O despertador toca, os sentidos desperta e, lá fora, é ainda de noite. Diabo, é estranho que nas Canárias seja noite cerrada às 7 da manhã. A alvorada forçada tem uma razão: às nove horas temos que estar no Centro de Visitantes e Interpretação do Parque Nacional de Timanfaya. E isto porque consegui ter acesso a um “segredo” bem guardado. Quase toda a gente visita o Parque depois de chegar de carro ao desvio que sai da LZ-67, onde pagam os cerca de 8 Eur pelo bilhete, conduzido seguidamente durante uns dois quilómetros até ao Centro de Turismo, onde deverão parquear a viatura. A partir daí, as pessoas são acomodadas num autocarro do Parque, que as conduzirá pelas estradas interiores, sem mais do que uma breve paragem. Quem se senta à janela terá um avista privilegiada. Os outros, terão dificuldades em apreciar, e, sobretudo, em fotografar a envolvente paisagem dantesca.

 

 

Mas há uma opção desconhecida da esmagadora maioria: os passeios a pé, organizados pelo próprio parque e que são totalmente gratuitos. Quando me disseram, nem quis acreditar. De borla?!! Mas como… porquê? Pois continuo sem as respostas, mas que são mesmo gratuitos, isso são. Até ao último momento ainda pensei que apesar do passeio em si ser livre de custos, partiria do Centro de Turismo e, portanto, ter-se-ia que pagar o bilhete regulamentar para lá se chegar. Mas nem isso! Quem lograr obter uma reserva para este passeio deverá mostrar-se no Centro de Visitantes e Interpretação, uns quilómetros distantes do acesso principal ao parque, mas na mesma estrada. Ai, tratará das formalidades, e, findas estas, entrará numa pequena carrinha (os grupos tem como limite as oito pessoas) e levado até ao ponto de partida do passeio, por caminhos de terra batida apenas acessíveis ao pessoal do Parque.

 


 

Tendo confirmado por telefone a nossa presença 48 horas antes, como é da praxe, foram-nos dadas as últimas recomendações: trazer calçado adequado, água, creme de protecção solar e um código pessoal que nos foi atribuido nessa altura. E, sobretudo, estar no local imperitvelmente às 9 horas. Ora como não queriamos falhar isto nem por nada, acordámos bem mais cedo do que o necessário, fizemos o percurso ao alvorecer, e chegámos à cancela pelas 8:30. Tudo fechado e ninguém à vista. Ficámos ali, dentro do carro, que aquela hora fazia frio e soprava um vento relativamente forte. Passado um pouco, entra um funcionário. Depois, outro. Que nos diz que só às 9:00. tudo bem. Mas continuo a achar estranho o pouco movimento. E então faz-se luz. Esquecemo-nos de mudar a hora! E portanto estamos terrivelmente adiantados. Está explicada a noite cerrada! Não acordámos às 7 mas sim às 6 horas. Bem, há então tempo para uma pequena aventura, à laia de aperitivo.

Conduzo pelo mesmo caminho, até um ponto onde existem alguns elementos geologicamente interessantes, e trepamos um pequeno cone vulcânico. Ainda está algum frio mas a subida aquece-nos. É o meu primeiro contacto com a paisagem única de Lanzarote. As terras que com a luz insípida da madrugada pareciam ter sido lavradas por um tractor gigante revelam-se agora como “malpais”, terrenos de lava revolta a perder de vista. Está agora na hora de regressar ao Centro de Visitantes e Interpretação.

 

 

Chegamos e já encontramos a cancela aberta. Algumas pessoas estão a acabar de parquear os carros. Uns, serão nossos companheiros de passeio, enquanto outros vão simplesmente visitar o Centro, uma espécie de museu do Parque, onde entre outras coisas se podem sentir o poder de uma erupção vulcânica, numa sala especial, onde o rugir das entranhas se faz sentir, acompanhado de uma vibração aterrorizadora. Somos convidados a entrar numa sala de reuniões onde fornecemos os nossos dados. Depois, esperamos um par de minutos pelo guia: Nino, tem uns 40 anos, e é um homem verdadeiramente pequeno de corpo. Mas grande de alma. Atravessou a América do Sul de ponta a ponta, num périplo que lhe levou dois anos. Nasceu e cresceu na Gran Canaria, mas estabeleceu-se em Lanzarote depois de correr mundo.  Está obviamente apaixonado pela ilha, onde criou família. É um pouco inseguro, mesmo depois de oito anos a conduzir visitantes. Pergunta frequentemente se estamos a gostar, se estará a falar de mais.

Somos levados de carrinha até ao ponto de partida. Quando o transporte se afasta, formamos um círculo e apresentamo-nos. Teremos a companhia de duas irmãs da Martinica e de três reformados ingleses. Quando digo quem sou e o que faço, caio no goto do nosso guia, encantado de ter, por assim dizer, um colega de profissão no grupo. A partir dai passo a ter uma atenção especial, fruto de uma cumplicidade natural entre companheiros de actividade.

 


 

O passeio é excelente. Se fico um pouco decepcionado pela cota baixa a que se desenvolve, sou recompensado pela competência do Nino, pelo interesse das suas explicações, estrategicamente distribuidas ao longo dos 3 km do percurso. Demoramos pouco menos de três horas, não por caminharmos muito devagar mas pelas paragens para transmissão de conhecimentos. No fim, sinto que foi a melhor maneira de iniciar estas férias, com uma bagagem teórica que me será útil na interpretação de locais e paisagens nos dias que se seguem.

Seria fastidioso escreve aqui tudo o que aprendi. Fiquei especialmente impressionado ao saber que durante a erupção do século XVIII, os habitantes locais foram proibidos de abandonar a ilha, cuja desertificação poderia abrir as portas a uma inconveniente ocupação por parte dos inimigos do Império. Assim, viveram seis anos sem ver a luz do sol, obscurecida pela enorme nuvem de cinzas. Quando terminou, as ilhas eram um deserta, onde a vida começou a desabrochar e onde as pessoas encontram as soluções mais criativas para sobreviver, retirando o escasso alimento essencial para a sua alimentação. Os ventos que ainda hoje assolam estas paragens forçaram à criação de abrigos circulares em torno de toda e qualquer planta que quisessem plantar, uma técnica ainda hoje practicada. Passamos junto a alguns destes círculos, erigidos em redor de mirradas figueiras, e experimentamos mesmo um destes frutos. Aprendemos a atrair os pequenos lagartos, de uma espécie que apenas se encontra em Lanzarote, salpicando o solo em redor dos arbustos onde estes se escondem com água. A bicharada não resiste a matar a sede nesse solo deixado húmido, deixando-se avistar. Visitamos um “jameo”, caverna formada pelo trânsito subterrâneo de lava, e vimos como é perigoso caminhar por aqueles solos, onde em alguns pontos existem tectos de apenas alguns centímetros sobre estes túneis, que abaterão assim que alguém lhes puser um pé em cima.

Ao terminar o passeio, cruzamo-nos com outro grupo que fará o percurso inverso, e trocam-se as chaves das viaturas. A que será a nossa está parada umas centenas de metros à frente. Lá longe, a patrulha do Parque passa, em marcha lenta, certificando-se que ninguém anda por ali. Somos levados de volta ao Centro de Visitantes e Interpretação, passando pela aldeia de Yaiza, onde escolheria viver se fosse desterrado para Lanzarote. Gostei do ambiente rural, pictoresco, sem artificialismos turísticos. Além de mais, segundo o Nino, é ali, numa taberna de esquina, que se prepara o melhor grão da ilha. Não tive contudo oportunidade de experimentar essa especialidade local, com grande pena. Mas ficou anotado para uma próxima visita.

 

 

Feitas as despedidas, partimos para uma tarde intensa. Para começar, directos a La Santa. Trata-se de uma pequena ínsula, junto á qual foram edificados alguns hóteis que contudo não chegam para estragar o cenário natural. As águas azuis, apesar do mar algo revolto que se revelou característico das costas norte de Lanzarote e Fuerteventura. Explorámos a zona durante algum tempo e ficámos intrigado com as estruturas inacabadas que encontrámos. Os alicerces de mais um aldeamento turístico ou de um pequeno porto que nunca viu a vida?

Depois, passámos por Sóo, internámo-nos na ilha, atravessámos Teguise, a antiga capital, em tempos em que as regulares incursões de piratas forçaram as autoridades  a estabelecer o seu centro em paragens mais seguras, elevadas e relativamente afastadas da costa. A minúscula cidade pareceu tão desinteressante que nem parámos. Pouco depois, saímos do asfalto, apanhámos um caminho de terra batida, sempre a subir, cada vez mais ermo e com vistas mais amplas. No topo, muito lá em cima, um amplo terreiro com uma série de carros de aluguer. Parece que escolhemos a forma mais complicada de chegar ao objectivo. Mas aquelas vistas, ò meus senhores… aquelas vistas não têm preço São terras áridas a perder de vista em direcção ao interior da ilha, e, mesmo ali em fgrente, o mar de um azul inacreditável, a deixar perceber quão límpidas as águas são. Quase a pique uma urbanização constítuida por casas de formas bizarras. Vejo depois no mapa que se chama Famara. Olhando para norte avista-se o ilhéu da Graciosa, habitado, assim como um par de outras formações rochosas que se erguem das águas, mais distantes, mais pequenos e sem ocupação humana. É um cenário idílico e um dos pontos altos do dia. Chama-se o local Ermita de Las Nieves.

 

 

Infelizmente há que seguir viagem. O próximo destino é o famoso Mirador del Rio. Saimos daquele ponto de forma bem mais simples, como já se advinhava pelo número de carros que ali encontrámos. Uns metros à frente encontramos asfalto e vamos rolando por aquela estreita estrada. De novo, chegamos pelo acesso mais complicado,  depois de sairmos da via “principal” e cruzarmos um par de pequenas aldeias. E, uma vez mais, a reduzida largura do asfalto é um preço pequeno a pagar pela vista de que usufruimos.

Agora vamos lá ver uma coisa: que treta é essa de vedar todos os terrenos envolventes de um miradouro e cobrar bilhetes pela visita. Mesmo que existam uma estruturas que em temps foram militares e que posteriormente foram recuperadas pelo omnipresente artsita Manrique? Para dizer a verdade, com o decorrer das horas em Lanzarote a minha paciência para com este Manrique foi-se esgotado. Em todo o lado, Manrique. Manrique isto, Manrique aquilo. Manrique fez isto aqui, Manrique pôs o dedo acolá. E o pior é que parece que onde Manrique pisou, terá nascido ouro, porque é sempre a pagar. E o Miradouro del Rio é apenas um dos casos. Pagar? Não. Decididamente não. Gosto pouco de pagar, e ainda menos para ter acesso a uma bonita vista. Bonitas vistas são coisas gratuitas por essência. Uma oferta da Natrureza. Agora, quando a tudo isto se acresenta uma horda de turistas a fazer fila, é mesmo sinal de que está na hora de dar corda aos sapatos e deixar o lugar para trás. Que decepção! Nada que estragasse o dia, que estava a corre tão bem e assim continuaria, mas quanto ao Mirador del Rio, presença em todos os guias da ilha e websites para visitantes, deixem mesmo lá estar isso.

 

 

A partir daquele ponto e até chegar a Orzola, é sempre a descer. Passa-se junto à pequena aldeia que tem um nome de dimensões adequadas, Ye, e vai-se apreciando os campos de videira, plantada em solo negro, vulcânico, com as elaboradas protecções de pedra, desenhadas para proteger as plantas do vento agreste. Experimentar o vinho de Lanzarote foi outro dos objectivos não cumpridos desta viagem. Diz-se que o seu sabor é único, o que não é díficil de acreditar tendo em conta as particularidades da cultura. Já em Fuerteventura ainda estive com uma garrafa na mão, mas não quis pagar os 7 Eur. Como um par de outras coisas, ficará para uma próxima visita.

À entrada de Orzola, uma paragem num supermercado para acautelar o lanche. A vida ali é relaxada. Sente-se nas pessoas que passam, nas funcionárias da loja. Nesta aldeia piscatória o turismo de massas ainda não influenciou grandemente a vida local. Não é local que justifique uma visita “per se”, mas é dali que parte o pequeno “ferry” para a minuscula ilha Graciosa. Um programa interessante para quem dispuser de tempo, mas que está fora de questão para quem, como nós, dispõe apenas de 48 horas para visitar Lanzarote. Os mais ousados poderão partir daqui para tentar chegar ao extremo norte da ilha, por perigosos trilhos e passagens entre os promontórios que parecem instransponíveis à distância.

 

 

Deixando Orzola para trás, a nossa atenção recaiu numa série de carros parqueados não muito longe da estrada principal. E aqui, antes de retomar a narrativa, entra uma nota sobre uma curiosidade a que assistimos, e de certa forma participámos, durante toda a estadia: sobretudo em Lanzarote, uma grande percentagem dos carros que rolam pelas estradas, são de aluguer. Logo, conduzidos por turistas. E isto cria o tal fenómeno: uma espécie de atracção irresistivel por outros carros de aluguer parados à beira das estradas. Creio que toda a gente assume que se mais alguém se encontra parado, é porque existe algo de interesse para ver. Assim, basta parar uns segundos, para que comecem a passar carros cujos condutores abrandam e olham… logo, algum se detém, e a seguir outro… ora quantos mais estão parados mais cobiçado se torne o local. Mesmo que não haja nada. Mas há carros de aluguer parados, logo… É uma espécie de círculo vicioso. Em determinados momentos o fenómeno tornou-se hilariante. E demos por nós a fazer o mesmo. Este local foi descoberto devido ao síndroma “carros de aluguer parados”.

 

 

Ali cria-se uma lagoa natural, de água salgada. As rochas, mais adiante, funcionam como um filtro, que quebra as ondas e dinâmica oceânica. O resultado é um espelho de água sobre uma almofada de areia dourada. Em redor, uma série de abrigos construídos com o mesmo princípio aplicado à agricultura, permite proteger os banhistas do vento. A água tem uma temperatura agradável, talvez uns 28 graus. A tarde já vai longa mas ainda há pessoas que gozam das últimas horas de sol deste dia.

Prosseguimos, passando junto a dois expoentes turísticos da ilha, sem nos determos: Jameos de Agua e a Cueva de Los Verdes. Os muitos carros, estacionados nos seus parques, avistados ao longe, relembram-me porque que optei por não os visitar.

Para acabar o dia em grande parámos em Costa Teguise. Será talvez algo sobrelotado nos meses de Verão, mas em Janeiro encontramos ai um ambiente adorável, com construções turísticas de qualidade que são um deleite à vista. Como em todo o lado onde fomos, existe um excelente equilibrio: as partes da ilha desenhadas para albergar os visitantes não se encontram às moscas mas não avistamos hordas de invasores vindos da Alemanha ou do Reino Unido. Assim, é um prazer andar pelos passeios marítimos, cruzando-nos aqui e ali com outras pessoas que disfrutam da calmaria, das vistas do oceano e do sol que se porá a qualquer momento. Acabamos por assistir a esse glorioso momento a partir de um ponto de observação onde um casal de meia-idade se encontra resfatelado num banco de alvenaria, com uma garrafa de vinho tinto entre eles e copos meio-cheios com o néctar. Creio que é a isto que se chama turismo de qualidade, e decididamente não é necessário atravessar continentes para lhe ter acesso a um preço razoável.


Regressámos ao Aparthotel. Duches tomados, saímos para jantar. Infelizmente o restaurante romântico que tínhamos marcado na véspera, com decoração baseada em temas náuticos, junto ao mar, estava às moscas e decidimos não entrar. Fizemos o mesmo percurso que no dia anterior, passando na zona mais animada da orla costeira de Puerto del Carmen, e entrámos no estabelecimento que oferecia ligação wi-fi aos clientes. Pedimos uma pizza e uma dose de bife de atum. Sobre a primeira, nada a dizer. Não se tratava da melhor pizza nem o esperaria. Mas os bifes estavam uma maravilha, servidos em dose generosa como de resto o eram todas as sugestões da ementa, pelo que fomos observando nas mesas em redor. O ambiente esteve animado e vivo, com muita gente pelas mesas, sem contudo se sentir uma sobrelotação do local. Os preços são agradavelmente reduzidos, com as doses a custarem cerca de 7,5 Eur, numa relação qualidade-preço muito boa.

 

 

 

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