23 de Outubro
O plano era visitar Blataj e Pocitelj. O Miran tinha passado pela estação de autocarros na véspera para recolher os horários que me convinham, e estava tudo preparado para esta dupla excursão. Só que me enganei com as horas, pensei que era às 8:30 e não às 8:00 e tramei-me. Blataj tornou-se uma carta fora do baralho. Nem tudo se perdeu. O erro rendeu-me duas horas extras de sono, que bem jeito me deram, depois da borga da véspera. E mais tarde saí, de forma a apanhar o transporte das 11:10 para Pocitelj. Sem espinhas, à hora certa lá estava ele, na estação de autocarros. A viagem é curta, afinal de contas aquilo são uns 30 km, muito bonitos aliás, e no local correcto, o ajudante dá-me luz verde e saio. O dia está óptimo, cheio de sol, apenas algumas nuvens no horizonte. Uma agradável variante, depois da chuva da véspera.
Pocitelji vale a pena. Esta aldeia otomana mantém a configuração e a atmosfera desses tempos distantes em que turcos reinaram nestas terras. O casario trepa encosta acima, onde as muralhas que outrora abraçaram por completo a povoação ainda hoje podem ser encontradas. Na base, quase junto à estrada, o “han”, essa instituição do império, onde viajantes se alojavam durante as suas viagens. Uma espécie de motel, que pode ser encontrado em quase todas as localidades onde a influência turca foi mais sentida. Bem, e se não estão lá, já estiveram. O “han” era um edíficio importante, um orgulho para a comunidade, por vezes construido pelo poder central.
Mais acima, a mesquita. Encerrada. Pelo menos não há venda de bilhetes para a visita. Um pouco por todo o lado na aldeia vejo jovens mulheres de cabeça coberta. Suspeito que são turistas de um qualquer país muçulmano, talvez indonésias, considerando as feições. Há algumas vendedoras com pequenas bancas abertas rua acima. Vendem recordações de Pocitelj e produtos locais… mel, frutas, figos secos. Junto à mesquita faço algo curioso. Tiro uma fotografia que é uma réplica imagem da capa do meu guia da Bósnia e Herzegovina (guias Bradt).
Vou subindo, encosta acima, por um caminho estreiro, e chego ao ponto mais alto, que foi torre de vigia e silo de cereais. É espantoso… pode-se subir, escadaria em espiral, de degraus toscos em pedra, alguns exigindo algum malabarismo para os trepar, até se chegar ao piso cimeiro, ainda com telhado de madeira, sustentado por um complexo sistema de vigas. De cada uma das janelas goza-se uma vista priviligiada, ora sobre o rio que corre rápido, do outro lado da estrada, ora sobre a povoação, ora sobre os campos envolventes.
Depois simplesmente exploro as vielas, fluindo ao sabor do instintinto a cada bifurcação. Muitas vezes vou ter a becos sem saída, que terminam em propriedade privada. Sinto a vida que emana de cada uma daquelas, mas também a morte: numa delas encontro o portão aberto e espreito, sendo premiado com um instântaneo da bucólica vida local… o pequeno páteo, embelezado por singelos canteiros de flores, e numa mesa de madeira, sacos de compras, certamente à espera de serem arrumadas; noutra, que espreito de cima, não há vestígios de presença humana, é um triste contraste com o vigor da visão anterior… penso sobre o que será feito da gente que um dia ali terá sido feliz, sobre as horas de alegria que aqueles muros de pedra viram, sabe-se lá quando.
E pronto. A aldeia está vista. São 13:30 e vou andando, devagar, de volta à estrada. Sento-me a pensar na vida, a matutar no que o Miran me disse: há autocarros às 4, às 5. Tudo muito bem, mas já estou despachado e ainda falta um bom bocado para essa hora. Que fazer? Atravesso e peço uma Coca-Cola num café onde alguns locais vão conversando. Como quem não quer a coisa pergunto a que horas passa o autocarro para Mostar. Pronto, menos mal. Pelas 15:00. Sento-me na esplanada, com mais de uma hora livre pela frente. Está um sol simpático, morno, que aquece os ossos sem queimar a pele, e deixo-me estar por ali, a ler. Um pouco antes da hora marcada, pergunto ao pessoal onde devo esperar e atravesso,para o ponto indicado. E ainda bem que o fiz, porque assim que chgeui lá, aproxima-se o autocarro. Faço menção de o mandar parar, mas é desnecessário: os inspectores da ASAE local tratam disso por mim… e oferecem um mau bocado ao condutor, que sua estopinhas, anda para cá e para lá, leva documentos, faz telefonemas… e com isto, já sentado dentro do transporte, passam-se 40 minutos.
Vou um pouco ao hostel, mas o tempo é curto. Tenho combinado um encontro com a Liljana, não muito longe do meu alojamento, e vamos a um café. Conversamos um par de horas, para ela faz-se tarde, que o dia seguinte é de trabalho e ainda tem que fazer umas coisas em casa. O meu tempo em Mostar está a chegar ao fim, e apesar de não me ter sentido bem no hostel, o balanço é francamente positivo. Gostei da cidade. Mesmo estranhando o deserto em que as ruas se transformam depois do sol posto, inclusive na zona antiga, onde a ausência de pessoas é ainda mais bizarra, considerando o considerável número de turistas que por ali anda durante o dia e que certamente pernoitam em Mostar. Três noites não foram em excesso, mais uma ajudaria… permitir-me-ia visitar Blataj, talvez as ruínas do enorme campo militar romano, a cerca de 30 km, ou o local de uma importante batalha da Segunda Guerra Mundial, onde existem alguns vestígios no campo e um museu.