Pela primeira vez em muitos muitos dias acordo e não existe uma única nuvem do céu. Em troca, há um frio gélido. A temperatura encontra-se sem dúvida abaixo de zero, talvez 4 ou 5 graus negativos. Mas pelo menos o vento parou. Quero aproveitar a manhã para encontrar umas caches, explorar a cidadela com luz solar directa e recolher as cores únicas assim temperadas com a minha câmara fotográfica. E assim faço. Deambulo pelas ruelas de Sighosoara e quando chego à conclusão de que já passei por quase todas as vias, desço à povoação exterior. Acabo numa feirinha onde compro algo que por esta altura se tornou precioso: roupa interior! Agora sei que antes de sair, poderei tomar um duche e vestir roupa interior limpa. Vibro de excitação perante a ideia.
Com o sol a brilhar as cores ganham uma intensidade nova. Duplico várias das fotografias que fiz na véspera. Mas a hora de dizer adeus ao hostel Burg aproxima-se e tenho que regressar. Chego lá as 11:30, ainda um bocado enregelado, e encomenda uma panqueca com compota e um leite com chocolate quentinho. Sabem-me maravilhosamente, até porque ainda estava em jejum. Depois, subo ao quarto, onde preparo a mochila e tomo o tal duchinho! Wow! Nem me recordo quando tive a oportunidade de tomar duche em dois dias consecutivos. É hora de abdicar do meu reino. Dou uma última olhadela ao dormitório que por 24 horas dominei a meu bel-prazer e fecho a porta.
Ainda faltam duas horas para o comboio para Sibiu, mas sinto que já vi tudo o que havia a ver em Sighisoara, e além disso passear com a mochila grande é desconfortável. Assim, sento-me no bar do hostel, onde posso ligar o computador à corrente e tenho internet e trato de pôr alguma coisa em dia.
Mais uma vez o processo de viajar de comboio é simples e linear. Desta vez escolho um comboio regional, mais lento, mais barato. A composição é moderna, tem um aspecto suburbano. Sai com algum atraso mas lá arranca. A viagem decorre sem sobressaltos. Ocupo o tempo entre a leitura, o processamento de imagens e a observação da paisagem. Chego até a cochilar um pouco. A dado momento um cigano chega, abre um saco e começa a colocar pequenos objectos para venda no banco livre ao meu lado. Depois afasta-se e recomeça o processo noutros locais da carruagem, deixando o seu material exposto por algums minutos. Não sei se alguém compra alguma coisa, mas pouco depois reverte-se o movimento e em menos de nada não há sinal do cigano e da sua mercadoria.
Pouco depois de duas horas de viagem chego a Sibiu. As primeiras impressões são neutras. O tempo continua bom e caminho lentamente em direcção à praça principal, onde me encontrarei com Ovidius, o meu anfitrião para Sibiu. Afinal não é apenas um ponto de encontro: ele vive mesmo lá, na “Piata Mare”. O local é fabuloso, com edíficios coloridos, alguns deles majestosos, como é o caso do palácio da câmara municipal, outrora a residência do governador. São seis horas da tarde mas já há pouco movimento. Faz-me pensar como a essência das cidades romenas é variável. Em Brasov tive dificuldades em encontrar supermercados, enquanto em Sibiu há três Bila em menos de nada, mais lojas de menores dimensões mas modernas por todo o lado. No meu anterior destino, as pessoas andam pelas ruas pela noite dentro, animadas, num espírito cosmopolita, enquanto aqui as belas artérias se esvaziam sol posto, num cenário algo deprimente para uma cidade que merecia uma atmosfera humana melhor.
Depois de uma pausa acompanhada de um cálice de aguardente romena, vamos jantar. Apetece-me pizza, e o Ovidius, generoso, leva-me a uma pizzaria ali ao virar da esquina. Está quase vazia, como que a confirmar a impressão recolhida. Depois, vamos ao café Wien para uma sobremesa, mas o meu guia não gosta do ambiente e saimos para procurar outro local. Então o telefone dele toca. Parece que na cidade, e não longe de nós, estão uns amigos dele.
Encontramo-nos pouco depois e caminhamos para um outro restaurante, tipicamente alemão, de muita qualidade. Os amigos jantam, nós acompanhamos. É um grupo engraçado. Gente nos seus 50 e picos, companheiros de universidade, e, depois, da tropa. Todos os anos reuném-se uma ou duas vezes, e amanhã há o casamento do filho de um deles. Logo, é uma oportunidade para se reverem. Mais tarde chega outro casal, e ainda a esposa de um deles, que veio de comboio. Encontro-me um pouco perdido entre romenos. Ainda por cima gente com um elo forte, memórias comuns, piadas “privadas”. Mas todos fazem o melhor para me enquadrar, falando inglês comigo, explicando de forma sumária do que vão falando. É gente de educação superior, e, confidencia-me o Ovidius, com muito dinheiro. Um deles foi o director geral dos parques naturais da Roménia, enquanto outro é dono de uma rede de gasolineiras. E neste ambiente surpreedente, que me chega como uma prenda inesperada, a bebida vai correndo, e todos, incluindo eu, estão cada vez mais animados. Mas chega a hora da despedida, que no dia seguinte há casório – para o qual sou convidado – e há que repousar. Chegado a casa, um valente susto: o meu computador não está na mochila. Caminhamos em passo apressado para o restaurante e entramos no “timing” perfeito: um empregado está de rabo para o ar a apanhar o meu querido computador de debaixo da mesa. Tudo acaba em bem. Que alivio. Nem é pelo computador… mas perder todas as fotos da viagem seria um choque imenso. Regressamos de novo a casa, e depressa a cama está feita e durmo bem, muito bem.