A ideia de ir até Babile surgiu durante a preparação da viagem. Vinha referida no Bradt Ethiopia e pareceu-me interessante e exequível. Para ajudar, conheci dois rapazes no Winta Hotel que eram de lá e me deram todas as informações… onde apanhar o transporte, quanto custaria o serviço, a que horas regressar, onde encontrar as coisas interessantes por lá. Armado com esse conhecimento apanhámos um tuc tuc depois de mais um delicioso pequeno-almoço e seguimos para a estação de transportes rodoviários de Harare.

O caos era imenso. Logo os moços que ganham comissão pelos passageiros angariados nos rodearam, num bailado complexo, de perguntas e gritos… e confusão. Adorariam ter-nos metido numa carrinha que estava a sair, cheia à pinha. Mas não. Nem eu sou assim tão parvo. Para a próxima. Esperámos. Um excelente local para observar. Recuei um pouco, para uma posição bem marginal, onde me confundia com o ambiente e poucas pessoas davam pela presença do faranji, como aqui chamam aos estrangeiros, uma evolução do termo “francos”, que se generalizou até abranger qualquer forasteiro.

O tempo passava, o ambiente era curioso mas de facto já me estava a fazer comichão não arrancar para Babile. E lá estávamos, super-discretos, quando um homem nos vem chamar. Transporte para Babile, no exterior, agora! E fomos. Não poderia ter sido melhor… uma carrinha impecável, nova, lugares da frente para os faranji e um condutor que não parecia etíope, responsável, digno, educado e já com uma certa idade.

De tal forma que ainda tentei perceber se ele regressaria a Harare mais tarde, porque de facto gostaria de voltar com ele, mas não consegui a comunicação necessária.

A viagem fez-se bem, com boa velocidade mas sem exageros, marcha travada aqui e ali por manadas de vacas pastoreadas que bloqueavam a via, mas logo chegámos. São 30 km. Perguntámos onde era o mercado de camelos e apontaram vagamente numa direcção. De qualquer forma, tinha a informação no GPS e lá fomos. Primeiro pela estrada que atravessa a aldeia, depois por ruas asfaltadas, de seguida por uma via de terra batida, e depois por uma autêntica picada. Mas descobriu-se o mercado onde com alguma decepção não vi um só camelo. Um mercado de camelos sem camelos.

Pelo que entendi da tentativa de conversa, eu sei lá em que língua, que tive com um homem, os camelos estiveram no mercado, sim, mas vêm muito cedo e regressam cedo porque no mesmo dia voltam à Somália, a 140 km dali.

Valeu mesmo assim a pena. O mercado é pitoresco, cheio de cor e de animação, uma zona para as vacas, uma para burros e outra para cabras. Muita gente me fitava, com muita curiosidade, alguns homens tentaram conversar um pouco, mas a barreira linguística não deu para grandes trocas de ideias. Encostei-me a um muro, passando despercebido a quase toda a gente, excepto aos que passavam mais próximos. Deu para alguns bons disparos.

E depois iniciámos o regresso. Não vimos assim nada de especial em Babile, mas o passeio foi bem sucedido. De regresso à estrada principal não foi complicado encontrar um transporte para Harare. Mais difícil foi iniciar de facto a viagem. Primeiro espera-se, depois dá-se umas voltas à espera de mais passageiros. E mais uma volta. Para trás e para a frente.

Quando por fim a carrinha começou a rolar de forma mais decidida, pensei que iríamos a caminho, mas não. Fomos, isso sim, carregar mercadoria. Negociações, discussões, debate. Mais para aí uns 20 minutos à espera. O calor começava a apertar no interior da viatura. De tal forma estavam as coisas que eu, que não sou nada destas coisas, disse ao condutor, quer dizer, passei a ideia por gestos, que já chegava. O homem lá se desculpou e a verdade é que não demorou muito mais até iniciarmos o caminho de regresso a Harare.

Era hora de ponta. Ou se calhar é-o sempre, pelo menos ali em redor da estação rodoviária. Muita gente. Ainda era cedo para ir para casa e assim fomos rever o centro da cidade. Algumas ruas repetidas para matar tempo. Andámos à procura das homestay que tinha visto recomendadas e em que tinha considerado tentar ficar alojado, mas não encontrámos. Andámos lá perto, estou certo, mas nada de homestay.

Acabámos por ir beber outro batido ao local da véspera. E tudo isto a fazer tempo para que o dia chegasse ao fim e fossemos procurar os encantadores de hienas, personagens típicos de Harare. Estes homens actuam junto às portas da cidade, chamando até si as hienas que habitam nas imediações, que alimentam no meio de rituais misteriosos. Tinha hesitado um bom bocado entre procurar assistir ou não. Senti a coisa um bocado para turista ver. Mas no fim não resisti à tentação de algo tão único.

Não sabia exactamente onde procurar. Segui um ponto que estava marcado no meu GPS, mas ao chegar lá não vi nada de diferente. Era apenas uma rua à saída da cidade antiga. Um grupo de mulheres passou por ali, em grande festa, com as suas roupas coloridas de sempre. Em inglês muito atravessado deram instruções. Era evidente que sabiam ao que íamos e que nos indicaram o que fazer… agora, perceber o que disseram é que estava pior.

Depois outra pessoa fez mais uns gestos. Parece que era ali mesmo e que seria uma questão de esperar. Passado um bocado apareceu um tipo com um inglês muito razoável que nos disse claramente para esperar ali. E afinal ele fazia parte do grupo de encantadores de hienas. Seguimos a indicação. Passou-se o tempo, caiu a noite, a escuridão tornou-se total.

E chegou um casal de turistas. E mais um carro com outros estrangeiros. Decididamente era ali. Finalmente chegaram os “artistas”. Com um balde de carne iniciaram os chamamentos e da escuridão emergiu um daqueles animais. Andou por ali um bocado, foi alimentado. Depois veio outro. Bicho turista também chegava.

Um dos ajudantes passou a cobrar o dinheiro esperado para assistir.  USD 3 por pessoa, acho. Um francês arrogante não queria pagar e não sei o que lhe aconteceu… foi andando, mas na direcção oposta da cidade, e durante o tempo que ali estivemos não apareceu mais.

As hienas eram agora mais, e o encantador era outro, claramente mais experiente, mais sabedor. Alguns dos estrangeiros ofereceram-se, ou pediram, para alimentar também eles os animais. Foi uma experiência de facto diferente, e acabou por ser melhor do que esperava e muito melhor do que os momentos iniciais, quando apenas uma nervosa e tímida hiena se deixava ver.

Terminada a sessão, enquanto os outros turistas se metiam nos seus bonitos carros, caminhámos pelas trevas, sem qualquer luz, de regresso às portas de acesso à cidade, atravessando o centro histórico e apanhando um tuc tuc do outro lado.

Mais uma bela refeição do Daniel esperava por nós. Foi um dia em grande!

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui