O generoso Masoud, este pequeno grande homem de um enorme sorriso e uma bondade sem fim, acedeu ao meu pedido para ficar mais um dia. Tinha-me enganado no plano, e estaria “sem abrigo” para hoje.

Ocorreu-me logo que parecendo-me pessoas relativamente conservadoras, seria inapropriado ficar em casa com a Aylar enquanto ele ia trabalhar, o que sucederia apenas da parte da manhã. Sem problema, decidi ir até Isfahan, porque não, gastar este tempo e bater o terreno para os dias que se seguem.

O Masoud deixou-me no minibus que faz a ligação entre Kuhpayeh e Isfahan. Tinha saudades destes minibus malucos, que arrancam quando estão cheios e depois de muita negociação e rearranjos de lugares.

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Lá se fez a viagem, sem novidade, deixei-me ficar no meu lugar até chegar ao Terminal Jey, um dos que funciona em Isfahan, dedicado às ligações para Este. Pus o GPS a funcionar, direito à casa dos anfitriões seguintes, só para me entreter e bater terreno.

Gostei imediatamente de Isfahan. E sei exactamente porquê: foi o cheiro. O aroma de folhas de árvore em decomposição, das árvores específicas cujo nome desconheço mas que encheram a minha infância de memórias olfativas. Aquelas que existiam em muitas das ruas de Alvalade, e que mais tarde cheirei no Campo Grande, nas idas à Biblioteca Nacional, durante os beijos trocados nos bancos do jardim. Era esse cheiro que me aguardava, à saída do minibus.

O dia também estava convidativo. Caminhei com gosto, e cada vez gostava mais desta cidade. O que via agradava-me. As pessoas tinham uma auréola mais agradável do que tinha sentido até então nas outras cidades por onde tinha passado.

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Andei pelas avenidas em direcção ao rio e ao meu objectivo. Passei junto a oficinas de automóveis, a lojas tentadoras. Ultrapassei rotundas, vi um supermercado e efectuei um pequeno desvio para visitar um parque da cidade.

Agradável, sem ser deslumbrante, frequentado por muita gente. Parei ali para comer a romã que tinha trazido para merendar. Sentei-me no chão e logo apareceu um corvo interessado em me fazer companhia. Mas desdenhou as bagas da fruta que lhe joguei. Finório!

Prossegui, gostei do bairro onde vou ficar, com muito comércio local, um toque com personalidade. E os blocos de habitação a revelar uma zona de uma classe social a puxar para o elevado. Encontrei a rua, dei-me a missão por cumprida e vi que já não tinha tempo para muito mais. Vi no GPS que tinha uma ponte histórica não muito longe, fui até lá, mas já um pouco à pressa. O Masoud tinha-me dito que o ideal era estar no terminal para iniciar o caminho de volta cerca do meio-dia e já se faziam horas de começar a marchar para cima.

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Encontrei o transporte com facilidade e passado uma hora e pouco estava a enviar um SMS ao Masoud a anunciar a minha chegada. Veio-me buscar, almoçámos. Tinha ficado combinado irmos ao deserto esta tarde. Mas depois do almoço ele não se mexia. Lá lhe perguntei quando pensava irmos. Por volta das quatro. Mau. É de noite às cinco e meia. Perguntei-lhe se não era um bocado tarde considerando a hora do pôr-do-sol. E ele… ah e tal mas o sol só se põe depois das seis. Err.. não, logo a seguir às cinco. Pega no telemóvel… ah pois é bebé. Lá muda os planos.

Na hora de ir percebo a complicação em alterar a hora.. a mãe e o irmão mais novo, para além da Aylar, vêm connosco. Já vamos tarde, claro, e o Masoud põe o pé a fundo no acelarador. Passamos por várias coisas que me teriam feito parar se fosse no meu carro, mas no contexto não vai dar. São pequenas aldeias de deserto, umas torres misteriosas que servem de abrigo à passarada de forma a que os humanos recolham as suas fezes para fertilizar a terra… e simplesmente a paisagem, plana, a perder de vista, com a silhueta das montanhas lá muito ao fundo.

Entretanto o céu está carregado. A luz está um bocado chata para fotografar. Logo hoje! Chegamos a Varzaneh, uma aldeia que vem descrita nos guias de viagem como uma excelente porta para o deserto, a partir da qual se pode aderir a excursões para visitar as dunas de areia nas imediações. Passamos depressa, que o relógio não pára. Não me parece especialmente interessante. Ainda bem que risquei do plano o dia (ou dias) que pensava passar aqui.

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O Masoud vira num caminho de terra batida e às tantas já nem caminho há, mesmo com um carro normal está a conduzir no piso do deserto. Eles debatem entre si a situação, a viatura avança mais um bocado e detém-se. É aqui.

Bem bonito, o deserto. Gosto sempre do silêncio – hoje não haverá muito por causa da boa companhia – e da imensidão. Trepamos a uma duna ali perto. É sempre cansativo subir aquilo mas lá de cima todo o esforço é compensado. Está toda a gente feliz, inspirada com o ambiente. Corro na crista. Ficamos ali, eu e o Masoud a conversar. Deixo-o experimentar a minha câmara. A Aylar e a mãe ficam sentadas a meio da crista da duna.

E de repente, como se se tratasse de um milagre, o sol rompe as nuvens, em poucos minutos limpa um vasto sector de céu que transforma em azul. Agora sim… o bom passa a excelente. Era mesmo o que era preciso para melhorar ainda mais aquele momento. As cores tornam-se ricas, a areia fica dourada e os padrões do céu trazem outra alegria às imagens.

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Eles brincam com a areia, cobrem-se com ela, à vez. E vão-me pedindo para tirar fotografias. Penso para com os meus botões na dualidade das atitudes no Irão. Aquela senhora, austera e formal, que se veste a rigor para pôr um pé na rua, está ali agora a rir, uma malandrice juvenil a emanar-lhe do olhar, a rolar nas dunas.

O sol já vai baixo, está quase a afundar-se no horizonte. Um pequeno autocarro de turismo evoluiu com um roncar pelo caminho que nos trouxe até aqui. Dele saem nove pequenas figuras que vêm ver dali o pôr-do-sol. Tudo acontece depressa, a escuridão começa a cair e com ela vem o frio da noite no deserto. É tempo de ir.

No regresso dão umas voltas de carro pelas aldeias que passámos, para me mostrar algumas coisas. Já é de noite, mas mesmo assim há muito para ver. As ruas estão na hora de maior agitação.

Ao serão, que é o nosso último juntos, vimos as fotografias do dia. Um jantar simples, antes de me retirar, não para dormir mas para usufruir do momento diário de privacidade e relax.

Nota: Se vai andar por estas paragens e pensa ficar em Varzaneh, gostava de recomendar (não, não ganho nada pela referência) o Sandbad Hotel Apartment. O responsável, Mohammad, é um tipo impecável e só não fiquei com ele porque entretanto tive a oportunidade Couchsurfing. Contacto e-mail: [email protected].

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