Esta história, como todas as histórias, tem que começar em algum momento. E então inicia-se com um “Era uma vez nos Balcâs…”, decorria a Segunda Guerra Mundial. Começava-se a ver claramente quem seriam os vencedores. Naquilo que foi um dia a Jugoslávia as forças de guerrilheiros comandados pelo marechal Tito, que haveria de presidir os destinos desse defunto país durante décadas, alinhavam-se como o poder natural para o pós-guerra. E ali ao lado, na pequena mas coesa Albânia, um outro homem forte apoiado pela União Soviética preparava-se para chamar a si a liderança do seu país. Com pesadas consequências.

Enver Hoxha dificilmente poderia ter sido um chefe de Estado relativamente normal. Desde cedo deu sinais de pretender o poder até à eternidade, estabelecendo uma política de culto pessoal não muito diferente da que é ainda hoje seguida pelos norte-coreanos. Terminada a Segunda Guerra Mundial a Albânia parecia ser apenas mais um dos estados satélites governados pela União Soviética. Mas não demorou muito até o ditador deixar a sua paranóia e megalomania tomar conta da sua linha política. Afastou-se de Moscovo, manteve-se à distância do Ocidente. ATé 1977 deixou a China tocar o seu país, mas a partir de 1977 o isolamento tornou-se completo. Rapidamente a Albânia transformou-se num Estado pária, isolado, sem aliados. Hoxha e os seus olhavam em redor e viam inimigos com uma intensidade imaginária. Pressentiam uma invasão que nunca chegou, mas que sem existir deixou marcas.

Foi logo no início da década de 50 que Hoxha decidiu que tinha que proteger a sua Pátria da invasão. De qualquer invasão. Estava certo que ia acontecer, viesse do Ocidente ou do Leste. A meio dos anos sessenta ocorreu-lhe construir uma rede infindável de bunkers. A ideia era que cada albanês tivesse o seu bunker pessoal de onde, quando o imimigo atacasse, pudesse abater os soldados invasores como coelhos. O primeiro passo para a construção deste dispositivo diz desde logo muito sobre os métodos e a lógica de Hoxha: o engenheiro que propôs o primeiro modelo de bunker disse que seria capaz de suportar o peso de um tanque de guerra e logo o ditador fez questão de testar a garantia… com o engenheiro no interior do protótipo. Parece que a coisa correu bem e a construção em massa iniciou-se.

Foram 700.00. Para um país cuja população não chega aos cinco milhões. De todos os tamanhos. Houve bunkers para uma pessoa e bunkers gigantes de onde o Governo dirigiria as operações em caso de guerra. E apareceram em todo o lado: nas praias, nos campos, em cemitérios, nas cidades… até no imaculado relvado do melhor hotel de Tirana. A sua construção implicava o conceito utópico de um povo em armas. De cada albanês era esperado que combatesse até à morte no caso de invasão. Uma premissa pouco provável mas que inspirou este tremendo desperdício de recursos, que tanta falta faziam noutras áreas. Quando finalmente Hoxha morreu, em 1985, a “bunkerização” terminou. Em breve seria o próprio regime que cairia, com os ventos de mudança que sopraram quando a União Soviética começou a implodir em 1989.

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Mas os bunkers estão lá. Decadentes, obsoletos. Avistam-se a cada passo. Afinal de contas, são vinte e quatro por quilómetro quadrado. Alguns foram convertidos. Em cafés, clubes de dança, hosteis, habitações, arrecadações agrícolas. Mas haverá sempre demasiados. E desmantelá-los custa cerca de 800 Eur. Há um por cada quatro albaneses. E o mais irónico é que nunca tiveram qualquer utilidade, real ou potencial. Os bunkers foram construidos sem nexo, contra a vontade dos próprios militares. Em caso de guerra, o que seria suposto o albanês isolado no seu bunker fazer? Aguentar até quando? Com que munições? Comunicando como?

O surreal tem mais desenvolvimentos: em 2004 foram descobertas 16 toneladas do letal gás mostarda simplesmente deixadas ao abandono num destes bunkers. Sem vigilância. Como se fossem umas garrafitas de vidro esquecidas no topo de um monte depois de uma festazinha ao ar livre. Nas praias os bunkers criam remoinhos de água. Só em 2008 cinco banhistas morreram devido a este fenómeno, o que levou o exército a usar os seus tanques chineses T-59 para demolir alguns dos mais perigosos. As voltas que o mundo dá.

Continuemos com o burlesco. Até à morte de Hoxha não havia basicamente carros no país. Quer dizer, havia, mas só os oficiais, do Governo, do Partido. O que significa que o vulgar namoro dentro do carro não estava ao alcance dos albaneses. Resultado, transformar os cogumelos de betão em ninhos amorosos tornou-se uma prática comum. Como escreveu Tony Wheeler, “Albanian virginity is lost in a Hoxha bunker as often as American virginity was once lost in the back seats of cars.”

Mais um ou dois artigos sobre o assunto, a quem interessar: Paranoid Dictator’s Communist-Era Bunkers Now a National Nuissance. Ou o artigo Wikipedia Bunkers in Albania. E, claro, as crónicas de viagem pela Albânia do vosso Cruzamundos e de como ele viu em pessoa o mar de cogumelos gigantes pelos campos e pelas cidades albanesas.

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