6 de Maio

Assim sem mais, para começar a escrita, aquilo que me vai na alma: só quem não esteve já uma semana inteirinha sem um duche pode compreender a sensação da quebra deste jejum. Mesmo quando se lava a cabeça com detergente para a louça. Pormenores de somenos importância, tornados ainda mais pequenos quando a excelsa ocasião é antecedida de uma marcha de 3 km debaixo de chuva, por vezes muito intensa, e muita trovoada.


Agora que está dito, comecemos pelo inicio. Acordar relativamente cedo, levar metade da equipa de viagem ao autocarro para o aeroporto (o que significa que doravante a narrativa desta deambulação pelo Leste Europeu passará predominantemente a singular) e dar uma volta descontraida pela cidade. Depois da noite de Sábado as ruas estão vazias. Vão-se contudo enchendo, aos poucos, e depois de passar cerca de meia-hora sentado num banco na principal (e única, arriscarei a dizer) via pedonal de Kaunas, onde se pode sorver Internet cedida gentilmente pela autarquia, já muita gente cirandava, nos seus passeios dominicais.

O dia estava agradável mas faltava imaginação para o que fazer, Kaunas, como destino turístico, estava visto e mais que visto. Podia começar a caminhar sem destino, rumo aos subúrbios, mas para um país plano (na Lituânia o ponto mais alto está a cerca de 200 m de altitude) as cidades são cheias de altos e baixos, e não apetece nada começar a subir ladeiras. Vou para casa, relaxar um pouco. Escrever, processar fotografias. O Tomas tinha um exame para obter o diploma de velejador, que correu bem. Apareceu já pela hora de almoço adiantada, não tão feliz como se poderia prever, porque entretanto recebeu más notícias: a sua candidatura para passar um ano a estudar na Indonésia foi recusada. Ficou na 16ª posição, e apenas os 15 primeiros candidatos eram aceites. Resta a esperança de uma desistência, que mudará tudo.

Fomos dar uma volta. Atravessámos uma ponte e caminhámos à beira do rio, por um trilho muito estreito, até à estação fluvial de onde, nos meses quentes de Verão, existem ligações por barco até à bonita cidade costeira de Nida. A jornada leva um dia inteiro, mas é muito apreciada.

Dali marcámos como próximo destino o forte VII. Em redor de Kaunas estende-se uma rede de fortificações erigidas a mando da imperatriz russa Catarina, perto da passagem do século XIX para o XX, à laia de precaução contra o expansionismo alemão. Foram cerca de 3 km por ruas, estradas e ruelas, até invadirmos a primeira linha de defesa, guarnecida pelos fantasmas do exército russo. Os túneis estão em pobre condição, alguns totalmente invadidos pela água que vai caindo e que escorre lentamente por ali adentro. Começa a chover. Para já estamos abrigados, e aviamos um pacote de bolachas que levava na mochila, enquanto cai uma carga de granizo e o ribombar da trovoada faz estremecer a estrutura defensiva onde nos escondemos.

Uma pausa na queda de água e pomo-nos a caminho. Vamos ver um monumento à construção da estrada inaugurada em 1939, ligando Kaunas a Kaleda. Posso imaginar os tempos em que a abertura de tal via era uma ocasião especial, a merecer a construção de um miradouro e de um obelisco encimado por dois cavalos que, diz-se, pretendiam ser uma homenagem aos muitos cavalos que morreram durante os trabalhos. A chuva recomeça a cair, e está na hora de regressar. Vão ser 3 km muito sofridos. As malditas botas (diabos te carreguem ò Decathlon) que deveriam ser à prova de água deixam-me os pés encharcados passado um bocado. Pode parecer um pequeno pormenor, mas é um revés preocupante. Este tipo de calçado não seca num par de horas e antevejo problemas. Qualquer mudança de meias ficará comprometida, porque as secas deixarão de o ser ao contacto com a água absolvida no interior das botas. Primeira consequência: já não saio mais. Tomo o tal duche, e delicio-me depois com uma refeição quente preparada pelo Tomas.  O que resta do dia é passado a ver episódios da série Lie To Me.


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