29 de Março – Milão, Lugano

O dia acordou e com ele, eu. Cheio de expectativa. Mesmo um país simples como a Suiça desperta uma emoção especial quando se trata de uma primeira visita. Na realidade, tratava-se de um dos poucos ainda por visitar na Europa, um ponto branco num mapa pintado de cores. Não havia pressas. O comboio escolhido partia ao fim da manhã e foi com vagar que se tomou o pequeno-almoço e, depois de deixar para trás, na base de Milão, uma série de coisas que não eram necessárias, iniciou-se a já familiar caminhada de quatro quilómetros até ao centro. Antes, porém, uma breve paragem no supermercado ao virar da esquina, para encher a mochila com preciosos víveres, uma precaução contra os preços loucos dos produtos no país vizinho.


O custo de vida na Suiça começou a fazer-se sentir ainda em terras italianas. Uma viagem de uma hora de comboio até Lugano custa 21 Euros, sendo que a grande maioria deste dinheiro destina-se ao pequeno troço para além da fronteira. Um conselho: se vai apanhar um comboio na estação central de Milão e quer comprar o bilhete na bilheteira, vá com muita antecedência. É bizarro ver três pessoas a atender uma multidão, sendo que duas delas se mantiveram ocupadas com o mesmo cliente durante os quinze minutos que aguardei na fila, até me decidir a abandoná-la e a tentar a sorte com as máquinas automáticas. Por principio procuro evitar automatismos. Prefiro um mundo humano e geralmente recuso-me a participar na desumanização dos processos. Mas sendo este um caso de força maior, lá teve que ser, e correu tudo dentro da normalidade.

O comboio ia semi-cheio. Deslocando-se suavemente para norte, passámos por Monza e por Como, antes de cruzar a fronteira. Uns quantos polícias de fronteira suiços embarcaram e passaram pelas carruagens, abordando ocasionalmente um ou outro passageiro com critérios que só eles poderiam explicar.

Chegada a Lugano. A pequena cidade trepa as montanhas envolventes a partir da margem do lago, e a ferrovia passa a meia encosta. Desde logo tem-se um vislumbre da paisagem lá em baixo, por entre árvores e edíficios. É preciso descer. Encontrar a melhor forma de o fazer. Passamos junto a um hotel que corresponde ao meu imaginário da Suiça, com um certo toque alpino, bandeiras vermelhas com a cruz branca da federação helvética, e um sabor a passado glorioso localizado lá para meados do século XX. Depois, uma igreja, ainda a meia encosta, bem acima do coração histórico da cidade. E finalmente o último pedaço da descida, a pé, enquanto os mais abastados simplesmente deslizavam no ascensor (um dos vários instalados em pontos estratégicos de Lugano) que liga a estação de comboios ao centro.


As primeiras impressões são confusas. A vista lá de cima prometia, mas o centro parece imediatamente demasiado moderno e activo. Muito trânsito, muita gente. Para o tamanho que tem Lugano fervilha de actividade. Mais tarde, com tempo, a magia do local revelou-se em todo o seu esplendor. Primeiro, para a direita, de quem olha o lago. O magnífico jardim com os seus bancos de flores coloridos, os locais e alguns turistas usufruindo da relva bem cuidada, a vista das montanhas e da enorme superficie de água.

Depois, o passeio pela marginal. As condições climatéricas são quase ideais. Está até um pouco de calor em excesso. A camisa cola-se-me às costas. Mas isso e o cansaço acumulado são problemas menores, facilmente esquecidos perante a beleza natural e o carácter de Lugano. Há por ali muito dinheiro. Muitas das pessoas que passam tem aquele aura de sucesso, homens e mulheres de negócios de milhões. A cidade está cheia de bancos. Afinal, estamos na Suiça, e isso sente-se. Os carros são quase todos novos, resplandecentes, alguns deles bem caros. Passa um Maserati. É um bom exemplo.

Lá na ponta, feita a baía, vistos todos os pormenores, uma situação caricata: segundo parece, todas estas cidades erguidas à beira dos lagos, têm um repuxo potente. Tornou-se comum, pronto. Só que o jorro de água de Lugano hoje enlouqueceu. Com o vento são espalhadas catadupas de água que chegam aos edíficios do outro lado da avenida. E, claro, pelo meio, é um autêntico dilúvio. Num dia quase de Verão, aquele pedaço é sujeito a um temporal, que ainda por cima se move, como se se tratasse de um gigantesco sistema de rega. Já se imagina as pessoas a serem apanhadas desprevenidas, as molhas inesperadas, as correrias, as tentativas de escapar ao baptismo forçado. Sem dúvida um dos momentos que quando quase tudo se esquece, perdura na memória até mais tarde. O calor, o cenário idílico, e aquele jorro louco, a perseguir os transeuntes. A “festa” só acabou quando um polícia de mota chegou, apressado, e correu para a estrutura na interior da qual se encontra o mecanismo da bomba, desligando-o rapidamente.


Ainda faltava um bom bocado para a hora marcada com a nossa anfitriã de Lugano. Tempo para regressar, nas calmas, voltando a observar todos os detalhes: as fachadas dos gloriosos edíficios, as esculturas modernas espalhadas pela marginal e pelos seus pequenos parques, os terminais lacustres de onde chegam e partem barcos que ligam Lugano a outras localidades à beira do lago. Uma pausa para experimentar as casas de banho públicas. São gratuitas e, se bem que já um pouco envelhecidas, imaculadamente limpas, bem cheirosas mesmo.


Passamos de novo pelo parque que conhecemos inicialmente. Tentamos chegar ao que pensamos ser uma marina, mas estamos cansados de mais, e não parece sem fácil nem especialmente interessante. De forma que desfalecemos ali na relva, ao sol. Um breve picnic e uma tentativa de usar a W-Fi da cidade. Sem sucesso. Há um problema com o hotspot que serve a área. Paciência. Ficará para mais tarde.

Falta meia-hora. Deslocamo-nos para o ponto de encontro, frente ao Burger King, e ai consigo usar um pouco de Internet. Esperamos. E pelas 19:00 a Chiara chega. Ela não vive em Lugano, mas sim numa pequena aldeia dos arredores chamada Bissone. A sua casa é adorável, e assim que largamos as coisas somos convidados a pegar numa cerveja e irmo-nos sentar à beira do lago, à conversa, onde ficamos até escurecer. Para hoje a Chiara vai cozinhar. Italiana, cresceu no Extremo Oriente, e temos direito a uma refeição chinesa. Foi um dia em cheio. No dia seguinte, iremos conhecer Bellinzona.


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