Depois de quatro ou cinco meses de interregno, ai está ele, o desejado, o aguardado, o ansiado, o esperado… regresso. Cheguei ontem, hoje o dia está preenchido. É isto, viver em Praga. Plenitude, dinâmica, variedade.

É dia 28, último Domingo de Setembro. Foi este senhor dia que se tornou responsável pela data precisa do retorno à Cidade. Desde que soube que o Museu Técnico do Exército encerra todos os anos no último Dia do Senhor do nono mês que tive a certeza que teria que cá estar por essa altura.

A visita era para ser feita na companhia do amigo Clabbe, sueco de gema, como eu interessado nestas coisas da história militar. Mas quis o acaso do destino e a senilidade crescente deste que vos escreve, que acabasse esperando por ele na estação de Metro errada. Resultado: após muito praguejar e amaldiçoar uma alma inocente, apercebi-me da asneira e voltei em passo acelarado para casa, com o rabinho bem entre as pernas, para consultar os horários dos transportes públicos e procurar uma solução de recurso.

Pois bem, ainda havia tempo. À uma da tarde, autocarro em Budejovicka. Tinha tanto tempo disponível que acabo por me distrair e dou por mim atrasado, em risco de perder definitivamente o desejado programa. Chego afinal com dez minutos de avanço à zona dos autocarros, mas entro em pânico. Não encontro! Não sei onde procurar. Esqueci-me do “post it” com as indicações em cima da secretária! Tenho uma vaga ideia do nome da aldeia onde devo sair e atrevo-me a abordar um casal com aspecto de quem fala inglês. Abençoada hora! Falam mesmo, e, apesar de não conhecerem nem o museu nem a aldeia que eu procuro, acabam por ser a minha salvação. Vai-se a ver e é mesmo aquele autocarro que eles estavam prestes a apanhar. Bem debaixo das minhas barbas. E pensar que esteve quase a escapar-me por entre os dedos.

O pesadelo acabou. Agora tudo parece correr bem. Vou sentadinho sozinho num banco para dois… até que o elemento masculino do casal salvador se senta ao meu lado de mapa na mão. Descobriram onde fica o museu que procuro… e aconselha-me a sair uma série de paragens antes e apanhar um caminho pedestre, muito mais interessante, diz ele. Sem dúvida muito mais interessante… se eu não estivesse coxo. Mas não consegui fazer a desfeita e com um sorriso amarelo apeei-me mesmo ali, onde me aconselharam.

O tal trilho era de uma dificuldade incrivelmente alta, com trechos muito maltratados, árvores caídas sobre a passagem e pedregulhos para escalar. Aquilo que se antevia uma tranquila marcha de 400 metros tornou-se num caminhada de 4 km que durou quase duas horas. Quando finalmente cheguei ao museu, mancava de forma descarada e tinha apenas uma hora e pouco para disfrutar da exposição.

Mas valeu a pena. Desfilaram diante dos meus olhos equipamentos militares dos quais tanto ouvi falar ao longo da vida, mas que nunca tinha visto assim, diante dos olhos… a coisa real. Lança-misseis, veículos blindados, tanques de guerra. Tantos. Tão interessantes. De todas as épocas. Entrei em modo de fascínio completo. A pobre Nikon trabalhava incessantemente. Click para ali, click para aqui. Ainda pensei que com a maré de azar com o que o dia se iniciara, não seria de admirar que a bela da câmara encravasse. Mas não. Portou-se lindamente e permitiu-me trazer para casa umas mãos cheias de excelentes imagens. Ainda fascinado com os T-34, os SCUD, os T-72, os T-55, os BMP-1, entrei na zona da exposição coberta. Tinha apenas meia hora para aquela área. E precisaria de pelo menos trêz vezes mais de tempo. O conceito museológico aplicado foi uma surpresa positiva. Positivissima. A recriação de espaços e de épocas foi feita em rigor. O acervo é riquissimo. Mas só tenho tempo de atravessar os pavilhões em passo rápido e de disparar umas quantas fotografias. Saio. Sou aparentemente o último visitante do ano de 2008. Acho que merecia uma prenda comemorativa, até porque deixo uma generosa nota no livro de visitantes.

Voltar pelo mesmo caminho está fora de questão. Antes de ambulância ou de táxi. Mas eu sei que passa ali algures o comboio. E mais, sei que uma composição estará no local dentro de 15 minutos. Só que há algo que desconheço: a localização da estação. Felizmente acerto à primeira. Lá esta ela, estou salvo. Sento-me no comboio e disfruto da viagem, depois de comprar o bilhete ao revisor. O único problema: a viagem termina em Vrsovice. Ora não faço ideia de onde fica Vrsovice. É em Praga, certo. Até ai tudo bem. Mas fora isso, estou perdido. Vejo eléctricos, mas não tenho bilhetes. Terei que caminhar, até que encontro dois homens que conversam em inglês, e sou orientado.

O dia está a ser em cheio, mas ainda não acabou. Tinha planeado e tenciono cumprir: assistir à projecção de um filme checo, com as indispensáveis legendas em inglês, no Globe. Descobri este local da primeira vez que visitei Praga, vai para três anos, e apaixonei-me imediatamente pela doce mistura entre livraria, restaurante, bar e cybercafé. E será o meu destino para um serão bem preenchido com a película Jara Cimrman Lezici, Spici, de 1983. Ao saber que apreciei esta divertida comédia, um amigo checo confidenciou-me que estava doravante provado que aprendi a gostar do sentido de humor do seu povo.

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