O pequeno-almoço estava incluído na tarifa da dormida em Kairouan, mas foi decepcionante. Duas fatias de pão de forma para fazer torradas com manteiga rançosa ou compota caseira e chá. Bem, mas deu para quebrar o jejum da manhã.

Hoje tínhamos pela frente uma longa viagem de quase 400 km. De Kairouan a Tozeur, considerada o portão do deserto, já próximo da fronteira com a Argélia. Mas antes de nos fazermos à estrada queríamos explorar um pouco mais de Kairouan, caminhar de novo pela medina, reencontrar alguns pontos mais interessantes com uma luz diferente.

O centro histórico de Kairouan é considerado por muitos o mais bonito da Tunísia e creio que posso concordar. É verdade que não vi todos, mas passei pelos mais afamados, inclusive os World Heritage Sites de Sousse e de Tunis.

Há algo de místico nestas ruas. Talvez seja a aplicação de cores esbatidas sobre o branco. Ou os ângulos arredondados nas pequenas mesquitas de bairro. Sente-se como se fosse um cenário de outros tempos ou de uma cidade perdida nos confins. Não de uma urbe moderna.

Em determinados pontos a medina de Kerouan faz-me lembrar Chefchaouen, a cidade azul do norte de Marrocos. Há edifícios sucessivos pintados nessa cor. Esta visão reforça-me a vontade de finalmente visitar Chefchaouen, um plano há tanto adiado.

As ruas estão desertas. A meio da manhã há pouca vida na medina. Aqui e acolá vê-se alguém que caminha, com passo certo. Quiçá a caminho do trabalho ou de uma tarefa só por si conhecida. Num beco há uma oficina que labora, ruidosamente. Numa pequena mercearia de esquina um vizinho é atendido. Mas tirando estas excepções as vielas estão vazias. De certa forma, melhor para mim, para a fotografia. E tantas que por aqui tirei!

Por volta das 10:30 iniciamos o caminho de regresso a casa. Há que pegar nas mochilas e carregar o carro. Depois, para Tozeur.

É fácil conduzir na Tunísia. As estradas são aceitáveis, o trânsito é pouco nestas regiões mais interiores. O carro rola serenamente, os quilómetros vão-se acumulando. Hoje encontro menos polícia. Nas rotunda há quase sempre uma carrinha carregada de vegetais à venda.

A paisagem vai mudando. O verde que se via em redor de Kairouan desapareceu. Passamos para um cenário seco, rochoso. Depois, já a entrar na região de Tozeur, os primeiros traços do deserto. As primeiras dunas. Os primeiros camelos.

A viagem terá uma certa distância adicionada porque há coisas que quero visitar. A primeira é a cidade abandonada de Tamerza, escondida junto à moderna localidade com o seu nome.

A cidade abandonada de Tamerza

Encontrá-la não foi simples. Carro deixado numa pequeno rotunda, depois caminhar por um palmeiral, trepar um declive pedregoso e lá estão elas, as ruas e as casas habitadas por fantasmas. Foi um pouco decepcionante. Os edifícios estão em muito mau estado, já pouco resta. A excepção é uma mesquita, misteriosa, atmosférica, ainda suportada pelos pilares que a mantiveram de pé provavelmente durante séculos.

Voltar ao carro é bem mais simples. Afinal existia um trilho mais adequado, que nos traz de volta ao leito seco do rio que aqui se forma quando chove a sério.

Pouco mais à frente, outros dos locais planeados para este dia na estrada: o canyon de Mides e uma segunda cidade abandonada, erguida mesmo no topo deste desfiladeiro.

Percebe-se que é um lugar turístico quando há chegada somos abordados por candidatos a guias e se vê um café aberto em tempo de Ramadão. Um pequeno grupo de ocidentais vem a sair da cidade fantasma com o seu próprio guia. Partem. E ficamos com o local só para nós.

Começamos por espreitar o canyon. Um pastor zela pelo seu rebanho de ovelhas e de cabras. Ouve-se o chamamento para a oração. E ele, fiel, não se podendo deslocar à mesquita, cumpre logo ali o seu dever de muçulmano.

O local é fascinante. O ambiente está fantástico. É bonito, impressionante. Todo aquele castanho-amarelo-ocre. O pequeno fio de água que corre em baixo. O verde que depende do líquido e que sobrevive aqui, uma ilha num mar de terra seca e areia e que vai alimentando a bicharada que é levada até ali pelo pastor.

Depois exploramos a rua única da cidade fantasma. Termina num ponto que oferece uma excelente perspectiva sobre a forma como a localidade foi construída no topo do desfiladeiro.

Um “elefante branco” à beira da estrada

A última paragem antes de Tozeur será no oásis de Chebika. Mais uma vez um guia propõe-nos os seus serviços. Aqui não encontramos mais nenhum viajante. Apenas dois jovens locais que caminham pelo trilho que conduz aos pontos mais interessantes do oásis, provavelmente para fumar um charro. O proposto guia – note-se – falava um português excelente.

O local é pitoresco. O contraste entre o ocre do solo, o verde da água e das palmeiras anãs que beber do leito é fabuloso. Há um trilho circular. Inicia-se junto ao estacionamento, vai abaixo, onde há as piscinas naturais, e depois acima, para uma perspectiva geral, voltando a descer e passando junto à aldeia abandonada. Também recomendado.

O oásis de Chebika

E agora mais uns poucos quilómetros até entrar em Tozeur, uma cidade já com uma certa dimensão. Uma volta extra ao quarteirão para identificar o nosso hotel, localizado mesmo na estrada principal que atravessa a cidade, e carro parqueado.

Gostei logo do hotel. Simpatia à chegada, bom preço e um quarto relativamente sossegado, virado para uma rua das traseiras. Um terraço interior fabuloso e acesso ao telhado para vista imensa.

Vista do quarto em Tozeur

E agora, jantar? O restaurante indicado pelo recepcionista está fechado. De novo o espectro do Ramadão. Volto ao hotel e ele indica-me uma alternativa que garante ir encontrar aberta. É um pouco longe. Cerca de 800 m, mas uns 800 m muito longos, por zonas escuras, becos e mais becos.

Chegamos. De facto encontra-se aberto e a bombar. Há estrangeiros e locais. Deve ser o único local para uma refeição. Alguns dos ocidentais parecem estar em trabalho em Tozeur. Outros são viajantes, como nós. O dono fala connosco, faz algumas sugestões. Acabou por se comer bem, sem ser fabuloso nem barato. Valeu a pena. Estou a gostar de Tozeur.

 

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