Num dia em que correu tudo bem, nem por isso o gosto por estar na Islândia subiu. Logo de manhã o anfitrião deu boleia para a estação de autocarros BSI, onde iriamos levantar o carro de aluguer.
Tudo óptimo. O balcão do aluguer é mesmo no interior da pequena estação, não sei como não reparei nele quando chegámos. Deixaram-nos levantar o carro uma hora antes do previsto, sem problemas. Um carro novinho, um Volkswagen pequeninito. Não gosto muito quando me dão carros novitos… poucas anotações na folha de pequenos danos, riscos de chatices acrescidos.
Boas notícias: esta empresa – a Enterprise – oferece os bilhetes de autocarro para o aeroporto (até dois adultos por aluguer) e existem cacifos na estação por preços totalmente razoáveis que poderemos usar no último dia. Tudo se encaixa: deixar o carro às 10:30, mochilas nos cacifos, umas quantas horas para dar uma última volta pela cidade e de regresso, para apanhar o autocarro (que para nós será então gratuito) para o aeroporto. Perfeito.
Saída de Reykjavik. A primeira paragem é na casa-museu do escritor islandês Halldór Laxness, autor do livro que leio actualmente, O Sino da Islândia. Fica nos arredores da cidade, bem no caminho que temos estabelecido para hoje. A entrada para a casa custa cerca de 6 Eur e lá se poderá sentir o ambiente que inspirou este profícuo autor que escreveu dezenas de obras. Tudo foi deixado exactamente como era quando Halldór Laxness faleceu.
Uma boa parte do dia foi usada a explorar as zonas mais acessíveis do Parque Natural de Thingvellir, a única inscrição da Islândia na lista de Património Mundial da UNESCO. O Parque tem duas componentes… a par da beleza natural, reveste-se de significado histórico. Era aqui que em tempos quase imemoriais os islandeses parlamentavam, em eventos que reuniam a população, debatendo-se as questões essenciais e fazendo-se do evento pretexto para lazer e divertimentos. E isto foi acontecendo durante cerca de oito séculos, com as primeiras sessões a ocorrerem no ano de 930 e a última já em 1798.
Geologicamente a área é muito interessante. Há fendas impressionantes, algumas preenchidas com uma água cristalina que ocupa estes buracos abertos no solo pela violência sísmica que caracteriza a região. Faz impressão estar à beira de um pequeno lago e de repente, no meio da areia suave que se vê sob a água, surgir um azul tão profundo que parece negro. É na realidade uma “fossa” de mais de vinte metros de profundidade.
Fomos para um pequeno passeio de 3 ou 4 km a par com uma destas fendas. Muito agradável. Neste momento o tempo ajudou, com bastante sol, uma temperatura agradável e quase sem vento.
Há por ali uma pequena igreja e uma casa de campo (que na realidade parece mais quatro minúsculas casas) e que são usadas em cerimónias, e defronte um cemitério com duas dúzias de campas, que tem uma particularidade que me saltou aos olhos: de entre estas, existem duas de pessoas que morreram com mais de cem anos.
Conduzo por uma estrada mal-tratada que me levará até Geysir, o local que deu nome aos géiseres. Ali, de uma série de bacias no solo erguem-se os vapores vindos da água borbulhante. O odor a enxofre enche o ar. E de tantos em tantos minutos (intervalos de cerca de 7 min) uma coluna de água fervente eleva-se no céu, chegando a dezenas de metros. O géiser.
Do lado direito da estrada uma série de edíficios: centro de interpretação, restaurantes, hótel. Do lado esquerdo o recinto geotermal. Muitos turistas que por ali circulam, a chegar, a partir, a ver. Andamos por ali também nós por uma meia-hora. Calculo o tempo porque houve umas cinco “erupções” de água. Algumas coisas tiveram piada… achei engraçado as pessoas desaparecerem no meio dos vapores, como fantasmas engolidos pelo nada.
A última grande paragem do dia foi nas quedas de água de Golfuss, um orgulho da Islândia, descritas como as mais fabulosas da Europa. Não percebo nada do assunto, por isso não me vou demorar com descrições técnicas. São espectaculares? Sim, mas não muito. É a minha opinião, OK? Esperava algo mais majestoso, quer pela fama quer pelas imagens que tinha visto.
Assim como é, pronto, não terá sido tempo perdido. São 32 metros em dois patamares de queda. O que gostei mais: pode estar num ponto de observação entre as quedas, vendo as águas do rio “caminharem” para mim, ao nível dos olhos, antes de curvarem e cairem do primeiro patamar. E os efeitos de vapor a emergirem do fundo do segundo patamar.
O tempo ainda estava bom por esta altura mas via-se um horizonte de tempestade lá ao fundo, que felizmente não encontrei no regresso a Reykjavik.
Já se fazia tarde. De uma forma funcional, porque em termos físicos é de dia bem até às nove horas e a meia-noite ainda existe claridade. Mas o cansaço também ia chegando, acompanhado de uma certa saturação de conduzir. Vamos então regressar à capital.
Pelo caminho ainda houve uma escapadela, aleatória, à aventura. Meter por uma estradinha de gravilha solta, em direção a um lago. Há algumas casas lá ao fundo, onde chegamos depois de rolar uns poucos quilómetros. O dia tornou-se pesadão, as núvens adensaram-se, uma escuridão de mau agouro caiu sobre nós. Subitamente tenho vontade de estar em casa. Numa casa qualquer. Ou, pelo menos, numa cidade. Voltamos à estrada principal.
À chegada a Reykjavik caiem as primeiras gotas. Iria chover toda a noite, aliás, em determinado momento, enquanto dormia, a chuva deu lugar à neve. A casa é confortável. O anfitrião de hoje não está… teve que partir em trabalho mas confiou. As tais chaves que recolhi anteriormente. Foi um serão sossegado, sereno, ocupado a ler, comer e escrever. Quentinho. Boa onda.
Estou bem ao norte da Islândia, perto de um lugar de nome +/- assim Vopnafjorour. A estrada “nem gastou acostamento, não passa ninguém”, mas é pavimentada e está num vale ladeado por montanhas sóbrias, não muito altas e de cabeças brancas. Numa das raras áreas de solo trabalhado na agricultura é o local na estrada onde estou. A paisagem é bucólica e de verde exuberante. Uma igrejinha graciosa branca de cobertura vermelha amigavelmente cercada por árvores que a vigiam no meio de um verde rasteiro, tem uma torre encimada por uma cruz. 2 galpões de apoio próximos e nada mais. Prossigo viagem, lembro que aquela pequena população daquele país é luterana. Termino feliz, pois que independente de religião, fiz o sinal da cruz. quando a divisei. Mais independente ainda é quem alguém foi ou deixou de ser enquanto viveu na terra, o estado definitivo da morte vai nos revelar um encontro nos primeiros bilionésimos de segundo, que nossa inteligência jamais é capaz de imaginar… boa viagem amigos!, fiquem com Deus!…:)