O dia começa cedo, com um pequeno-almoço apressado na cozinha dos hóspedes do Chez Eric. Ainda é de noite quando saímos, mas o dia está ai, com o céu a clarear rapidamente. O barco está no ancoradouro. Talvez tenha dormido por aqui.

A ilha fica para trás, envolvida no turbilhão de espuma que as hélices do ferry criam na água do Atlântico. Deixo aqui um pedacinho do meu coração. Penso num regresso. Não tanto ao Senegal, no seu todo, mas para rever estes pontos que se me tornaram queridos… Cap Skiring, Ilha de Gorée… e talvez Saint Louis.

No horizonte avisto a silhueta de um navio de guerra. Aproxima-se rapidamente. É uma fragata francesa que se prepara para entrar no porto. É a Germinal e, deixem-me que vos diga, está com muito mau aspecto, o casco mal tratado com ferrugem. De mim até eles há uma sem número de pequenas embarcações de pesca artesanal que desafiam o mar que está algo revolto.

Desembarcando em Dakar logo se apanha um táxi para o grande terminal rodoviário da cidade. 3.000 CFA. É dinheiro bem pago, porque a viagem ainda é longa. Uma mão cheia de quilómetros.

A “Garage” chama-se Beaux Maraichers e veio substituir há relativamente pouco tempo a anterior gare, a Routieres de Pompiers. E que diferença! Pelo que li, a anterior era um caos enquanto a nova é a única que conheci no Senegal onde se tem uma experiência descontraída.

Não é nada complicado encontrar o local da partida dos sept place para Saint Louis. Mesmo que não tivesse descoberto sozinho, olhando em redor, vendo uma zona para este tipo de carros e depois lendo as placas, há sempre alguém que nos indica os pontos de partida que procuramos.

São 5.000 CFA. Mais 500 CFA para a bagagem. Deixo ir o primeiro carro porque os lugares disponíveis, os de trás, são de evitar. A viagem é longa e ali vai-se bem apertado. É desconfortável e ninguém gosta deles. É normal as pessoas esperarem mais um pouco para assegurar um melhor assento.

Esta é uma ligação fluente, com muita gente a fazer a viagem, e não demora muito até ao carro partir.

A primeira parte da viagem, entre Dakar e Thiés, é aborrecida, com muito trânsito. Fica a nota dos macacos que foram avistados já quase a chegar a esta que é a segunda maior cidade do país.

Dali para a frente as coisa melhoram bastante. O piso nunca é bom, mas também não é nada de dramático. Passamos por povoações, cada vez mais distanciadas. Há sempre muito a ver. São cinco horas que passam num instante. Claro que ao chegar já existe uma certa saturação, mas se pensar no que são cinco horas num avião… não tem nada a ver. A animação faz o tempo correr mais depressa.

Como tantas vezes acontece, estes percursos não são um tempo morto que será usado para vencer uma distância. Fazem parte da experiência. Há as paragens impostas pela polícia, e desta vez, numa delas, o nosso condutor passa por apuros. Demora um bom bocado, a negociar com o agente. Os passageiros esperam pacientemente dentro da viatura. Quando ele regressa, não se troca uma palavra. Business as usual. Ninguém lhe pergunta o que se passou nem se ouve um desabafo do condutor. Simplesmente retomamos a marcha.

A cada paragem,  uma trupe de senhoras acorrem, propondo os seus produtos, mãos repletas de tangerinas, amendoins, sacos de água, mercadorias que nos roçam o nariz, de tão perto que chegam.

Vamos chegando a Saint Louis. A “garage” é pequena mas suficientemente caótica. Os meninos das latas, pedintes infantis que estão entregues à guarda de um mentor religioso – o marabú – cercam-nos, pouco insistentes. Vai um táxi a sair, faço sinal. Depois de uma breve discussão de preço, é sem problemas, 2.000 CFA para a ponta da ilha de Saint Louis. Os condutores de táxi aqui não são um problema. As taxas são conhecidas e respeitadas. Para uma corrida normal, na cidade, 1.000 CFA. Algo mais longe, como a estação rodoviária, 2.000 CFA.

O quarto que aluguei através do AirBnB é excelente. Podia estar mais bem localizado, fica um pouco distante do centro. Não muito. Cerca de um quilómetro, uns 10 minutos a andar. Mas tem as suas vantagens… tenho uma enorme varanda, tranquila e serena, debruçada sobre a água. É um oásis de calmaria e foi de facto um quarto muito apreciado.

Wi-Fi, Ar Condicionado opcional que nesta altura do ano não faz falta, duche de água quente e muito espaço. Boa escolha. Parabéns Ricardo. Por falar em “parabéns”. É amanha. A sério. Faço anos amanhã. Escolhi Saint Louis para comemorar o meu aniversário de 2017, a segunda vez na minha vida, depois de Praia, Cabo Verde, em 2015.

A tarde já vai avançada. É altura para descansar um pouco, apenas um pouco, e sair para explorar.

Lá fora está ainda calor. É um passeio agradável, olhos muito abertos, até ao centro. Saint Louis, considerado Património Mundial da Humanidade pela UNESCO, é uma cidade de facto bem interessante.

A cidade é pacata. Claro que tem pontos mais agitados, mas de uma forma geral o ritmo é calmo. A ilha de Saint Louis é o seu núcleo histórico, sendo completamente urbanizada, com planta geométrica. Foi capital da colónia francesa da África Ocidental, depois apenas do Senegal e da Mauritânia, chegou-o a ser apenas deste último território. Bem, não vou escrever sobre Saint Louis. Para isso existem já excelentes artigos na Wikipedia e na Wikitravel. Este diário é mais focado na minha experiência pessoal e assim, vou falar da grua que se encontra junto à agua, um testemunho raro da antiga actividade portuária de Saint Louis. Fora esta peça, apenas as cabeças de amarração se mantêm a postos. Tudo o resto desapareceu, à medida que os edifícios, antigos armazéns e escritórios, se transformavam em outras coisas, depois de caírem durante algum tempo na ruína.

Adoro as ruas de Saint Louis. As suas casas negligenciadas sem se tornarem pedaços de cidade abandonados, os detalhes que espreitam a cada palmo, a vida genuína que ali palpita. É verdade que há bastante turismo, mas como em alguns outros locais, encontrou-se um balanço entre o afluxo de visitantes e a realidade da cidade. Vivem lado a lado, como devia ser sempre.

Andámos por ali a ver. Até que chegámos ao centro, encontrámos a ponte que atravessa para uma das aldeias de pescadores que existem na faixa de terra a ocidente da ilha e fomos ver. Ali encontrámos uma velha raposa, um pescador reformado que como quem não quer a coisa vai guiando os turistas que encontra e depois lá pede qualquer coisa no final. Uma boa simbiose, mas que eu gostaria que fosse assumida desde o início.

Entre francês, inglês e sei lá que mais, fomos conversando. Aprendi algumas coisas interessantes, ali, com o velho pescador. Era um homem com alguma cultura. Falou-me dos estragos que o mar revolto infligiu ao bairro, às casas da primeira linha, parcialmente devoradas pela água há um par de anos.

Levou-nos pelas ruas do bairro, por vielas onde, reconheço, era capaz de não me ter aventurado sem a sua companhia. As pessoas ali são muito pobres, mas não há maus olhares, não há “fauna estranha”. É totalmente seguro.

Caminhámos pela rua central, que é um Carnaval para os sentidos. Há tanto para ver! Gentes, lojas, casas. Meninos que brincam, animais que devassam o lixo. Mas para as condições o bairro está até bastante limpo. Imagino que vai tudo para o mar. O nosso guia fala às pessoas, aqui e acolá. Usa um daqueles robes brancos, compridos, e tem um chapéu redondo, verde, tradicional, e quando fala vê-se que tem apenas um dente, na frente.

Vai-nos mostrar o estranho caso do pelicano que adoptou uma cabra. Parece que a ave chegou ali ainda criança e cresceu com aquela cabra. Agora, ai do humano que se aproximar da amiga caprina. O pelicano está solto, livre para partir para onde desejar, mas prefere manter-se ali, no meio das pessoas, com a sua querida cabra, a sua família. Lá está ele, e responde ferozmente à provocação do nosso guia. Quem passa junto a ele não lhe tira os olhos de cima. Aquele bico não é para brincadeiras.

Perguntamos onde é que os barcos chegam para descarregar o pescado e qual é a melhor hora para ver essa actividade. Ah! É ali à frente e a hora é… agora! Antes do pôr-do-sol. Vamos, depressa!

Com passo rápido seguimos o rápido pescador e chegamos. É fabuloso. A praia está cheia de mulheres de vestidos de cores garridas, que aguardam a chegada das pirogas que vêm da faina. Quando uma embarcação chega, é rodeada de gente em busca do melhor peixe e do melhor negócio. Fazem-se leilões. Há correrias. Passam pescadores com cabazes de peixe à cabeça. É o dia a dia daquela gente, o seu ganha-pão, o centro de toda a vida da aldeia.

O sol está quase a deitar-se, a luz ganha tonalidades fantásticas. É de facto um cenário único, um momento alto em qualquer viagem. Ficamos por ali, ainda à conversa, apesar de eu estar mais concentrado no que estou a ver e na melhor forma de o capturar com a câmara. Ficam algumas dessas imagens.

 

Estava terminada esta fase do dia. Agora caminhamos de regresso ao centro, com ele. Pede-nos para esperar um pouco enquanto cumpre as obrigações religiosas desta hora. Já sei que vem aí um pedido, aguardo com curiosidade como vai aparecer e em que consistirá. É na hora da despedida. Se é possível dar 3.000 CFA para comprar café, açucar e leite. Sim, OK. Fica sempre aquela desilusão do momento que deixou de ser espontâneo para se tornar em negócio, mas é mais do que justo.

Vamos à mercearia do bairro comprar as coisas, mas está fechada. É tarde. Vamos então ao centro, passando por um liceu que ele nos diz ser o primeiro em toda a África Ocidental. Chegamos ao supermercado. O nosso amigo vai buscar as suas coisinhas, mas só um pacote de café são 1.500 CFA. E vem com os braços cheios de produtos. Assim não. Não. Não. Fica triste, amuado, mas não. 3.000 CFA serão. “Bem, então prefiro do dinheiro, compro depois lá do outro lado que é mais barato”. OK. Ficamos assim.

Aproveitamos estar ali para comprar algumas coisas para nós. Comemos numa pastelaria-restaurante que será um pouso habitual nos dias de Saint Louis. E depois, mas calmas, é caminhar para casa. Foi um bom dia.

 

 

 

 

 

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui