Acordar no campo é assim. Sereno, descansado. Abre-se os olhos e sente-se o aroma das coisas silvestres. E ouvem-se os pequenos sons. Saio para o exterior e sou agraciado com a carícia doce de um sol matinal. Os badalos das cabras agitam-se. O gato aparece. Mando-me para o sofá exterior, arranjo as muitas almofadas e encosto-me, ao sol, a ler e a tomar um pequeno-almoço simplificado.
Pelo meio da manhã começo a preparar as coisas para o dia. Com calma, que é preciso respeitar o ritmo natural do local. Na véspera, no conforto da caminha, tive a ver o que poderia fazer hoje. Saltou-me à vista a possibilidade de caminhar até Oludeniz, aqui tão perto, e uma das actuais imagens de marca do turismo turco.
Caminho os dois quilómetros até à aldeia, pergunto à minha nova amiga (a dona do restaurante Casper) direcções para apanhar o trilho para Oludeniz. Parece ser fácil. As referências que ela me dá são-me familitares. Tomarei a estrada que corre paralela à cidade antiga, passo pelo depósito de água e continuo até encontrar um cartaz a indicar o início do trilho.
Mas não chego lá. O apelo deste local abandonado é imenso e quando dou com uma entrada inesperada não resisto. E logo à frente vejo uma indicação que diz claramente “Oludeniz”. Portanto, o meu desvario acabou por me poupar alguma distância. Ou não. Porque, assim como assim, estando ali, começo a explorar. Dou comigo na extremidade oposta da cidade, onde a última casa se ergueu um dia.
Volto a descer e já encontro uma pequena multidão de turistas, que, como bons turistas que são, entram, olham em redor, e voltam a sair por onde entraram. Felizmente apenas uns poucos se aventuram na cidade e menos ainda se fazem ao caminho, extenso, até Oludeniz.
Inicio-o. Os primeiros quilómetros são duros, sempre a subir, com algum calor. Suor, cansaço muscular – afinal já são bastantes dias sempre a trilhar na casa das dezenas de quilómetros, alimentação deficiente e por vezes pouco repouso.
O passeio prossegue por entre pinhais, o solo feito de pedra bem coberta por um tapete perfumado de caruma. O trilho está muito bem marcado. É quase impossível o caminhante perdê-lo.
Apesar da beleza envolvente sinto-me mal. É o cansaço, o calor e sobretudo a gripe ligeira, que me retira as forças e o bem-estar. Fungo permanentemente do nariz e não me espantaria se estivesse com febre.
De tempo a tempo ouço as vozes de outros caminhantes. Passo por um casal russo que vai mais devagar e depois ultrapasso um par de americanas que decididamemte vão levar o seu tempo até chegar ao fim.
Chego a um ponto em que a caminhada se torna mais fácil. Agora é basicamente a direito e para melhorar as coisas o mar aparece-me do lado direito, oferecendo uma inspiração até então inexistente. É de um azul profundo, enquanto as águas mais próximas da costa assumem um tom que terá inspirado o nome desta região: “A Costa Turquesa”. A paisagem faz-me pensar na nossa serra da Arrábida.
Mais à frente encontro um ponto ideal para uma paragem, com um ninho confortável para me recostar a ler. Tiro a blusa e penduro-a numa pequena oliveira, expondo-a ao sol e ao vento na esperança em que seque enquanto ali retempero as forças. As botas, claro, também saltam fora, assim como as meias. Deixo-me estar um bocado, bebo alguma água, ligo o e-reader e avanço algumas páginas do Crime no Expresso do Oriente. Passam por ali os caminhantes que tinha ultrapassado.
Ao cabo de uns 20 minutos retomo a passeata. O suor empapa ainda a t-shirt, e por segundos é desagradável, frio, colado à pele. A caminhada afasta-se do mar,interna-se no pinhal, e o terreno torna-se mais irregular, desta vez a descer francamente, primeiro de forma suave, mais para a frente com grande inclinação, a maltratar os meus velhos joelhos.
E por fim estou lá em baixo e sinto que se aproxima o destino. Vejo a primeira praia privada. Como descobrirei as praias aqui são todas vedadas e concessionadas. Umas atrás das outras, umas sete ou oito. Aparentemente a entrada é livre, mas aquele aparato retira quase todo o encanto natural do local. Pela positiva, não existem edíficios a envolver as praias. Bem que tinha recebido um aviso de um amigo no meu Facebook: Oludeniz é FEIO! Não é que não quisesse acreditar, mas li-o quando já tinha tudo preparado, e assim como assim, não havia muito mais para fazer com base em Kayakoy.
Uma coisa impressiona-me: o número de parapentes que bailam no céu. São de todas as cores e encontram-se a todas as altitudes. Alguns, passam baixo, quase junto às casas, enquanto outros pairam a altitudes mais habituais. Mas vejo uma série deles a voar tão alto que pouco mais são do que pequenos pontinhos no céu. Tendo contá-los todos. Tarefa impossível… mas serão cerca de cinquenta.
Encontro os “dolmus”. Existe uma ligação directa. Vou ter que seguir até Ovacik e mudar ai. Ok, aproveito para dar uma vista de olhos nesta cidade que serve de apoio ao turismo, especificamente a Oludeniz.
É uma versão turca de Albufeira. Uma cidade inglesa, por assim dizer. Comércio, muito. Quase todo vocacionado para o turismo e para o mercado britânico. Mas, estranhamente, não me desagradou profundamente. Já fora de época as coisas tinham um ritmo agradável. As esplanadas, com alguma clientela, digamos, no ponto certo. As ruas com os carros que iam passando, na quantidade certa para uma pequena cidade, sem stress, nem poluições exageradas. Trepei até um cerrinho com umas antenas que vi ali não muito longe e usufrui de uma vista geral. Dali a cidade era encantadora, com as majestosas montanhas a erguerem-se em todo o horizonte, logo por detrás de si, até perder de vista. E as casinhas, dispersas, a espalharem-se pelo vale, por uma mão cheia de quilómetros.
O “dolmus” para Kayakoy deu-me uma valente seca mas acabou por aparecer. Desta vez consegui manter-me afastado das ruinas, caminhei logo para o centro da aldeia nova, fiz as minhas já costumeiras compras de supermercado e sentei-me no Caspers. Comecei com uma cerveja, que bem merecia. Encomendei uma sala de queijo fetta, que estava absolutamente deliciosa. Terminei a refeição com o copo de branco geladinho que caiu igualmente bem. E depois, já com a noite como companhia, encerrei com um raki. A conta, 30 TL certas. Cerca de 12 Eur. Uma extravagância no meu orçamento, mas que dei como bem merecida.
Lá caminhei os dois quilómetros na escuridão, chegando a casa sem novidade. Acabei a noite a ler metido na caminha.
Duas coisas… 🙂
A paisagem parece mesmo a Arrábida! E as Romãs… que aspecto maravilhoso!