Neste último dia em que despertei em Pequim sentia-me fisicamente em baixo. A gripe, essa eterna inimiga, que me persegue pelos quatros cantos do mundo, apanhou-me de novo. Para já não é crítico. Não creio que tenha febre, mas não me apetece sair.
Fico por ali, na caminha quente do meu confortável hostel. Eventualmente vou comprar abastecimentos à 7Eleven ali próximo. Agora que descobri onde fica, dá-me imenso jeito. Passo a manhã na ronha, a comer e a beber, no quarto.
Espero até ao último momento que o Marquis, o chinês que conheci na tour da Coreia me contacte. Tinha ficado combinado fazermos qualquer coisa juntos. Mas não. Falarei com ele mais tarde, já em Portugal. Não conseguiu aceder aos canais habituais… Facebook, Whatsapp. As contramedidas do Governo foram muito eficientes neste período das comemorações.
E assim, sem energia, deixo-me ficar vou mais cedo do que o necessário para o aeroporto. É tão funcional e simples… metro e pronto. Uma hora, desde o hostel até entrar no terminal. Tenho todo o vagar do mundo, sem stress. Porque de facto não me conviria nada perder aqui o voo para Paris. Com escala em Guangzhou.
Uma nota: quando saio à rua arrependo-me de imediato da minha indolência matinal. É que aquela confusão que reinou em Pequim em todos os dias que aqui passei desapareceu. A cidade é agora muito mais calma, quase um deserto. Teria sido um excelente dia para visitar qualquer coisa. Fiquei a pensar que sem ser uma cidade que me tivesse conquistado o coração, gostei mesmo assim. Foi uma cidade simples. E nestes dias complicados. Imagino que numa época mais normal a experiência do visitante seja ainda melhor. Gostei.
É fabuloso como os chineses se podem dar ao luxo de ter aeroportos internacionais onde aparentemente ninguém fala inglês. Nem no balcão de informações. Mas sem problema: qualquer coisinha, sacam do telemóvel onde vive uma app fabulosa, que bate aos pontos o Google Translate, com uma qualidade de tradução incrível e que ainda por cima funciona com voz. E é assim que se faz o diálogo. Um pouco estranho, mas muito efectivo.
O voo doméstico fez-se sem qualquer problema. Tudo dentro do normal, partida à hora, comidinha a bordo, chegada em bom tempo. Simples de transitar, fácil de obter o boarding card para o voo intercontinental. Descobri um supermercado com cervejas a bom preço, comprei uma e alguns chocolates e troquei o resto do meu dinheiro chinês, com uma certa perda. Gastei bem menos dinheiro nesta viagem do que tinha previsto.
Sinto-me bem, invadido por uma tranquilidade. Estou quase a voltar a casa e tudo está sereno… o aeroporto está vazio, o voo já lá está anunciado, partida prevista dentro do horário. Desloco-me pachorrentamente para a porta de embarque… tranquilo, tranquilo. Tinha conseguido escolher online o lugar. Não tão bom como para cá. Ainda por cima, apesar de estar à janela, os dois lugares ao lado foram ocupados, por duas jovens chinesas. Muito educadas e boa onda como vizinhas, mas é espaço que me falta.
Estava a prever um voo complicado, claustrofóbico, ainda por cima durante a noite. E assim se passaram as duas primeiras horas. E é nessa altura que por acaso olho para trás e que vejo eu: uma linha inteira de cadeiras vazia. Uau! Peço licença às vizinhas e vou para lá. Nem acredito neste milagre que transformou uma viagem desconfortável em mais um grande voo com uma companhia aérea china. A Southern é mesmo muito boa. Exemplo: recusei o jantar (estava cheio e esperava algo com muita comida chinesa) e quando passou a refeição intermédia estava eu a roncar deitadinho no meu império de três bancos. E não é que quando depois acordo e vou ao WC a menina me diz: “Desculpe, senhor, reparei que não comeu nada, deseja que me sirva qualquer coisa?”. Ouch! Isto é tratamento galáctico! Serviu-me uma refeição maravilhosa que me soube muito bem, e ficou o detalhe. O pessoal de bordo desta companhia é mesmo muito bom.
Cheguei a Paris por volta das seis da manhã. Tinha que me despachar para chegar a casa do Pascal antes das nove. Consegui. Ainda deu para conversar um pouco antes dele sair para o trabalho. Quanto a mim fiquei na preguiça. Outra vez. Estava pior. Com o nariz muito entupido. Ele bem me encorajou a passear um pouco mas só queria descansar e estar ali, naquele apartamento confortável.
Às tantas decidi-me a sair, mas logo voltei para trás. É que começou a chover no instante em que saí para a rua. Mais descanso. Até começar a ficar seriamente entediado e ver bons pedaços de céu azul pela janela.
Andei por ali, por Montmartre. Passei pela parede do I Love You e pela Catedral do Sagrado Coração. Fiquei chocado pela forma horrível como a cidade mantém os espaços. Está tudo com tão mau aspecto. Especialmente lá em cima, onde se montava uma feira de aspecto rasca. Passei pelo apartamento de Van Gogh, revisitei brevemente o cemitério do bairro e deliciei-me com um kebab hiper-super-delicioso que me custou apenas 6 Euros.
Voltei e não saí mais. O Pascal regressou do trabalho, começámos a preparar o jantar. Juntou-se-nos um amigo dele, colombiano, a viver em Madrid, que estava de visita. Foi uma refeição muito agradável. E foram assim os últimos momentos desta viagem.
No dia seguinte saí cedo, apanhando o metro e depois o autocarro para o aeroporto de Paris Beauvais. Tudo tranquilo. Cheguei a Faro sem problemas a meio da manhã. De volta a casa.