14 de Fevereiro de 2025
A noite até foi bem passada mas soube a pouco. Dispensei o pequeno-almoço para ganhar mais uns minutos de sono e só desci para a arrancada do dia de aventuras.
No lobby a minha roupa yemenita esperava por mim. Foi uma boa surpresa. Estava previsto gastar uns 50 Euros na aquisição de roupa local que era considerada obrigatória. Afinal a empresa ofereceu-me o sarong e o lenço yemenita. E, já agora, não era mandatório. O Jamal disse que no início eles requeriam isso porque tinham medo que as pessoas reagissem de forma estranha à presença de gente vestida de forma para eles bizarra. Mas agora tinham deixado de lado a ideia. Na realidade sempre achei que um estrangeiro a tentar ser local é mais estranho e chamativo do que a ser ele próprio.
Ao hotel chegaram os dois guardas que nos acompanhariam. AK-47’s ao ombro, sarong e camisa, lenço na cabeça à yemenita. Entretanto o pessoal da empresa colocam os lenços e sarongs nos membros do grupo que o desejam.

É hora de sair. Rumo a Qabr Hud, um local de grande significado religioso. E começa a sucessão de postos de controle na estrada. A sua frequência é proporcional ao tamanho da cidade que se encontra por perto. E sair de Seiyun é portanto moroso. As conversas passam-se em árabe, claro, e só consigo guardar as ideias gerais. Sem razão aparente alguns guardas mandam-nos avançar enquanto outros levantam entraves, verificam documentos, pedem autorização à central para a nossa passagem.
Os condutores yemenitas são surpreendentemente (e baseio-me nas realidades rodoviárias de outros países da região) calmos e respeitadores. É fácil conduzir aqui. Venho do Egipto, onde as buzinas nunca param. No Yemen não se deixam ouvir de todo.
A meio caminho uma paragem para ver de perto um grupo de camelos que rumina ao lado da estrada. Os companheiros de viagem ficam entusiasmados. Pessoalmente já vi suficientes.
Mas voltemos a Qabr Hud! Muitos acreditam que foi aqui sepultado o profeta Hud, enviado às arábias antes do próprio Maomé. Qabr Hud fica a uns 120 km a leste de Seiyun, duas horas e pouco de caminho. Na aproximação assemelha-se a uma aldeia, mas é uma localidade fantasma. Acorda da sua letargia desértica uma vez por ano. Acontece entre o 11.º e o 15.º dia do Shaban, o oitavo mês do calendário islâmico, que regulando-se pelos ciclos da lua é considerado um calendário lunar.

Nessa altura o bulício torna-se constante, com a chegada de milhares de peregrinos que visitam o mausoléu de Hud e pernoitam nas muitas casas que se espalham pela colina. Depois tudo acaba. Fica para trás o muito lixo que se vê espalhado pelas vielas e escadas de Qabr Hud. Será já próximo da próxima peregrinação que se procederá à remoção daquele sem fim de garrafas de plástico vazias, embalagens espalhadas, restos de presença humana de todas as formas.
Ali junto existe um cemitério histórico (ver imagem de topo). As lápides encontram-se preenchidas com inscrições em árabe. E não se vê vivalma. Caminhamos pelos trilhos que conduzem à saída, sob o olhar protector dos nossos guardas. Durante o tempo que passámos em Qabr Hud só o homem que nos abriu o portão da aldeia se mostrou.
Iniciamos o caminho de regresso. Almoçaremos próximo de Tarim, uma pequena cidade com diversos pontos de interesse. Será a primeira de muitas refeições. Sempre idênticas. Os menus não mudam muito mas há outros pontos em comum: a qualidade dos géneros, a boa confecção e os preços baixos (entre 2 a 5 Euros pela refeição). E sempre delicioso. Esta foi à mesa. Quase todas as outras serão no chão, sobre uma alcatifa, como é modo aqui e noutras paragens do Médio Oriente.
A incansável equipa tinha conseguido que alguém nos fosse abrir a porta do palácio mais imponente de Tarim. Pequeno passeio a pé pela cidade. Hora do calor e as ruas estão desertas, o comércio encerrado. Passa uma ou outra viatura.
O palácio é branco, com recortes a azul. O interior está vazio. Salas desnudadas, algum lixo que se amontoa nos cantos. Vamos subindo andares. Os vitrais são a nota mais chamativa. Isso e a vista sobre a cidade que se obtém no último piso. Na saída o Jamal sugere que demos algum dinheiro ao tipo que nos permitiu o acesso. OK.
De seguida está prevista uma breve visita a uma universidade teológica. O breve tornou-se longo pela força das circunstâncias. O responsável pelas relações-públicas teve um voluntário para nos acompanhar, um jovem yemenita britânico, e entre eles o entusiasmo era tanto que foi difícil não ficar contagiado.

Mais isto e aquilo, perguntas e respostas, boa conversa e a visita ia-se alongando. O Xi, o nosso companheiro chinês, encontrou nas fileiras de estudantes um compatriota e fartaram-se de conversar. Em mandarim, claro. Foi uma experiência interessante, podia facilmente ter resvalado para uma grande seca, mas conseguiu ser surpreendentemente cativante.
Agora é apressarmo-nos para ver o pôr-de-sol no topo de uma das colinas que abraçam Tarim. Não chegaremos a tempo, então paramos a meia encosta, numa plataforma de terra batida. É dali que vimos o final do dia. Na companhia de uma AK-47 que inesperadamente nos aparece nas mãos. Simplesmente o ocupante de um carro que ali estava também para contemplar o sol ofereceu a sua arma pessoal para tirarmos fotografias, assim, sem mais nem menos. E enquanto nos íamos revezando com a Kalashnikov nas mãos, o proprietário deliciava-se com o nosso entusiasmo e ia por sua vez fazendo um pequeno vídeo da cena.

Já de noite o regresso ao hotel. Janta-se lá. Cada um por si, quando quiser, o que quiser. A inglesa escolhe a mesma hora que eu e será companhia para a refeição. Soube-me muito bem. Sumo natural de manga, húmus, pão acabado de fazer e mais uns petiscos locais.
Serão descansado a recuperar um pouco de um dia muito cheio e uma noite bem dormida.