17 de Fevereiro de 2025
Foi um prazer acordar depois de uma noite bem dormida, sair do quarto e perceber que aquela vista de ontem não tinha sido um sonho. Agora com uma luz diferente, lá estava ela, aquela aldeia feita ilha.
O pequeno-almoço sem história teve lugar no hotel e depois partimos. Hoje iríamos pernoitar em Al Mukalla, na costa, e seria o último dia verdadeiramente de exploração do Yemen. Os dois últimos dias consistiriam numa fuga para o Omã, com longos troços. Especialmente a derradeira jornada, passada integralmente na estrada com escassas paragens para esticar as pernas, esvaziar a bexiga e recolher umas imagens.

Pouco tempo depois de nos fazermos à estrada, uma primeira paragem, para visitar o palácio de Buqshan (imagem de topo), propriedade da família do magnata da festa da véspera. Podemos entrar e explorar o seu interior. Coisa vã, porque mais uma vez não há nada lá dentro, apenas centenas de quartos e salas vazios.
Mas pudemos ir subindo até ao topo e de lá tinha-se uma vista agradável da aldeia envolvente a da paisagem que nos rodeava.

Dali para a frente parámos brevemente para uma uma fotografia ou outra, mas a viagem até Al Mukalla era longa e não nos podíamos dar ao luxo de gastar muito tempo com pormenores.
Vão ser 180 km, várias horas de estrada apesar da perícia dos nossos bons condutores. Paramos no topo de uma longa subida em serpentina. Apreciamos dali a paisagem, feita de montanhas divididas pelo longo vale de onde viemos.
Mais à frente uma outra paragem junto a umas vendas de beira de estrada. Os meus companheiros de viagem compram cocos para beber o seu suco e depois a polpa. Eu fico-me por um saco de bolos secos que me serão úteis até ao fim da viagem, matando-me a fome durante as longas horas de estrada que teremos pela frente.
Este percurso que fazemos será repetido, no sentido inverso, no dia seguinte. Olhando para o mapa a escolha mais lógica para chegar à fronteira com o Omã seria seguir a linha da costa e subir apenas à aproximação do país vizinho. O problema é que essa estrada e controlada directamente pela Coligação, e os controles de estrada são mais frequentes e muito mais rigorosos. Seria um calvário fazer aqueles quilómetros todos neste cenário. Tomaremos então um caminho mais longo mas mais descontraído, voltando pelo interior até Tarim e daí quase em linha recta até à fronteira.

Chegamos a Al Mukalla, fazemos o checkin no hotel e saímos depois de um par de horas a descansar. Temos um longo passeio pela frente, que se inicia no paredão. O carácter oceânico da cidade sente-se no ar, fresco e com odor a mar. Na realidade o embrião histórico da localidade remonta ao século XI, quando ali se estabeleceu uma comunidade piscatória.
Esta cidade, a sexta maior do país e tendo um porto de mar essencial para a economia do país, foi atacada e controlada pela Al Qaeda em 2015. Terão sido dias estranhos para os seus habitantes, que claramente não perderam o sentido de hospitalidade. Gentes muito simpáticas, uma vez mais.
O passeio prossegue pelo pontão. No mar, ali perto, perfilam-se as embarcações da faina, fundeadas. Num campo plano uma legião de meninos joga futebol. Passam alguns barcos que se dirigem para mais uma jornada de trabalho no alto mar.
Alguns jovens brincam numa cama elástica, um brinquedo colectivo muito popular por estas paragens. Ao verem-nos saltam para nós, na brincadeira, ora afundando-se por detrás de uma vedação ora subindo bem alto para nos olharem.

Passeamos depois nas ruas mais interiores, já sem contacto directo com o mar. As temperaturas descem a esta hora e a cidade agita-se à medida que as pessoas saem para tratar dos seus assunto.
Caminhamos na rua central. Muito comércio. Andamos até sentirmos que o bulício decresceu e, eventualmente, morreu. A noite já caiu. Sentamo-nos a beber um chá numa esplanada improvisada com mesas e cadeiras de plástico. O Xi, claro, afasta-se para fazer as suas experiências com comida de rua, uma das suas actividades favoritas. O resto mantém-se a bebericar o chá e a observar tudo o que de muito se vai passando.
As lojas, encerradas durante o dia quente, estão já abertas, e a luz artificial começa a sobrepor-se à ida luz solar. Passa um rapaz com uma camisola do Sporting, PT em letras pretas, um patrocinador de outros tempos.
Acabamos o chá e as senhoras e o Xi são levados para o hotel num dois dois carros. Ficamos com o outro para um pequeno serão na cidade.
Mais um passeiozinho pelas ruas do centro, com muitas lojas vendendo de tudo. Procuro uns chinelos que não compro depois de uma longa mas infrutífera discussão de preço com um vendedor. Visitamos um mercado de especiarias. Mas a sério, há de tudo por ali. E clientela não falta. Como se os 600 mil habitantes de Mukalla tivessem descido ao souk ao mesmo tempo.
Mais um chá, num ambiente mais informal. Somos menos, e todos homens, o que nestes ambientes quebra barreiras. O nosso guarda, que já não é o mesmo com que iniciámos a jornada senta-se connosco. Agora é só um, e fardado. Um rapaz novo, de sorriso fácil, muito protector e bem mais simpático em relação a nós.
O “principe das Arábias”, o mesmo da festa da véspera, aparece vindo do nada. Tinha visto os nossos carros estacionados e resolveu parar para um “olá” rápido.
Passámos do chá para o restaurante. Restaurante será uma forma de dizer. Era uma tasca barulhenta, humilde, cheia e com comida. Boa e barata. Sentámo-nos numa parte de mesa que vagou no exterior. Uns clientes simpáticos moveram-se para podermos ficar juntos. Foi uma belíssima refeição num serão inesperado.
E o dia estava a acabar. Hora de regressar ao hotel. A chegada a Al Mukalla não me deixou a melhor impressão e não esperava divertir-me tanto com o ambiente local depois de escurecer. Ainda tivemos tempo para conhecer Muhammed & Muhammed. Dois condutores de táxi com o mesmo nome que sentados num porta-bagagens aberto meteram conversa connosco.
Mais uns, de entre tantos. Aqui em Al Mukalla aconteceu o que já tinha vivido no Curdistão Turco: comerciantes que nos oferecem os seus bens, de menor preço, não aceitando dinheiro em sinal de hospitalidade. E muita gente que simplesmente fazia questão de entabular uma conversa, mesmo que básica. Muito bom!