Um dia bem preenchido em Medina. Pela manhã, ainda fresco, apanho um Uber para o centro, mais exactamente para a base do serviço de autocarro turístico hop on hop off. Normalmente não seria algo que fizesse, mas em Medina é bastante conveniente, pois os pontos de interesse são distantes entre si e o bilhete é acessível e válido para 24 horas.
Bilhete comprado, embarco no autocarro que se apresta para sair, subindo ao piso de cima. Está um belo dia de sol e a esta hora a temperatura é agradável. Está-se bem.
A viatura vai seguindo e o vendo refresca-me ainda mais. Primeiro, uma voltinha pelo centro, que em Medina é puramente religioso, local de peregrinação e veneração. O audioguide debita informações sobre o que vou vendo.
Afastamo-nos do centro. Vejo uma cidade mais limpa e organizada, geralmente agradável. Uma outra face do país.
A primeira paragem do circuito é o campo de batalha de Uhud, um local de grande importância para o Islão. Hesito por um segundo e desco do autocarro. Vou explorar.
A batalha teve lugar em 625 no sopé do monte Uhud, opondo os muçulmanos de Medina ao exército de Meca, nessa altura ainda por converter. Tornou-se na primeira e única derrota dos muçulmanos, segundo parece causada pela ganância de um grupo de arqueiros que abandonaram a sua posição antecipadamente para saquear os corpos de inimigos tombados.
Há um ambiente místico por ali. Uma multidão de muçulmanos vindos de todas as partes do mundo acorrem ao campo de batalha de Uhud. É como um festival etnográfico, onde os participantes representam os mais diversos grupos etnográficos, vestindo cores garridas ou cerrado negro, falando árabe, inglês ou bahasa (língua da Indonésia, o mais populoso país muçulmano do mundo).
Sente-se uma harmonia, um espírito de união entre estes irmãos muçulmanos. E no meio daquilo tudo, eu, passando totalmente despercebido.
Ando por ali um bocado a ver, subo ao alto do pequeno morro onde os arqueiros deviam ter permanecido. Espreito o cemitério, fechado, observado por uma multidão através das grades que o protegem.
Decido partir na hora certa. Ainda a uma boa distância vejo o autocarro vermelho que me há-de levar dali e corro para o apanhar, mas não seria necessário, ainda ficará na paragem uns largos minutos.
Seguem-se paragens numa área comercial e num centro comercial. E depois mais uma paragem junto a uma grande mesquita e de repente tenho o condutor a mandar-me sair e de facto reparo que estou sozinho no autocarro. Não percebo o que se passa, ele só fala árabe. Por gestos manda-me ir comer. Sei lá, OK, saio, hei-de me arranjar.
Penso que a paragem forçada foi para rezar, o que me confunde… será que todos os autocarros deste tipo param todas aquelas vezes por dia para que toda a gente reze? Se calhar…..
Bem, estamos no pico do calor, arrasto-me por ali, visito o exterior da mesquita, vejo os crentes que se dirigem para ela. Procuro a paragem do hop on hop off, que não parece ser o ponto onde fui deixado. Mas é. De forma improvisada. A paragem foi mudada. E de facto quando me aproximo vejo o condutor que se aprestar a reabrir a porta.
A seguir, uma decepção. Queria visitar o museu da linha de caminhos-de-ferro Hejaz, um projecto grandioso desenvolvido pelos Otomanos, que ligou Damasco a Medina. Mas o autocarro depois de muitas voltas dirige-se para o ponto de partida. É o fim do passeio.
Na realidade pensava regressar a pé ao hotel desde a Estação-Museu, não seria longe. Mas assim não dá.
Passeio agora pelo coração de Medina, o núcleo da peregrinação. Como um kebab sentado no chão, empurrado com um excelente e caro sumo de manga. O turismo religioso parece ser uma excelente fonte de rendimento. Abunda o comércio, abundam os clientes e os preços são altos. Há lojas de souvenirs, restaurantes, mercearias, lojas de tâmaras.
Ando por ali um pouco, sobretudo observando as pessoas. Tal como no Campo de Batalha a multidão tem muito para oferecer para quem gosto de reparar nestas coisas. As roupas, os traços fisionómicos das gentes.
Decido recolher-me ao hotel para descansar. Está calor e tem sido um dia intenso. Chamo um Uber, que tem dificuldades em chegar até mim, mas lá vou. Em vez de seguir logo para o hotel quero ainda espreitar a estação de caminhos de ferro. Está encerrada. Não se pode visitar. Um pai e um filho estáo ali sentados com o mesmo problema. Está calor. Tiro algumas fotos e sigo a pé para o hotel, que não é longe.
No hotel tento renovar a minha estadia por mais duas noites. Tenho dias disponíveis no meu plano, gosto bastante do alojamento e Medina é uma cidade muito agradável e sem complicações.
O recepcionista não fala inglês. Entemdemo-nos com Google Translate. Paguei cerca de 40 Euros pela primeira noite mas vejo no Booking que o preço normal é literalmente o dobro. Pergunto se posso ficar duas noites pelo mesmo valor que anteriormente paguei e faço-o sem grande esperança. O hotel parece estar quase lotado e afinal ninguém gosta de perder dinheiro.
O tipo telefona a alguém, gerente ou proprietário, talvez ao homem simpático com que conversei quando cheguei e sim, recebe luz verde. Estou satisfeito, fiz um excelente negócio.
Ao fim da tarde saio e desta vez vou a pé. A primeira paragem é a estação de caminhos de ferro, quem sabe a encontre agora aberta. Mas não. Ainda encerrada. Será por o rei ter decretado para hoje um feriado nacional, depois de a Arábia Saudita ter vencido a Argentina no seu primeiro jogo no Mundial do Qatar?
Ao contrário do que acontecia a meio da tarde, agora anda por ali muita gente. Um grupo de três emigrantes paquistaneses vem falar comigo, pede-me para lhes tirar fotografias. Há grupos de mulheres sentadas no chão, sobre tapetes, conversando. A iluminação do edifício é chamativa. Aliás, tinha reparado nela na véspera, quando chegava à cidade.
Prossigo a pé para o centro. Como sempre, a esta hora há muito mais gente nas ruas. Quando chego o sol está-se a pôr e há o chamamento para a oração. Um jovem que caminha para a mesquita pede-me que lhe tire uma foto. Mostro-lha e fica entusiasmado, muito sorridente.
Decido ir ao shopping onde passei no autocarro de manhã. Quero comprar um power bank, porque estou em constante sobressalto com este telemóvel. E de facto é uma ferramente essencial, pelos mapas e para chamar Ubers.
Espero pelo hop on hop off. Note-se que o bilhete é de 24 horas por isso posso usar o serviço até amanhã de manhã. Espero um bom bocado. Chegam mais pessoas à paragem. Entretanto acabou a oração e o fluxo de gente é inverso, de dentro para fora.
Por fim vem a viatura. Sigo nas calmas, passando pelos locais que conheci de manhã. No shopping – um shopping de luxo, ao nível do melhor do Dubai – mulheres cobertas de negro são o elemento dominante da multidão. Fazem as suas compras em lojas Louis Vuitton e Chanel. À porta de uma loja de lingerie provocadora um cartaz anuncia: “Loja só para famílias”. Ou seja, homem só entra com mulher.
Encontro a secção de power banks no supermercado – não há nenhuma loja de artigos de electrónica – mas não me consigo decidir. Muito tolo. Fui ali para nada.
Regresso. Espero um longo tempo pelo transporte e volto para o centro e de lá, a pé, para o hotel. Muito quilómetro andei eu neste dia!
Antes de dormir visito o restaurante económico paquistanês que já tinha experimentado na véspera. O boss na caixa sorri ao ver-me. Peço o mesmo. Não se mexe em quipa vencedora. Está delicioso e hoje pago ainda menos. O tipo insiste-me em cobrar-me metade do preço. Por uma terrina cheia de frango e um molho delicioso, pão quentinho à discrição, uma Pepsi, pago cerca de 4 Euros.
Regresso ao conforto do hotel para uma boa noite de sono.