É assim, quando não queremos, há atrasos, quando os desejamos, não. Vinha com bastante fé nos afamados atrasos dos comboios iranianos, mas a partida à hora foi logo um mau augúrio. Com um dia inteiro pela frente para queimar em Teerão ficaria muito satisfeito se pudesse passar mais uma série de horas no aconchego do meu beliche ferroviário em vez de ser lançado desde manhã cedo nas ruas poluídas da grande cidade.
Mas não. Sem aviso, às 8:50. Mesmo à hora. Os meus companheiros de viagem raspam-se rapidamente, mas eu, apanhado de surpresa, preciso de algum tempo para juntar a trouxa e sou provavelmente o último passageiro a deixar o comboio.
O terminal não é mau, adequa-se para passar já um par de horas. Sentado a ler, aguento até me fartar, antes de sair para a rua. Ao contrário do que o Amir me tinha dito, não parece existir nenhuma estação de metro por ali. Ou um mal-entendido ou não encontrei. Será uma boa razão para gastar mais tempo, andando calmamente até à estação de autocarros onde se iniciou a exploração do Irão Central.
Ainda faço uns bons 4 ou 5 km assim, dou com a estação, e vou até Imam Khomeiny, talvez o ponto mais central de uma cidade sem um centro evidente.
Ali tenho sorte porque por mero acaso dou com uma área excepcionalmente agradável, vedada ao trânsito automóvel, com um atmosfera positiva, comércio, gente, árvores, calma relativa. E ando por ali com a velocidade que se impõe, reduzida ao máximo, esperando que o relógio ande depressa.
Bebo um batido de banana e eventualmente encontro o bazar. Quem diria que era preciso chegar a Teerão para descobrir um bazar com personalidade, interessante, vivo, real, por oposição às galerias de tapetes e produtos turísticos.
Está a chegar a hora do encerramento do comércio, o que traz ainda mais charme a estas galerias, que se vão tornando sombrias, misteriosas, iluminadas por raios de sol que atravessam as frestas das chapas que lhes servem de cobertura.
Este bazar é o mais labirintico que encontrei no Irão e perco-me com gosto pelos corredores, observando os detalhes que me são oferecidos. Ironicamente, será aqui, no bazar mais genuíno que visitei, que encontro mais turistas.
Ao virar de uma esquina, uma reunião religiosa. Os homens vestidos de negro, os “chicotes” cerimoniais, o discurso lacrimoso. Filmo um pouco e tiro mais umas fotografias num dia que tem sido produtivo no que toca a imagens.
Agora decido que já chega de andar pelo bazar, mas quando saio aterro em cheio num caos de vendedores, compradores, pessoas muitas pessoas, algazarrra, uma multidão. Entusiasmante! Cá fora parece não haver observação do jejum comercial. Há gente por todo o lado. Muitos vendem refeições prontas a comer servidas em caixas de uma espécie de esferovite, muito populares, porque se vêem imensas pessoas a tomar assim o seu almoço.
Para ajudar à festa, há coches que levam os interessados de um lado para o outro. E nas extremidades desta área protegida do trânsito acumulam-se multidões de carregadores, apetrechados com carros de duas rodas puxados manualmente, e moto-taxistas. Uns e outros prontos para ganhar o dia à custa de alguém que tenha vindo às compras.
Em suma, este dia em Teerão deu muito mais do que esperava. Pensava nisso enquanto me afastava daquele bulício, subindo pela última vez uma daquelas ruas semi-pedonais e parando num banco para acabar com os mantimentos.
Voltei ao metro, e fui para as imediações da casa dos meus amigos. Ainda eram duas horas da tarde e eles só chegavam depois das sete e trinta. Tal como sucedeu no dia da chegada, há duas semanas atrás, sentei-me numa mesa da secção de restaurantes do centro comercial, comprei uma lata de coca-cola e acabei o livro que tinha começado de manhã na estação de comboios.
Às 7:30 estava entre gente amiga, resgatado da impessoalidade do shopping. Jantámos, ficámos juntos até tarde. Era meia-noite e meia quando o táxi reservado pelo Amir chegou. Tinham-me faltado 210.000 Rials. O taxista não aceitava Euros… e o Amir também não. Fez questão de colocar a quantia do seu bolso… pediu-me para usar esse dinheiro para fazer algumas crianças de África felizes, pelo menos por um bocadinho.
Saí, já com saudades destes amigos, uma das poucas coisas verdadeiramente boas que me aconteceram no Irão. Deixei-os com os planos e projectos para a sua grande viagem que se aproxima, pelo Sudeste Asiático. Que tudo lhes corra da melhor maneira possível!
Chegar ao aeroporto foi pacífico. Ainda é de facto um belo esticão. Mesmo aquela hora, sem trânsito, levámos uma hora. Para o viajante é mau pagar 17 Eur para cada lado, mas os taxistas coitados não enriquecem com isto… o problema é mesmo não existirem alternativas baseadas em autocarros.