Este é o primeiro artigo de uma nova rubrica do blog Cruzamundos, devidamente apresentada no artigo Visitar Locais Abandonados: de Mãos Dadas com o Passado. E para abrir a secção selecionei um dos mais fantásticos locais abandonados que visitei, que se destaca do lote pela unicidade da situação: enquanto pelo mundo fora este tipo de locais são gradualmente saqueados por aventureiros em busca de lucro fácil perante a indiferença de autoridades sem orçamento ou sem ideias para encontrar uma solução, em Tallin encontrou-se uma fórmula muito adequada. Ali o local foi concessionado a uma associação cultural (ou pelo menos assim se define). Resultado: para se visitar paga-se bilhete, como se se tratasse de um museu. Em troca, tem-se segurança contra almas penadas e o local encontra-se defendido dos salteadores do costume. E de que maneira. Os seguranças são rapazes bem encorpados e não parecem estar ali para brincadeiras. Como resultado o urbexer sente-se como numa coutada. Pode explorar em condições ideais e o local encontra-se numa condição perfeita: parece abandonado mas não o está, pelo menos completamente.

Mas comecemos pelo princípio. Foi o czar Nicolau I que ali idealizou uma enorme fortaleza que protegesse a cidade de qualquer audaciosa acção dos seus inimigos pela via marítima. E assim surgiu, corria o ano de 1840, ocupando uma área de quatro hectares, à entrada de Tallinn, cobrindo a aproximação ao porto. Em 1867 albergava uma guarnição, à laia de caserna. Em 1920 o novo regime soviético converteu-a em prisão, e assim se manteve ao longo do tempo. A prisão tinha teoricamente capacidade para 2.000 captivos, mas chegou a albergar 4.600 pessoas.  Apenas em 2004 foi desactivada, e desde 2007 encontra-se como hoje se vê, formalmente um Culture Park cuja admissão funciona entre Maio e Setembro, entre as 12:00 e as 19:00, com um bilhete de 3 Euros.

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Ainda antes de encontrar a entrada das instalações encontro o muro marítimo, infiltrando-me por trilhos obscuros habitados por algumas pessoas igualmente obscuras. Paciência. Começa a chuviscar e o vento é forte, mas estou imparável. Trepo a uma periclitante torre de vigia e analiso as redondezas. Não, não dá para penetrar por ali. Vou mesmo ter que procurar a entrada a sério.

À chegada sou logo confrontado com o portão encerrado. Ainda não são 12:00, é normal. Falta pouco, espero por ali, calmamente. Mas chega a hora e não se passa nada. 12:30, ainda encerrado, Mas eu quero MUITO entrar. Continuo à espera. Pouco depois aproxima-se um carro. Boa! Vamos ver o que sucede. O condutor parece tão perplexo como eu. Mas parece também saber o que faz. Sai da viatura e passado uns segundos o portão abre-se, lentamente. Aproveito para lhe perguntar como é que é… encolhe os ombros, diz que aquilo devia estar aberto e entra, conduzindo. Um segurança mal-encarado torna a fechar o portão mas deixa uma aberta. Não parece convidativo.

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Passado um pouco chega outro carro. Um jovem casal que parece local, mas igualmente confuso com a situação. Entram pela fresta. Ai é!? Então entro também. Vejo-os a desaparecer lá ao fundo, dobrando uma esquina, e sigo-os. Já não se perdeu tudo, estou numa espécie de primeiro páteo e deu para ter um cheirinho.

Ao virar da tal esquina, uma pequena roloute parece servir de escritório a uma “avozinha” que vende os bilhetes. Boa! Pago os 3 Eur com entusiasmo e entro no espaço reservado. E a partir fez-se magia….

Como referi, o espaço encontra-se preservado. Acho que “preservado” é a melhor definição. É verdade, a prisão foi abandonada e é esse abandono que é agora, de certa forma, preservado. Em vez de ser restaurada, transformada num moderno museu – o que sempre retira algo da autenticidade destes locais –  pode-se simplesmente explorar o complexo (ou melhor, uma generosa área do complexo, porque apenas uma fração se encontra aberta aos visitantes) com um pequeno suporte (existe segurança contra intrusos e em determinados pontos há iluminação artificial) mas o sumo está lá todo, aquela adrenalina que acompanha a surpresa a cada virar de esquina.

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O espaço interior dá calafrios. Especialmente num dia como aquele, cinzento e frio. Porque a atmosfera da cadeia é isso mesmo: cinzento e frio. A humidade penetra-me nos ossos. A proximidade do mar não perdoa. Imagino o calvário que os prisioneiros terão vivido nestas celas, maltratados pelos captores e pelos elementos.

Está lá tudo: os páteos exteriores, as celas, as portas de alta segurança que dividem os sectores de detenção, as zonas de exterior com áreas de exercício. Existe até uma sala de execuções – que não consegui identificar. Ali os agentes do KGB disparavam um único tiro, dirigido à nuca do condenado. E acabava-se tudo. Diz-se que foram aqui conduzidas tenebrosas experiências “cientificas” usando os prisioneiros como cobaias. E quando se entra no hospital da prisão tem-se uma fugaz ideia dos horrores que se terão ali vivido.

Encontrei o casalinho de namorados uma ou duas vezes, logo no início, quando explorava as primeiras salas. Depois, nunca mais os vi. Encontrei um par de técnicos que instalava umas lâmpadas num sector da prisão e, já caminhando para a saída, cruzei-me com um grupo de três casais de turistas ocidentais. Fora isso passei três horas absolutamente sozinho, apenas na companhia dos fantasmas que tantas estórias me contaram. Nunca antes tinha gasto tanto tempo a explorar um local abandonado, e certamente nunca nenhum me inspirou um tão elevado número de imagems. Mostro neste artigo uma galeria selecionada com 75 fot0grafias, mas tirei mais de 200. Isto diz muito sobre a qualidade da experiência.

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Na realidade, esta visita foi um dos pontos altos de uma longa viagem que me levou da Finlândia até Praga, passando pela Estónia, Letónia, Lituânia, Bielorússia e Polónia. E certamente o melhor momento da passagem pela Estónia.

Curioso? Quer saber mais sobre o local? Aqui estão alguns links com mais informação:

Galeria completa de imagens selecionadas. Click nas fotografias para ampliar:

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