Ouvi falar pela primeira vez no museu Rahmi Koç quando preparava a viagem de Outubro de 2013 à Turquia. Não me recordo aonde nem como, mas achei vagamente interessante visitar uma colecção de carros clássicos, que foi o que me pareceu ser quando li a descrição e observei as fotos apresentadas naquele primeiro contacto.
Depois fui, o tempo passou, entre os dias de Istanbul e as expedições realizadas a outras partes do país, e o museu Rahmi Koç foi ficando esquecido, uma breve referência num livro de apontamentos. Até que voltei do Curdistão, vi-me em Istanbul com dois dias livres antes do regresso a Portugal. No primeiro, vagueei durante a manhã e descansei à tarde e pelo serão dentro. Para o segundo, vá-se lá saber porquê, meti na cabeça que podia visitar o museu. E aqui cabe um apontamento preliminar: não costumo ir a museus, ou, melhor, sou muito selectivo nos que visito. Nem sei bem porquê, mas costumo dar como possível explicação, meio a sério meio a brincar, que depois de trabalhar meia dúzia de anos num, fiquei enjoado.
Na véspera deitei-me na cama a estudar atentamente como chegar ao local do museu, junto às águas do “Golden Horn”. O melhor será apanhar um autocarro em Eminonu, junto a uma das pontas da ponte de Galata. Fica o apontamento: os números das carreiras são 47, 47E, 47Ç e 47N. As suas paragens estão juntas e para as descobrir o visitante deverá cruzar o enorme espaço repleto de autocarros do lado direito da saída da ponte, de quem vem de Beyoglu. As paragens são das últimas que se encontram. Os horários estão afixados, divididos em três tabelas: dias de semana, Sábados e Domingos.
O percurso é relativamente curto e deverá o viajante apear-se na paragem Kirmize Minare, indicação irrelevante porque o museu é claramente visível e estende-se por instalações localizadas de um e do outro lado da movimentada rua. A aura positiva sente-se desde o primeiro momento, quando o segurança nos indica a entrada e a bilheteira. Depois, prossegue. Moça simpática, com um inglês perfeito, vende-nos o ingresso, por um valor simbólico de cerca de 5 Euros. E depois… depois começa a magia.
Há sempre algo de especial numa colecção de carros clássicos. Não sei se é uma propriedade do meu imaginário pessoal ou se este mundo atrai de forma igual toda a gente. Nem aprecio especialmente automóveis, mas acho que é da forma como estes veteranos me fazem viajar no tempo, imaginado prósperos proprietários, dias felizes, sorrisos e outros dias, passados. Vê-los ali todos, alinhados, estimados, com tantas aventuras para contar, faz-me aparecer um sorriso tolo na face. De repente pareço uma criança prestes a assistir a uma sessão de circo. E estou ainda longe de imaginar os segredos que o museu Rahmi Koç me vai revelar…
Antes de entrar em mais descrições, deixem-me tentar sintetizar os encantos deste museu. Será a apresentação de um espaço onde o imaginário dos adultos encontra um interlocutor, memórias revividas, de vidas reais e de referências literárias, cinematográficas, televisivas. É uma espécie de universo de Peter Pan, a terra onde se é criança para sempre. Aqui, podemos ver com os próprios olhos objectos que povoavam as histórias que fizeram a nossa meninice. Cada um terá as suas influências. Para mim, andar pelas salas do museu Rahmi Koç foi voltar a desfolhar as páginas das National Geographic e das Popular Mechanics do meu pai, mas sobretudo sentir renascer a curiosidade que se crê ser própria das crianças.
E depois, eles sabem o que estão a fazer. Começa pelo derrube de barreiras. Num museu clássico há sempre o drama das fotografias, barradas na maior parte dos casos. Mas aqui não. Pode-se fotografar livremente, mas para além disso o visitante sente uma liberdade que é coisa rara nestes espaços. Pode tocar nos objectos, sentir texturas, satisfazer aquela chamada primordial para o uso do tacto. Na memória ficará não só a imagem dos objectos, o cheiro das salas, mas também o toque. E isso é extraordinário!
O museu surge classificado como sendo de transportes e tecnologia mas é muito mais do que isso. Como enquadrar nestas temáticas a colecção de carrinhos e triciclos de brinquedo, que nos contam a história de entusiasmos e fantasias de gerações e gerações? Ou os dioramas que recriam uma série de lojas antigas, alguns deles mecanizados, pondo toda uma oficina em movimento para gáudio do visitante? Não, há muito mais do que transportes e tecnologia nas mil e uma salas maravilha do Rahmi Koç. Há o Universo, ou melhor, retalhos, retalhos de um mundo sem fronteiras, sem limites. No fundo, tudo o que o senhor Rahmi Koç encontrou ao longo da sua vida e considerou interessante. Tudo isso foi arrecadado numa vida dedicada ao coleccionismo, alimentado por uma fortuna de família e uma rede industrial em pleno funcionamento. Segundo parece tudo começou na sua mais tenra idade, quando o pai, de regresso de uma viagem de negócios na Alemanha, lhe trouxe um modelo de comboio eléctrico. Foi nesse momento que sentiu o chamamento.
Desde essa altura que coleccionou, primeiro para si, depois, influenciado pelo Deutsches Museum de Munique e pelo Science Museum de Londres, mas terá sido quando teve oportunidade de visitar o Henry Ford Museum, de Detroit, que se decidiu por fim a expor a sua colecção. Entregou a um colaborador de confiança a tarefa de encontrar um espaço adequado. E ele fê-lo. Descobriu uma antiga fundição de âncoras, feita espaço de armazenamento nas décadas mais recentes e semi-destruida por um incêndio em 1984. O museu abriu em 1994, mas depressa se tornou claro que era necessário ainda mais espaço, e felizmente este foi obtido mesmo ali defronte, através da aquisição de um espaço portuário disponível para venda. Foi em 2001 que o museu Rahmi Koç se transformou naquilo que hoje vemos.
Será impossível descrever num artigo com estas características a colecção exposta nas salas do museu. Mesmo os elementos mais relevantes serão demasiados. Receio que não consiga tampouco numerar as salas que vi. Cheguei pouco depois das dez da manhã, pronto para uma visita de cerca de duas horas, e acabei por deixar as instalações já perto das quatro, exausto dos quilómetros palmilhados e das emoções sentidas.