17 de Novembro

Em Aleppo, a segunda cidade da Síria, com cerca de três milhões de habitantes. tenho um sorriso na face. Depois da tensão do dia anterior o agradável serão e a noite de sono bem passada trouxeram um outro ânimo. Pequeno-almoço marcado para as 10 horas, com os nossos anfitriões, Ahem & Nicole, num dos átrios do pequeno hotel. Uma sala bela, decorada com objectos locais, que nos abrigou enquanto bebiamos chá e conversávamos mais. Estas são daquelas pessoas com quem nunca há aqueles embaraçantes momentos de silêncio. Os temas são inesgotáveis, mas vão rodando em redor da Síria… a situação política, o que há a visitar, a experiência da Nicole enquanto estrangeira residente.


Terminada a sessão de arranque para o dia, tivémos direito a uma visita guiada à cidade velha. Caminhámos, desafiámos o trãnsito louco de Aleppo, entrámos no mercado. Tal como em Damasco o perfume oriental apresenta-se despido das chatices que se encontram noutros países do mundo árabe. Não há um assédio ao viajante que vai passando. Somos engolidos por aquela multidão que enxameia as ruas do “souk”, mas sem sermos violentados, sem que nos tentem impingir tudo e mais alguma coisa, nem quando nos detemos para observar algo com mais atenção. Os nossos amigos prometeram-nos uma diversão extra aqui. Vamos conhecer a “rainha de Aleppo”. E de facto foi um fartote de rir. A personagem é um comerciante de lenços que detém uma das melhores lojas do mercado, localizada no eixo principal, marcando um status que está reservado apenas aos negócios mais florescentes. Sentámo-nos no interior da loja durante uma hora, vendo as pessoas a passar, divertindo-nos com as tiradas ousadas da “rainha”, um homem dos seus trinta e muitos anos, cheio de boa disposição. Entretanto, chegaram clientes, fizeram-se negócios… e passarm por ali amigos e familiares, conheceram-se novas pessoas. Bebeu-se chá, experimentaram-se os afamados lenços sírios, com conselho e explicações de especialista.

Chegou enfim a hora de prosseguir. Explorámos algumas vielas, passámos junto às grandes referências de Aleppo, como a grande mesquita e a cidadela (na realidade, um castelo imponente rodeado por um fosse). Em Aleppo o ambiente opressivo de Damasco não se faz sentir. Começo a sentir-me liberto da inibição de fotografar que sentia na capital. Paramos para almoçar numa tasca especializada em “falafel”. Os locais deliciam-se com aquele petisco e enchem a casa. Mas o Ahmed entra e passado poucos minutos sai com o almoço para todos. Comemos na rua, de pé, à conversa. Um homem, vendo o nosso embaraço a lidar com a chuva de fragmentos que se desprende do “falafel” traz-nos guardanapos. Sem mais, apenas por gentileza.


O Ahmed está tenso e eu sei porquê. As sanções que pesam sobre a Síria começam a causar mossa e o combustível está-se a acabar. Ele preciso de arranjar gasóleo e gás para o hotel. O aquecimento depende disso e aproximam-se dias frios. E é preciso cozinhar. Há alguns dias que ele procura, sem sucesso, obter estas preciosas fontes de energia. Aqui e acolá encontra gente conhecida, trocam algumas palavras, e eu sei que ele está a tentar informar-se sobre possibilidades de aquisição de gasóleo e gás. Mais à frente eles compram um estendal de roupa. Diversas vezes mais barato do que custaria num espaço comercial moderno. E depois separamo-nos. Está na altura de explorar a cidade por nossa conta e risco. Somos convidados para um encontro de amigos no apartamento deles, para o serão.

Descrever uma tarde passada entre becos e ruelas não é tarefa fácil. A riqueza visual e cultural não se transmite por palavras. Sente-se. Foram horas a fio a experimentar os recantos escuros de Aleppo. Entrámos em intímos páteos residenciais, onde nos chegaram os ecos de uma vida quotidiana familiar. Passámos por ruas de comércio, reparámos numa fábrica dos famosos sabonetes de Aleppo. Trouxe um deles para Portugal, o que me causou algum trabalho no aeroporto de Stansted. Aprendi que sabonetes são opacos no raio X e se tornam objectos suspeitos. À sua conta tive que esvaziar a minha mochila frente a um amável funcionário da segurança. mas valeu a pena. A pele fica um mimo depois de um duche com este sabonete genuino.


Já exaustos, tentámos o regresso ao hotel, mas em determinado ponto demos por nós ligeiramente perdidos. Perguntei a um transeunte a direcção do Sheraton, ponto de referência no nossa caminho para “casa”. Ele olhou em redor, apontou a medo para baixo… viu que não percebi e concluiu que o melhor seria mesmo levar-nos pessoalmente até lá. É isto viajar na Síria, usufruir da gentileza dos locais, que frequentemente fazem uma pausa das suas vidas para ajudar os visitantes, sem nada desejar em troca. E lá fomos, sem conversas, que o inglês do nosso amigo de circunstância era practicamente inexistente, em passo rápido, até sermos entregue em mão na recepção do enorme hotel. Um compasso de espera, para evitar o embaraço de revelar que afinal não era exactamente para ali que queriamos ir, aproveitado para pedir no balcão um mapa de Aleppo.


Antes chegar ao hotel, houve ainda tempo e vontade para uma visita ao encantador mundo dos sumos e batidos da Síria. Mesmo ali defronte, numa ruazinha cheia de comércio, alinhavam-se quatro casas destas, e o Ahmed já nos tinha aconslehado uma delas: “a terceira”, dizia ele. O jovem reconheceu-nos logo da véspera (tinhamos passado defronte e o nosso amigo trocou algumas palavras com ele). Que delícia! Batido de bana e sumo de manga! Altamente recomendado. E o preço? Ah… na  linha do falafel do almoço, que tinha custado 0,60 Eur. As bebidas, claro, preparadas na hora, custaram 1 Eur cada.

O encontro em casa do Ahmed e da Nicole foi um deleite. Que grupo de amigos que ali existe! Um misto entre locais e residentes estarngeiros, estes, quase todos trabalhando no turismo. Éramos sete ou oito, sentados pela sala, à conversa. A Carly, inglesa, que partilha o apartamento com eles, chegou de uma viagem, trazendo uma onda de excitação aos convivas, a que assistimos de boca aberta. A Ania é uma estudante canadiana que está na Síria para aprender árabe. E há um sul-africano, que vive em Damasco mas está de visita. Depois, os locais. Ronnie e Romy. O primeiro, cristão, de aparência muito europeia, é o “miúdo” do grupo, trazido pelo Romy, sírio que cresceu nos EUA e lhe dá explicações de inglês. E Yahya, que está com  a Anya.


De tal modo me senti bem naquele grupo de boa gente que me ofereci para cozinhar no dia seguinte para todos. A minha única condição era encontrarem-me um espaço comercial à europeia, onde pudesse comprar os ingredientes com que estou familiarizado. E logo me disseram que nada receasse, que no dia seguinte iriamos ao Carrefour! Boa!

Na hora da despedida não nos deixaram caminhar até ao hotel. Ronnie e Romy trouxeram-nos de carro, um luxo, mas algo perfeitamente normal para os hospitaleiros sírios.

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