Pela manhã despedi-me da minha sumptuosa mansão de Suchitoto e caminhei até ao centro para procurar transporte para San Salvador. Estava apreensivo com a ideia de passar pela capital. As capitais centro-americanas metem-me medo. Mas lá fui, e não correu mal. Acabei por passar muito próximo da área do meu hostel de San Salvador, fui perguntando às pessoas e lá encontrei o local certo para o autocarro para Santa Ana. Primeiro tive que apanhar um transporte da cidade, para um sítio onde havia um mercado de rua e muitas paragens, e depois lá fui, sem problemas, sempre a abrir, até Santa Ana.

Não sabia muito bem o que iria aqui encontrar. Queria fazer um passeio até um vulcão e visitar a chamada Rota das Flores, mas sobre a cidade não sabia muito. Que era a segunda maior cidade do país, mas muito mais pequena do que a capital. Na realidade não é a segunda, é a terceira, mas isso descobri depois. Tem 175 mil habitantes, mas parece bem menos. E o que é espantoso é que o crime é reduzido. É uma cidade, por assim dizer, segura. Assim me garantiram por lá e assim senti. Claro, “segura” é relativo. Com 175 mil habitantes, em El Salvador, não pode ser assim tão, tão segura. Mas o que sei é que não se sentiam problemas no ar e por lá andei uns quantos dias completamente à vontade.

Mas já me estou a adiantar na história. Portanto, ia no autocarro e estava a chegar a Santa Ana. Tinha as coordenadas do hostel que tinha marcado no GPS e quando o autocarro parou lá perto, saltei do meu lugar e corri para a porta. Fiquei a uns 200 metros, excelente. É que estava bastante calor e não me apetecia caminhar. Pelo menos com a carga completa às costas.

Encontrei o hostel, de aspecto misterioso, parecendo por fora quase como uma casa-forte abandonada. Toquei à campainha, nada. Mau. Querem ver que vou ter que procurar outro pouso para dormir. Toquei outra vez, e desta vez não demorou muito até me abrirem a porta. Um homem jovem. Mais tarde entre o que ele me disse e o que eu deduzi, fiz o filme: um artista, diferente, alguém que viaja, vê o mundo, mas se sente preso na sua terra, isolado. Então consegue transformar a sua casa num hostel e num restaurante. Um restaurante fino, de bom ambiente. O espaço da sala de refeições está bem arranjado, o resto da casa tem um sabor a lar e o quarto de hostel é um bocado fraquito, mas tudo bem, não é fácil queixar-me de um alojamento.

 

Conversei um pouco com ele, não muito, que havia um casal para almoçar que precisava da sua atenção. Deu para recolher umas dicas, indicou-me o mercado que se estende quase desde o seu hostel até ao centro histórico, uns dois quilómetros lá em baixo. Disse-me que em termos de segurança “no pasa nada”, ou seja, pode-se estar à vontade.

Descansei um pouco, usei a Internet, tomei um duche, e aqui uma nota: um luxo fabuloso, o duche não só era de água quente como tinha um caudal que parecia uma queda de água. Estes duches que tomei em Santa Ana foram das melhores coisas que me aconteceram nesta viagem, são daqueles pormenores que fazem lembrar quão boas são algumas coisas que consideramos asseguradas.

O mercado de Santa Ana é de facto fabuloso. Tem esta particularidade de se estender em linha, acompanhando aquela avenida principal, e de acontecer todos os dias. É pitoresco e durante os meus tempos de Santa Ana nunca parei de o apreciar. Depois, entra-se no centro da cidade, e vê-se logo uma ruína majestosa, que à primeira vista parece ser a de um convento. Fico logo a vibrar. Vocês sabem como é, eu e coisas abandonadas!

À porta estão dois polícias, e começo a aproximar-me como quem não quer a coisa, como um passarinho em época de acasalamento, espreitando discretamente as reacções. Não há nenhuma. Estou ali a tirar fotos e o casal de polícias nem pestanejo. Pergunto-lhes se se pode entrar, dizem automaticamente: Isso é com aquele ali, enquanto apontam um homem de meia idade que anda por ali por perto da entrada da ruína. OK, vou lá, pergunto de novo. Claro que sim, posso ver tudo… e dito isto cola-se a mim, e eu a pensar, pronto, não só vou levar uma seca como ainda vou ter que abrir os cordões à bolsa para uma gratificação.

Mas não. O tipo não era um guia qualquer, nada disso… era “simplesmente” o patrão de todo um projecto de recuperação possível daquele espaço, eu sei lá, a língua é quase a mesma mas perde-se sempre alguma coisa da explicação, sobretudo quando falamos com alguém tão entusiasmado, tão feliz por ter ali um comparsa, especialmente sendo estrangeiro, suspeito, que se  mostra pelo menos tão apaixonado pelo local.

Depois da visita mais completa que alguma vez que fiz o meu amigo pergunta-me se não estaria interessado em conhecer outro entusiasta do local, um “verdadeiro especialista”. Só que ele estava no mercado, teríamos que ir lá. Vamos lá embora homem! Conhecer outro ilustre! Uma chamada de telemóvel para confirmar e seguimos para o mercado ao encontro do parceiro. Aquilo enquanto estive com o meu amigo foi tratamento VIP em Santa Ana. Especialmente no mercado. Suspeito que o tipo tivesse bastante influência a nível da autarquia e que o mercado fosse municipal.

Lá encontramos a loja do outro senhor, que vendia (ou reparava, não cheguei a perceber) televisões antigas. E tinha ali um dossier sobre a escola em ruínas, com tudo… plantas, fotos antigas, documentos… e a coroar o espólio, um modelo do edifício feito por ele, e em escala considerável! Digo-vos, foi uma excelente forma de iniciar a minha relação com Santa Ana!

Depois disto não se passou nada de especialmente relevante. Mas estava a adorar a cidade. É daqueles locais que ao não ter nada de especial, é-o, por isso mesmo, especial. Vamos lá ver, o que posso desejar mais para além de uma cidade genuína, segura, pitoresca, sem turistas (não vi um só em três dias em Santa Ana), com recantos interessantes, ruas ladeadas de casas tradicionais e uma mão cheia de passeios de dia inteiro para se fazerem? Só de pensar que nem tinha considerado vir a Santa Ana me causa calafrios. Foi do melhor que fiz em toda esta viagem, o que é um belo elogio, considerando que até ver esta volta de três meses pela América Central foi a minha expedição mais bem conseguida até agora.

Fartei-me de andar por aquelas ruas todas. Comprei um ananás para lanchar (aquele que o senhor está a cortar na imagem de topo deste artigo), andei por praças e praçetas, outros mercados e ruas com muitas lojas. Vi homens a jogar xadrez e mercadorias exóticas, descobri a praça antiga de Santa Ana e respirei o esplendor colonial que emana. Adorei ver o teatro, a câmara municipal e aqueles edifícios que aqui, como em Cuba, como em qualquer parte do mundo espanhol nas Américas fazem a praça principal de uma localidade. Adoro El Salvador! Adoro!

Entrei na igreja, tirei umas fotos, e não sei se foi dos ares, deu-me fome outra vez. Acabei a tomar um segundo lanche, já com sabor a jantar, numa hamburgueria servida por pessoal fabuloso, a desafiar recordes de simpatia por esse mundo fora. Menu completo por USD 3. Há pois é, porque em El Salvador a moeda é a dos Estados Unidos da América, o que pode ser estranho mas não é único (na Europa, o Montenegro usa o Euro sem estar na zona Euro, Timor-Leste usa o USD, assim como o Panamá). Lá foram as batatinhas fritas, o santo hamburguer e o refrigerante geladinho,  tudo por 2 euros e tal. Soube-me mesmo bem!

Estava cansado de tanto palmilhar e afinal de contas estava a ser um dia longo. Eram horas de começar a regressar  a casa, até porque segura ou não segura, é uma cidade em El Salvador e prefiro não andar sozinho pelas ruas depois de ficar de noite. Sente-se que o dia está a acabar. Os transportes para fora da cidade vão cheios, há muita gente nas ruas, que regressa a casa ou faz algumas compras antes de ir. As lojas começam a arrumar os produtos e o que quer que existisse em algumas montras já foi vendido.

 

Vou andando, um caminho que apesar de o ter feito poucas vezes foi tão vivido que me está gravado na memória. Como noutros países da região, qualquer armazém ou loja com artigos remotamente de mais valor tem um segurança com uma shotgun. A sério! A melhor que vi foi uma camioneta de distribuição de Coca-Cola que tinha um nicho feito nas grades de bebida, onde viajava um destes seguranças com a inseparável shotgun!

No hostel ouvi com atenção as recomendações e indicações práticas, de elevado valor, do meu anfitrião. Aprendi tudo o que precisava para dois grandes dias fora da cidade, como veremos nos próximos artigos.

 

 

 

 

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