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Acordei com as galinhas. A jornada que tinha pela frente exigia um início das operações verdadeiramente matutino. Apanhar um dos primeiros mini-bus da cidade para o ponto do início da caminhada era um pressuposto do sucesso. Sim, porque 30 km em serra ainda é alguma coisa e os dias vão sendo pequenos.

Um par de dias antres, à chegada, o meu anfitrião tinha-me logo posto à vontade:

– “Subir sem carro? Impossível. Ou pagas uma pequena fortuna a um táxi ou vais andando na esperança que passe alguém e te dê uma boleia”.

Ora nenhuma das três hipóteses se me afigurava como opção. Nem a impossibilidade, nem a despesa nem a boleia, porque, vá-se lá saber porquê, não sou talhado para aquele pedido de polegar erguido. Não gosto, pronto. Sinto-me acabrunhado.

Portanto, ficou decidido: se era impossível ou não, se veria depois de me pôr ao caminho. O Arsin vai dando conselhos…

– “Se não conseguires chegar lá acima, há um hotel a meio caminho, fazes uma pausa, voltas para baixo, já não perdes tudo”.

E eu, pensando para os meus botões… “sim sim, meio caminho, está-se mesmo a ver”.

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Pedi para me deixarem sair junto à estrada esburacada que dá acesso ao cume do monte, despedi-me com um aceno de cabeça, mão direita de palma aberta sobre o coração, a agradecer ao meu vizinho de banco a amabilidade de me ajudar a encontrar a paragem correcta, e fiz-me à estrada.

Era bastante cedo. Esperava um frio serrano que não se fazia sentir, e ao fim de uma centena de metros, logo depois de passar por um amontoado de tendas que abrigava refugiados sírios, tirei dois “layers” de roupa que acomodei na mochila. Passei a linha de comboio e para trás ficaram as últimas casas.

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Apesar da inclinação, subia-se bem, com passo rápido. Passa um carro, e logo depois uma carrinha. Ganho coragem e faço o sinal de boleia, mas aquilo vai cheio, o pessoal sorri, mostra com gestos que mesmo que quisessem não dava. Pois, é isso. Não tenho mesmo paciência para estas coisas de boleias. Está decidido. Vai ser até lá acima. São 13 km, faço uma paragem junto ao tal hotel para repousar um pouco e tomar o pequeno-almoço que trago comigo, e por volta do meio-dia devo estar lá em cima.

O estradão de terra batida que vai por ali fora está a ser substituido por uma estrada a sério e por volta do quilómetro 3 ou 4 começo a encontrar a maquinaria e as equipas de pessoal que trabalha na obra. A passagem do estrangeiro causa furor, e vão-me perguntando sucessivamente…   “Hallo! Where are you from?”.

Chego a meio, começo a procurar o melhor local para a pausa planeada, quando vejo uma Strakkar aproximar-se e, para meu relativo espanto, parar ao meu lado. Perguntam se falo turco. Pois, não. E inglês? Isso sim. E vou lá para cima? Sim, estava a pensar nisso. Então que entre, que eles também, e levam-me.

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Apenas o condutor se exprime, com bastante dificuldade, em inglês. Dá para perceber que são uma equipa de topógrafos e que estão dispostos a sacrificar algum tempo da sua manhã para me mostrar umas coisitas. O carro evolui pela estreita estrada de terra batida. O autorádio vai passando música curda, que funciona como uma banda sonora para este filme incrível. Paramos. É para ver uma fonte de água quente que ali existe. De novo em andamento. Vamos lá abaixo, à lagoa. E durante tudo isto vou matutando se terá sido uma coisa boa ou má, esta boleia. Por um lado, estou a ter oportunidade de ver locais onde não teria chegado a pé, mas é uma visita feita às pressas, e sem o ambiente que o ambiente envolvente pediria. Acho que no fim, sim, foi positivo. Valeu pela experiência quase surreal, pelo momento.

Na superfície da lagoa vê-se um borbulhar que marca a nascente de água quente. Ali ao lado existe uma estrutura que dá algum apoio aos campistas que por vezes aqui ficam. Hoje não há ninguém a acampar e recordo-me que me tinha chegado a passar pela cabeça de aqui montar tenda, mas que a falta de uma (nenhum dos meus amigos de Istanbul tinha uma tenda) e a descida das temperaturas nesta altura do ano tinha-me feito colocar a ideia de lado.

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Em menos de nada já estamos a fazer o caminho de volta. Está tudo visto, e ainda nem são 11 da manhã. Estou decidido a arranjar algum tempo a sós com a natureza e pergunto-lhes se é possível subir lá acima, ao anel que abraça a cratera. Dizem que sim, a pé, contornando as obras na estrada, mas não de carro. E eu a pensar… “óptimo, óptimo”. Pergunto-lhes a que horas vão para baixo para Tatvan, se me podem dar boleia para a cidade. Há uma perda de comunicação neste momento, não percebo e não me percebem. Mas dou comigo com o carro parado, a preparar-me para iniciar a subida, mas ainda sem me conseguir fazer entender. E de repente o Enginyu, ou Enginyuzinho para os amigos, em honra dos jogadores de futebol brasileiros, vai ao carro e volta com um walkie-talkie. Pronto, este é para mim, assim posso chamá-los se tiver algum problema e um pouco antes de me querer ir embora é só dizer.

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Há que caminhar um pouco pela estrada onde máquinas evoluem. Ao volante de um tractor de terraplanagem um tipo simpaticamente louco mete-se comigo, apita, e eu penso que é para sair da frente, mas é o contrário, é para dizer para passar para aquele lado que a vista é melhor. Depois apita outra vez. É para oferecer uma maçã. Recuso com um sorriso. Apita de novo. É para que eu lhe tire uma fotografia (ver no fundo deste artigo).

Por fim encontro o acesso para a encosta que quero trepar. Mas não vou ainda a meio da subida quando ouço o meu nome no rádio. Os meus amigos já estão despachados e querem-se juntar a mim. Bem, o sossego durou pouco, mas tive os meus quinze minutos de glória. Juntos chegamos ao topo, que não o é em absoluto, mas é o que se pode alcançar sem grandes aventuras. A lagoa da cratera está ali aos nossos pés. É um daqueles momentos especiais, que dá sentido a todas as dificuldades que vão surgindo quando se viaja.

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Vimos para baixo e depois, de carro, até à cidade. Pelo caminho paramos para deixar metade da equipa ali numa aldeia próxima. Apercebo-me que topógrafos são apenas os outros dois, e os que aqui ficam são ajudantes sem qualificação. Já em Tavan não escapo sem beber o cházinho da ordem, conversamos um pouco, com o inglês limitado que é possível. E por fim fico entregue à minha sorte pela hora do almoço.

Ora em tatvan não há nada para fazer. Resultado: uma tarde passada descontraidamente, de novo, no Dodo Cafe. Era mais um dia de sol, e o que via pela janela não era diferente do que se passava na véspera. As pessoas usufruiam do espaço de forma relaxada, passeando junto ao lago, sentando-se por um bocado nos bancos públicos ou nas improvisadas esplanadas onde bebericavam o seu chá, com as montanhas abraçando Tatvan, algumas, como a que acabei de explorar, com as faces secas e áridas, enquanto outras, mais altas, de topos cobertos de branco.

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Tenho tempo, ando pelo centro de Tatvan, leve, sem a carga completa a que já me habituei. A rua principal é uma Babilónia de comércio, depois, na primeira paralela em direcção ao lago, há as casas de chá onde a ociosa – leia-se, reformada e desempregada – população masculina se reúne, despejando copo de chá atrás de copo de chá. E a paralela seguinte é já a marginal, com um outro ambiente, para os sonhadores e namorados. Vou à estação de comboios comprar o meu bilhete para Ancara. Será uma viagem de 26 horas seguida de uma ligação de autocarro de seis horas para Istanbul. Isto porque a minha encomenda chegou! O Ali cumpriu a sua palavra e tenho de novo em meu poder o tablet e o e-reader. Mas quando chego junto à bilheteira o funcionário diz que não é possível emitir o bilhete porque o sistema está em baixo. Deverei apresentar-me ali no dia seguinte às 6 da manhã. Que seca! Isso significa que terei que caminhar aqueles 3 km’s, porque aquela hora não há transportes. E depois, fico um mau pressentimento. Teria sido muito melhor se saisse dali com o meu bilhete.

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Para o fim da tarde encontrei-me com o Ersin e amigos no centro comercial. Vamos para casa, parando antes para comprar o jantar. Sentamo-nos no chão, mesa posta ali mesmo, e tudo é delicioso. Compraram uma espécie de pizza, muito fina, feita daquilo a que chamamos pão árabe, com uma base de carne picada e molho que me parece de tomate. A ideia é pegar naquilo, colocar vegetais variados por cima e enrolar, criando um canudo que então se come.

O resto do serão foi passado a despejar Coca-Cola, uma bebida bastante apreciada naquela casa, e chá. Há mais futebol da Liga dos Campeões para ver.

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