Sobre o segundo dia em Gorée não há muito a escrever. A ilha percorre-se toda em menos de duas horas e depois fica o gosto na boca, que se saboreia vezes sem conta, palmilhando as ruelas e becos, cumprimentando-se alguém que nos sorri, atentado-se num detalhe que tinha ficado por descobrir na primeira, talvez mesmo na segunda passagem por ali.

O Março está presente, claro, e raramente se perde o contacto com o oceano envolvente. Na praia os locais deliciam-se e refrescam-se. Um homem nada nas águas com uma missão: recolher o ocasional pedaço de lixo – geralmente plástico – que aparece ali a flutuar.

Chega o ferry e observam-se os recém-chegados. É Segunda-feira, os museus estão encerrados. Esperaria um número reduzido de visitantes mas por alguma razão que me ultrapassa parecem existir ainda mais estrangeiros do que na véspera. A Casa dos Escravos abre. Também não sei porquê. É Segunda-feira, devia manter-se encerrada. Vem o almoço e mais uma Gazele na minha esplanada favorita.

O mundo continua azul. É o céu e o Março. O campo da bola está agora deserto. É a hora do calor, ninguém se esforça muito. Lá longe passam navios de grande porte. O porto de Dakar é enorme, dali seguem mercadorias por estrada para todo o país e para os vizinhos, até à Guiné-Bissau.

Trabalho um bocado, escrevo numa outra esplanada que descubro bem perto do quarto. Coloco os headphones e as palavras vão saindo ao som de Chopin, com o cheiro do Março que me tempera as narinas. Levanto a cabeça de tempos a tempos para apreciar aquela vista agradável.

Mais explorações da ilha. Descobre-se um parque público, com um campo de basquetebol. Mas está tudo vazio. Apenas um velhote tira a soneca de depois do almoço, estendido num banco. Vejo de novo uma ruiva que paira pela ilha. Deve ser uma residente estrangeira. E o posto de saúde, tão bonito, bem arranjado.

Por esta altura, para além de se ter passado um segundo dia em Gorée, já penso em lhe dedicar uma terceira noite, no regresso do norte. Tenho dias a mais para distribuir pelo Senegal, um país que me deu gosto de visitar mas que achei algo limitado, no seu tamanho, no que tem a oferecer.

De novo no “Castel”. Está calmo. Lá estão os enormes canhões e os artistas que por ali andam. Estrangeiros já não há muitos. Quase todos partiram, de volta aos seus hotéis na capital. Daquele ponto, o mais alto da ilha, tem-se uma vista sobre os telhados de Gorée e, claro, sobre o oceano imenso, observando-se Dakar ao longe.

Há um monumento bizarro, que afinal não o é, mas sim um modelo do que deveria ter sido construído na cidade, mas nunca chegou a ser. Mais um projecto inacabado, como tantos outros no Senegal.

A tarde está a chegar ao fim e o sol aproxima-se do horizonte. Vai-se deitar por detrás de Dakar, pinta já o céu de laranja, cresce, torna-se num círculo oval de grandes proporções. O momento é mágico. Aos meus pés, quase na vertical, está a mesquita da comunidade. Há homens que se dirigem com passo certo para lá, respondendo ao derradeiro chamamento deste dia que chega ao fim.

As tonalidades do mundo que me envolve mudam a cada minuto. E a noite cai. Será mais um repouso glorioso, com a mente já nas aventuras que aguardam no dia seguinte, quando me dirigir para Saint Louis, bem no norte, junto às terras da Mauritânia.

 

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