A noite em KLIA2 não foi tão descansada como esperava e quando embarquei tinha basicamente uma directa em cima. Em contrapartida dormi durante quase todo o voo, algo muito raro em mim. Abri os olhos para ver a paisagem da Birmânia (ou Myanmar, mas prefiro a palavra portuguesa). Tal como a imaginava, com a bruma matinal a espalhar a tonalidade alaranjada do sol que se levanta, fazendo sentir, só de olhar, o calor tropical destas terras.
O avião toca na pista e a partir daí desencadeiam-se uma série de pequenas coisas boas que me fazem sentir bafejado por um omen positivo. O controle de passaportes é rápido, organizado e simpático. O alfandegário nem chega a existir. Em menos de nada estou no terminal de chegadas. Dinheiro trocado a uma taxa muito agradável. Logo alguém do balcão oficial de táxis nos pergunta se queremos transporte. Sim, por esse valor sim. 8.000 Kyut, são cerca de 6 Euros. Vale a pena. Tinha um plano elaborado para chegar ao hostel usando transportes públicos. Implicaria uma pequena caminhada de pouco mais de um quilómetro e depois descobrir o autocarro certo. Li que o 51 seria directo para o centro, mas noutros locais vi referências a uma reestruturação das rotas e que as coisas agora seriam diferentes. Sem dormir e com um valor de táxi daqueles, desta vez cedi.
Uma viagem sem história, pelo menos até nos aproximarmos. O condutor fez o seu trabalho, sem conversas, com muito tempo de trânsito. Ainda são uns 15 km até ao centro. O pior é que ele não sabia onde ficava o hostel. Eu sim, mas não queria deixá-lo ficar mal. Depois de passarmos duas vezes em frente a ele e de duas voltas ao quarteirão, dei-lhe uma dica, ele parou, perguntou a um outro taxista e logo um senhor dizia “mas é mesmo aqui”. Pronto.
Gostei logo do Dengba Hostel. É O Hostel. Tudo no sítio. Dorms devidamente mobilados com beliches de qualidade, cada cama com uma cortina, luz de leitura individual e ficha eléctrica, o que permite criar uma privacidade, digamos como se estivesse numa tenda de campismo. As casas de banho são centralizadas, lá está, como num parque de campismo. Sempre limpas e disponíveis. A comida é barata (menos de 2 Eur o prato) e deliciosa, vendem bebidas a preços justos e água de beber é gratuita.
Vistas bem as coisas, ainda era bem cedo. O pessoal do hostel é que facilitou e deixou entrar bem antes da hora mínima de checkin. Assim deu para descansar um pouco, passar pelas brasas, almoçar (tava mesmo bom! Ver fotografia). E depois sair para um primeiro contacto com olhos de ver Rangoon.
Adorei. A confusão controlada, as ruas ladeadas de prédios coloniais, o comércio que ocupa cada milímetro, o calor birmanês, os edifícios monumentais, de outros tempos. Aquilo é o casamento perfeito com o que no meu imaginário existia de Rangoon. Fragmentos obtidos em páginas de Tintim, das aventuras do Major Alvega, de sequências de velhas películas de Hollywood. Rangoon, finalmente minha.
Há vendedoras de fruta, lojas de tudo, ruas temáticas, dedicadas a determinados tipos de produtos. Há tascas de comida por todo o lado, como se vê em algumas partes do Oriente, de mesas e cadeiras de plástico, muito baixinhas, espalhadas pelo pavimento pedonal.
Encontro o Hotel Strand. O famoso. Nunca perco estes locais, gosto de olhar para aquelas fachadas e pensar que estou a partilhar algo com personagens históricas que algures no meu passado me pareceram tão grandiosas e inalcancáveis mas que afinal estiveram ali, como eu, pisando a mesma calçada.
Feita a primeira abordagem é hora de passar a temas mais práticos: é preciso comprar bilhetes para o comboio de Mandalay. Para dali a dois ou três dias. Passamos por uma área mais moderna, onde encontro, de seguida, uma série de cinemas. A sétima arte parece ser bem popular por aqui.
Na bilheteira, más notícias: bilhetes em sleepers, com uma caminha para a noite, não há… só para cadeiras normais. Nem para depois de amanhã nem depois. Só mesmo indo lá no dia seguinte pelas sete da manhã e tentando obter para depois de três dias. Os bilhetes são disponibilizados com 72 horas de antecedência. It sucks!
Logo se vê. Agora que ali estamos, é visitar o mercado de Bogyoke Aung San. Ou não, que se encontra encerrado. Só amanhã, diz-nos uma simpática vizinha. OK… então vamos ao complexo religioso de Shwedagon. Tinha pensado ir de táxi, que é tão barato em Rangoon, mas já só faltam dois quilómetros, então vamos lá.
É caso de subir uma longa avenida, não sem antes comprar um belo pastel de nata (!!!). Sim, um pastel de nata! E apesar de um pouco diferente dos nossos, não estava nada mau. Chegamos então ao templo principal, depois de uma visita às áreas de visita livre. Para entrar no principal há que pagar 8.000 Kyuts. O mesmo que o táxi do aeroporto. Quero mesmo ver. Foi uma boa decisão.
O par de horas seguintes foi passado a explorar o complexo, mas talvez mais do que isso, a observar as pessoas. Há talvez demasiados estrangeiros, especialmente quando se aproxima o pôr-do-sol. Mas mesmo assim, vale a pena. Não é só a riqueza dos templos, a abundância dos pormenores, o infinito do que há para ver. É ver os peregrinos, os birmaneses comuns que enchem o recinto, cada vez mais, tal como os estrangeiros, à medida que o dia chega ao final.
Não sei se alguma vez terei tirado tantas fotografias num só local e num espaço de tempo tão reduzido. Às tantas estava a disparar fotos que basicamente repetiam anteriores, mas não conseguia parar.
Fiquei até à noite. Usufruindo do dourar da luz, da invasão de multidão, cada vez com mais temas para ver e fotografar. Depois, foi caminhar de volta, de forma descontraída, como que em ponto morto, sempre a descer.
Jantar num restaurante indiano ao lado do hostel – a não repetir – e foi assim um belo dia.