Dia 28 de Janeiro de 2012, Terça-feira

Este dia foi completamente atípico. Quando acordei na tranquilidade da quinta de Gonzabal estava muito longe de imaginar as aventuras que se sucederiam. Lá fora havia algum céu azul, uma dádiva nestes tempos do Equador que se fizeram chuvosos e cinzentões. Depois, o horizonte foi-se cobrindo de nuvens, mesmo assim sem sinais de tempestade.

Com muita preguiça foi tomado o pequeno-almoço, de novo feito apenas com ingredientes produzidos na propriedade. O plano ainda não estava definido. E assim ficou até ao último momento.

A manhã foi calma e pausada. Revisitámos a capela da quinta e a casa antiga, que fomos encontrar ainda abertas desde que os cadeados foram removidos para que pudéssemos ver os interiores, na véspera.

Aproximava-se o final da manhã e a hora em que se exigia uma decisão: ficar mais um dia ou não? Quase por moeda ao ar foi decidido que não. Então procurei a caseira, acertámos as contas, paguei e, depois de um olhar de despedida aquele lugar onde fui tão feliz, seguimos viagem.

Várias pessoas nos tinham dito que não seria necessário subir a estrada até onde passam os autocarros, porque duas vezes por dia havia uma outra rota que passava mesmo ali à porta. Pois então fomo-nos colocar ali. Estava calor. Um escorpião atravessava descontraída o estradão. Tínhamos ido antes de tempo, não fosse o autocarro passar adiantado. Chegou a hora. Passou a hora. O relógio avançava e nada. Mais meia-hora. Mais uma hora. Por esta altura ficou claro que não faria sentido continuar à espera, era tempo de activar o plano B, apanhar um autocarro da carreira que tínhamos usado ao vir.

Um pouco desconfortável, porque ainda eram umas boas centenas de metros, a subida era íngreme e sempre estávamos em altitude. Mas tinha de ser e assim foi.


Ao chegar à estrada, digamos, a uns 200 metros, a frustração: um autocarro passava alegremente lá em cima, rumo a Loja. Sem nós a bordo. Agora seria esperar uma hora. Ou isso pensava eu.

Lá me instalei na paragem, que ali tinha de facto um abrigo em alvenaria com um longo banco. De vez em quando passava uma viatura, para um lado ou para o outro. Mais uma vez o relógio avançava para a hora em que passaria o próximo transporte. E mais uma vez alcançou-a e ultrapassou-a, como se nada fosse. A cena repetia-se!

De repente apercebo-me que algo está errado: desde há um bom bocado não há trânsito nenhum a vir daquele lado. Tudo passa mas para lá. Começa-me a parecer evidente que há um problema sério que bloqueia a estrada.

Na paragem, à espera

Contacto a proprietária da casa. Pode ser que consiga alguma informação. E é isso: as chuvas causaram um deslizamento de terras e a estrada ficou interrompida. Só de pensar que perdemos um autocarro e agora…

Passa uma carrinha dos bombeiros. Uma ambulância. A coisa deve estar feia. A senhora da quinta disse-me que está à espera de um fornecedor e que podemos apanhar uma boleia dele, mas quem sabe quando chegará….

Desisto de estar ali à espera, começo a caminhar de volta à quinta. Depois de me afastar uns duzentos metros vejo, ou ouço, ou intuo, um autocarro a chegar. Grande sprint, chego a tempo, arfante. Já não tenho idade para estas coisas.

Agora está tudo bem, num instante estaremos em Loja. Será?

Primeiro a viagem decorre normalmente. Ainda estou a recuperar do esforço, vamos rolando a boa velocidade. Passamos umas zonas enlameadas, o autocarro patina um pouco mas segue sem problema.

Umas paragens para recolher e largar passageiros, umas passagens mais exigentes, mas o condutor parece ter boa técnica. Já não falta muito para chegar ao asfalto e depois nada nos deterá.

Paramos. Há um burburinho que percorre o autocarro. A estrada está fechada. E agora? Algo se vai passar, o autocarro inverte, entre por uma aldeia. No GPS vejo o que ele se prepara para fazer, mas não imagino o que aí vem. De facto existe ali uma alternativa.

Essa alternativa ainda hoje me parece puro suicídio. Um suicídio falhado, porque conseguimos chegar a Loja. Vamos fazer quilómetros e quilómetros por uma estrada de terra batida transformada num mar de lama em zona montanhosa com descidas e subidas íngremes e, para melhorar as coisas, tão estreita que em alguns pontos o autocarro não cabe e arrasta vegetação de um lado e de outro.

Por vezes as rodas patinam, o autocarro desliza às arrecuas, antes do condutor tentar uma abordagem diferente. Um após outro os obstáculos são vencidos. Na América do Sul sabes quando deves ter medo quando os locais, que usam estes autocarros todos os dias, estão inquietos e começam a rezar.

Dá para ver a estradinha?

A minha adrenalina está a ser bombada. O coração bate mais depressa. E se algo corre mal? Sinceramente não é tanto o medo de um acidente mas de ficar ali preso, nem para trás nem para a frente, sem saber quando se poderá prosseguir. Nada de verdadeiramente dramático, portanto.

Entretanto a distância ao asfalto vai-se encurtando. Passam outras viaturas por nós, como que por milagre, inventando espaços que pareciam não existir.

E de repente estamos em piso sólido. O desejado asfalto! Dos momentos mais marados destes anos de viagem.

Chegados a Loja saímos todos. O condutor já está lá fora, a conversar com conhecidos como se nada fosse. E nem sequer está a falar da situação!

Lá está ele, de camisa branca. E o autocarro todo-o-terreno.

Agora é procurar transporte para Zamora, o que a bem dizer não foi nada complicado. A estação de autocarros de Loja é bem organizada e logo estávamos a caminho. A estada é um bocado infernal, não pelo piso mas por ser muito sinuosa.Felizmente são só 30 km.

Em Zamora é caminhar até ao pequeno hotel reservado. Muito mauzinho. Barulho e uma barata debaixo da almofada.

Zamora é uma cidade algo estranha, de ruas paralelas, com muito comércio, mesmo aquela hora um pouco tardia. Mas não é pela localidade que ali estamos, mas por ser a base natural para visitar o Parque Natural que existe próximo. Será o programa para o dia seguinte.

Ao serão vamos já procurando um alojamento para mudar. Encontramos uma casa de gelados e um local que parece ser bom para comer.

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