado com a bagagem. Despeço-me, com um abraço e os beijos da ordem que são naturais nesta cultura.

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Cheguei a Tatvan com bastante tempo livre até ao fim da tarde, quando iria reencontrar os meus anfitriões. E, sinceramente, não há nada para fazer em Tatvan a não ser passear pela rua principal e pela marginal. Foi o que fiz, claro. Até me cansar. Por fim retiro-me para o Dodo cafe, esse refúgio que me protegerá nos dias seguintes, que me manterá em contacto com o mundo nas horas mais dificeis.

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O Ersin chega tarde, bem atrasado. Já é noite há um bom bocado quando aparece, apressado. Por essa altura já paguei e espero-o junto à saída. Ele hoje vai jogar futebol com amigos e eu estou convocado a título de repórter fotográfico. Será um trabalho díficil porque a luz no recinto é muito reduzida, mas divirto-me. A única chatice será o frio intenso, combatido a pulso de mais uma meia dúzia de chás, todos oferecidos pelas mais diversas pessoas. O Behrat aparece a meio do jogo. Desporto não é com ele. Por fim acaba o tempo. Toda a gente se senta a beber chá e a ver as minhas fotos, cada um excitado à sua maneira… uns introvertidos fingem desinteresse, outros, mais frontais regozijam com esta ou aquela imagem, que vão vendo no LCD da Nikon. Fala-se de futebol em Portugal.

O serão foi igual aos outros em Tatvan. Em casa, a comer e a conversar. Por fim eles vão-se deitar, e eu fico a acabar de ver um jogo da Liga dos Campeões que passa na TV.

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