O dia 23 de Janeiro, o último a sério no Omã, antes de um de viagem na estrada e outro de repouso em Muscat, foi talvez o melhor, e de forma inesperada, porque o cardápio estava longe de ser o mais prometedor.
Foi também um dia de estrada, vinha-se da região de montanha, da área de Nizwa, até Sur, na costa a sul de Muscat.
Do nosso ponto de acampamento descemos o pouco que faltava das montanhas, até chegar à estrada principal. Rolamos até ao cruzamento onde deveria virar para Sur, correndo sempre paralelo ao deserto de Wahiba Sands. E é aqui que tomamos uma feliz decisão: em vez de seguir directamente para Sur, vamos espreitar as aldeias de Jaalan Bani Bu Hasan e Jalan Bani Bu Ali. Seguindo o GPS perdi um pouco o sentido de orientação, mas sei que foi uma experiência super interessante. Até à primeira seguimos pela estrada principal com muito, mas mesmo muito comércio, uma surpresa para mim que, estudando a região em Google Earth, só via uma estrada e deserto. Pensei que ia encontrar duas pacatas aldeias e afinal a concentração demográfica é grande. Fica a nota para posteriores viajantes: aqui encontrarão tudo… bancos, casas de câmbio, serviços de impressão, padarias… enfim, a imaginação é o limite.
De Jaalan Bani Bu Hasan – onde visitámos mais um castelo – para Jaalan Bani Bu Alli o GPS indicou-me uma rota secundária, e foi ai que as coisas se tornaram mesmo interessantes. Não há é como como colocar por palavras, mas tentarei. O que se passa é que estas aldeias são diferentes das que tínhamos estado a ver desde o primeiro dia. São mais compactas, não se estendem ao longo da estrada durante quilómetros, com espaçamentos entre as casas. Aqui os vizinhos são vizinhos. E há uma ruralidade que ainda não tinha sentido.
O deserto está presente de forma clara. Vêem-se camelos, à solta, pastando, aqui e acolá. Um, está a deliciar-se com o conteúdo de um contentor de lixo. Quem preciso de ursos quando se tem camelos…
Há uma paragem para um chá karak. O último desta viagem, da qual o sabor doce deste tipo de chá com leite ficará na memória.
E depois, subitamente, o oceano aparece no horizonte e num instante chegamos à costa. É um momento marcante, ver este casamento entre realidades paisagisticas que geralmente não associamos: deserto e oceano. Al Ashkarah é uma deliciosa aldeia de pescadores, onde o ocre das casas se mistura com o quase branco do deserto e o azulão do mar.
As mesquitas tocam a praia, as pickups puxam os barcos que regressam da faina, há homens que consertam redes, miúdos que reparam abrigos. A água é tépida e limpida, a areia macia. A paisagem é imensa. E gostaria de entrar naquele emaranhado de ruas, mas sucede algo: um miúdo liderando um pequeno grupo de meninos mais novos dirige-se a nós com um pau e fala em tom ameaçador… algo o incomoda, algo o faz comportar-se assim. Não sei o que é, posso imaginar algumas hipóteses mas nunca saberei. É uma atitude contrária à de toda a gente que por nós passa. E logo um jovem de uns 20 anos grita algo para o rapaz, manda-o afastar-se. E quando umas dezenas de metros depois olho para trás, dois dos miúdos estão a ser levados pelo jovem, cada um por uma orelha, com muita choradeira.
O episódio não estragou o momento, mas de qualquer modo já vínhamos andando para o carro. Esta é a minha parte do Omã que conheci, mas sei que é um sentir pouco comum, a maioria das pessoas há-de se encantar com outras partes. Mas que posso dizer, sempre tive um fraquinho por este universo onde Islão e oceano se tocam, é algo que está fundo no meu imaginário, suspeito que por influência de algumas das histórias de Tintim.
Dali, foi correr costa para norte, sempre em direcção a Sur, descobrindo recantos mágicos, outras aldeias do mesmo género, praias secretas. A paisagem é agreste. Desértica. E o vento que neste dia se sente acentua a natureza do clima.
Fizemos um pequeno desvio para visitar a terra das tartarugas, Ras Al Hadd, da qual guardo a memória de se parecer com uma cidade de fronteira, não entre dois países, mas entre o mundo dos homens e o da Natureza. Por estranho que pareça, vem-me ao pensamento Vik, na Islândia, outro entreposto entre humanidade e a imensidão.
Sur já não está longe, surge, primeiro à distância e depois, de repente, já aos nossos pés. É uma cidade bem diferente, vista assim. O branco domina-a, e há um braço de mar ou talvez um rio, que a envolve de um lado. Subimos a uma das torres de vigia antigas, a mais alta e a vista é fabulosa. Outro dos momentos gravados na memória desta viagem. A vista e o vento, inclemente. Tínhamos ponderado acampar de novo, mas o cansaço e o jeito de uma ligação à Internet tinham feito pensar num hotelzinho barato (que no Omã significa pelo menos 30 Eur). E agora com este vento? Hotel, sim, hotel, sem dúvida!
Vamos à sua procura o que levanta algumas dificuldades. O trânsito é condicionado por muitos sentidos únicos e na primeira passagem não avistamos o Sur Hotel. Alguém explica como lá chegar mas é um pouco confuso. Bem, logo chegamos às imediações, estacionamos o carro para seguir a pé e afinal está mesmo ali atrás de nós.
Damos entrada no hotel, o quarto valeria uns 5 Eur noutras partes do mundo mas não aqui… 35 Eur. Pelo menos há internet na caminha mas para já vamos explorar um pouco que a noite está a chegar. Da nossa localização até à entrada mais bonita de Sur, precisamente aquela que usámos, passando sobre uma ponte, são cerca de quilómetro e meio.
Há muito, mas mesmo muitos emigrantes em Sur… ou será nesta área, na zona antiga? Seja como for têm semblantes assim um pouco carregados, quase hostis, é um ambiente que não me agrada especialmente, mas por outro lado estou a adorar a cidade. Sem dúvida a não perder numa viagem pelo Omã.
O vento continua, e quando chegamos à beira da água, intensifica-se. Sobre a ponte, é imenso, não me recordo de ter sentido alguma vez um vento tão forte. Quando tiro fotos, não há como evitar, as mãos vibram. Ali por baixo encontra-se um dhow, barco tradicional destas paragens, antes apenas à vela, mas agora já equipados com motor. O cenário é magnífico, especialmente aquela hora, quando tudo se doura com o sol que vai baixando. Na praia mais próxima alinham-se barcos de pesca mais comuns, como os nossos, e a seguir o estaleiro de dhows, sempre um local a visitar e onde, pelo que ouvi dizer, se pode entrar e deambular sem problemas.
Regressamos com um grande sorriso na cara, pela praia de Sur, onde no Verão deverá ser a loucura… em Janeiro não se passa muito. Apenas pessoas que por ali passeiam. Casais de namorados, grupos de homens, nos seus trajes omanis, à conversa. Um ou outro estrangeiro. No areal joga-se à bola. É um cenário muito agradável, que marca o final do dia.
A última parte do percurso até ao hotel faz-se pelo meio da zona comercial, uma zona pedonal, com muito comércio e, aquela hora, muitas pessoas. Finalmente se vêem mulheres, e muitas, às compras.
Jantamos ao lado do Sur Hotel. A comida está deliciosa mas quando chega a conta há um excesso significativo, que logo é retirado depois de um pequeno confronto… “maybe taxes”, dizia ele. Pois, mas não fala aqui em taxas em lado nenhum. Credo, que aldraba!