Este foi um dia bom. Magnifico, mesmo, fugindo à perfeição apenas devido ao imenso calor que se fez sentir. Certamente o dia mais quente – ou como tal sentido por este corpinho – de todos os que foram passados na Indochina nesta época que é a do pico do calor. Mas fora esse inconveniente, foi um dia intenso, bem preenchido, em que tudo correu bem.
Tal como na véspera, tudo começou com um agradável pequeno-almoço no tranquilo terraço do hostel. Depois, foi sair e encontrar um tuk-tuk, atravessando o bairro que já sentimos como nosso. Negociar o valor da corrida foi fácil. A ideia é acertar o negócio por metade do preço inicialmente pedido. A todo o vapor para a estação, que a aventura vai-se iniciar!
Hua Lamphong. A estação ferroviária de Bangkok. Não a única, mas a que interessa, a signifcativa, a centrar. E contudo, é estranhamente pequena para uma grande metrópole. Mas, acima de tudo, é fotogénica. Tive a felicidade de chegar um bom bocado antes da partida para Ayuttahya. Comprar os bilhetes não podia ter sido mais simples. Tal como no dia da chegada, há sempre alguém a orientar os estrangeiros para alguém que fale inglês.
A espera na plataforma podia ter durado o dia inteiro que não me teria aborrecido. Observar as pessoas que por ali andam é uma entretenga sem fim. Há os funcionários, os que limpam os comboios, os maquinistas que entram e saem, os jardineiros, os barbeiros de banca montada ali mesmo, na estação. E os passageiros…. grupos escolares que partem em viagem de estudo, famílias camponesas que vieram à cidade e agora se aprestam para regressar para o seu fim de mundo, tailandeses modernos de tablet em punho, monges, figuras estranhas, crianças que me observam num acto de curiosidade recíproca.
Como tudo tem um fim, o nosso comboio apresentou-se na plataforma e embarcámos. Foi uma viagem rápida até Ayutthaya, e não especialmente pictoresca. Aí sim, iniciou-se o espectáculo. Ah! Mas esperam… afinal o que é isto de Ayutthaya? Como não sou dado a factos e a viagens repletas de datas e História, vou sintetizar, remetendo para artigos na Wikipedia e Wikitravel para mais informações: Ayutthaya era a capital do Reino do Sião, vulgo, Tailândia, antes de Bangkok. Era, até ao ano de 1767, quando a malta de Burma, actual Myanmar, decidiu entrar em força e arrasar a bonita cidade. Actualmente é uma local classificado pelo UNESCO como Património Mundial, com uma série de edíficios, sobretudo templos, em condições de preservação variável, e também uma pequena e simpática cidade tailandesa.
Geralmente visita-se Ayutthaya a partir de Bangkok. É simples ir e regressar. Há imensos comboios diários – e autocarros – que são baratos e eficientes. Mas no nosso caso o plano era outro: chegar de manhã cedo, explorar a cidade ao longo do dia e prosseguir no comboio nocturno para a fronteira com o Laos.
À chegada deparei-me com uma estação muito agradável, moderna em conceitos mas com um charme local e com todas as comodidades que um viajante possa precisar: Wi-fi gratuito, um posto de turismo, lojas em redor, casas de banho e, de importância estratégica para nós, um bengaleiro (que estranha palavra esta na nossa língua) onde por uma quantia simbólica pudemos deixar as mochilas principais (nota: está aberto 24 h por dia).
Saimos da estação. Há condutores de tuk-tuk que propõem o seu negócio e moto-táxis. Mas sabemos onde nos dirigir. A poucas centenas de metros vamos encontrar o cais do barco que faz a travessia do rio, e da outra margem podemos caminhar até aos monumentos. Quase toda a gente diz que é péssima ideia explorar os templos a pé e que é mesmo necessário contractar um tuk-tuk para as voltas. Discordo. A pé, com calma, visitam-se uma série de monumentos muito considerável. Muito bem, não todos. E será necessário ou mesmo recomendável? Creio que não. Num dia de calor infernal como este tivemos o tempo e a energia para visitar templos até ficarmos com as medidas cheias. Falhámos um ou dois que nos guias pareciam interessantes, mas fosse o clima mais simpático e nem estes teriam escapado (estávamos a apenas 2 km de um deles quando demos por terminado o passeio).
A chegada ao ferry é um momento importante nesta viagem: é o primeiro vislumbre que tenho da Ásia rural. O panorama é empolgante. No rio passam embarcações locais, há casas construídas sobre estacas, crianças brincam e nada nas águas do Chao Phraya, o mesmo rio que mais à frente se alarga enquanto passa pelo meio de Bangkok. Atravessamos, num “gasolina”, por um valor tão simbólico que nem me consigo recordar. E depois é caminhar, passar pelas ruas da moderna Ayutthaya e a impressão que fica é muito positiva. É a gente tailandesa, sorridente, bem-disposta, agradada de ver estrangeiros.
Chegamos ao primeiro templo. O bilhete aqui comprado é válido para quase todos (mas não todos) os espaços históricos da cidade (Parque Histórico de Ayutthaya). Não sei como descrever o que ali vi. Interessante, mas não espectacular. Com algum potencial fotográfico, mas não daqueles locais em que os clicks se sucedem. Muitos turistas e o calor que começa a apertar seriamente. O melhor desta primeira paragem: a cabeça da estátua de Buda, cujo corpo se encontra enterrado pelo tempo, completamente abraçada por uma árvore de Bodhi que, mais cedo ou mais tarde, a há-de engolir na totalidade.
Daqui para a frente fizemos uso do mapa recolhido na estação para ir espreitando templos. Sinto-me defraudado: uma parte significativa do Parque Histórico encontra-se encerrada, devido a obras de manutenção e renovação dos edíficios, mas, lá está, o bilhete paga-se por inteiro.
Mais à frente passamos por um grande espaço, relvado, com lagos. Homens prepararam estruturas para o que parece vir a ser uma festa ou um evento. Ai que calor! Está ali um pavilhão de jardim, tempo para descansar. Tiro o colete e a t-shirt. Estão empapados, como se tivessem acabado de sair de uma máquina de lavar roupa. As botas saltam fora também para deixar respirar os pés. Até a sombra é quente, mas mesmo assim muito melhor que caminhar sob o sol abrasador. Num outro pavilhão alguns locais dormem calmamente. E vamos embora que há mais para ver!
Aquela parte é um extenso parque, practicamente vazio, tranquilo. É bonito. Há laguinhos e pontes que atravessam canais de água, e pequenos templos modernos, altares a divindades. É uma zona de transição, que atravessamos para chegar aos próximos templos. Mais gente. Aproveitamos para comprar água fresca a um velhote simpático.
É evidente que com esta temperatura não será possível caminhar o dia todo. A energia vai-se esgotar. Mas não me sinto frustrado. Acho que vi a quantidade certa de locais históricos, fiquei com uma boa ideia do que é o complexo de monumentos de Ayutthaya, e sinto-me pronto a partir… mesmo que o comboio só passe dai a muitas horas.
Deitamo-nos um pouco à beira da água, a matar um pouco de tempo, em descontração completa. A uma centena de metros um casalzinho de namorados faz o mesmo, com a motoreta parada a seu lado.
Mais um tirada, que nos traz de volta à cidade moderna. Tenho sede e decidimos entrar num café à beira da estrada. Que magnífica ideia. Somos os únicos clientes aquela hora, e agora que lá estou dentro noto que se trata mais de um restaurante do que de um café. Mas não se podia adequar melhor às nossas necessidades. Assim que nos sentamos, uma das senhoras da casa vem ligar duas ventoinhas, para nós, que nos refrescam de imediato. Estamos numa mesa numa plataform de madeira que ladeia um lago privado do restaurante. É um autêntico oásis de tranquilidade e frescura. Em redor do lago há um jardim, repleto de plantas bem verdes e cheias de folhagem, obviamente tropicais. A Coca-Cola está geladinha. É uma espécie de paraíso. De forma que ficamos por ali aquilo que nos parece um longo período de tempo.
Caminhamos de novo, encontramos o pontão do ferry e atravessamos. O sol vai cair no horizonte muito em breve. Do outro lado, decidimos sentar um pouco num murinho, a observar o cenário. Foi um momento daqueles que ficam na memória. O céu vai escurecendo. É a noite que chega. Um pai concerta algo numa plataforma enquanto a filha, ainda pequenita, brinca na água, com uma bóia a envolver-lhe o corpo. O “gasolina” prossegue as suas travessias. De repente, um gigante surge nas águas que correm… é um rebocado que puxa um comboio de enormes batelões. São cinco ou seis, cada um deles gigantesco. Passado um bocado passa uma composição idêntica, mas por essa altura já não existe o efeito-surpresa. Ao nosso lado há um jovem tailandês que parece apreciar tanto aquele cantinho como estas almas vindas de um mundo tão distante. Parece imitar-nos: está sentado no mesmo murinho e faz também um pequeno piquenique enquanto observa o cenário.
E pronto. É de noite, vamos para a estação esperar durante umas horas. Foi um serão calmo. Comer, ler. Ler, comer. Beber. Abraçar ventoinhas. Ver. Observar tudo. Os comboios que chegam. As pessoas que entram, saem. As que vagueiam pela estação. O nosso comboio vem atrasado. Nada de grave. Chega, e encontramos a nossa carruagem. O responsável mostra-nos o compartimento. Surpresa: é privado. Um luxo, um hotel sobre rodas. Dormi que nem um anjo, a caminho do Laos.