Este é o último dia em Cabo Verde. Uma realidade brutal que me custa a aceitar. Apaixonei-me incondicionalmente por este país e por este povo durante estas duas últimas semanas. Mesmo depois do incidente da véspera, que não consegui ensombrara viagem. Deixou apenas uma sensação estranha, especialmente no dia em que sucedeu e que, hoje, já se dissipava. Sentir-me bem logo no dia seguinte diz muito sobre a ligação que estabeleci com Cabo Verde. Em condições normais, sendo eu a pessoa que sou, era caso para andar em baixo durante dias a fio. Mas aqui não.

O dia lá fora estava excelente. É pena. Gosto de um dia bem bera, desagradável, quando parto de um sítio que amo. Para tornar as coisas mais fáceis, a despedida menos penosa. Mas não foi assim na Praia. Esta cidade que sinto como um lar. Então depois de um despertar vagaroso, com aquela sensação de que apesar de serem as últimas horas não há nada de premente para fazer, fui até lá fora. Há aquela sensação estranha, de que cada coisa que vemos, será vista provavelmente pela última vez. Uma despedida constante, a cada passo, a cada olhar. Mas não, que diabo estou para aqui a dizer. Cabo Verde é para voltar. Para revisitar. Mais do que uma vez até. Por isso, todas estas despedidas são temporárias, são um grande “até breve”.

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Andei pelas ruas do plateau. A primeira coisa que fiz foi comer um gelado semi-frio, comprado naquele local improvável que se poderia descrever à moda antiga como uma retrosaria. A senhora pediu-me desculpa mas estava a chegar e a máquina de gelados precisava de um bocado para os servir. Deu-me um banquinho e fiquei sentado à porta, na rua, com um olho no mostrador da máquina e outro nas andanças matinais da cidade. Acabei por ganhar uma porção extra como bónus pela paciência.

Sentei-me um pouco na esplanada do Café Sofia, só para ver aquela gente de novo, antes de partir. Bebi uma cerveja. Não conseguia uma ligação de jeito à Wi-Fi deles e decidi mudar-me para a praça, talvez a Internet pública estivesse melhor. E estava. Experimentei pela primeira vez o café esplanada moderno que ali se encontra. Foi um momento bom. Tinha comigo os postais comprados em Santo Antão para enviar a amigos. Pedi uma esferográfica emprestada ao empregado de mesa, acabei o que tinha que acabar, colei os selos. Sabia onde ficavam os correios, numa rua ali mesmo perto.

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Foi só chegar e entregar os postais. Agora ia vaguear um pouco mais pela cidade. Passei junto ao padrão (ver foto de topo) onde pela primeira vez não se encontrava um militar de serviço – existem diversos edifícios sensíveis ali em redor – e pude tirar uma fotografia à vontade. Descobri o antigo cinema que imagino remontar aos tempos da Praia colonial. Agora, quando as pessoas querem ver um filme, vão ao Praia Shopping lá para os lados do Palmarejo.

Deu-me fome e sem pensar nisso fiz algo que tem sido recorrente nas minhas viagens: acabá-la como começou. De facto faziam duas semanas que tinha chegado à Praia. E tal como nesse dia que agora me parecia remoto, fui passear pelo Plateau e almocei nesta mesma esplanada, na rua pedestre do bairro histórico. Para melhorar ainda mais as pessoas, encontrei o cabo-verdiano que tinha conhecido nesse primeiro dia. Foi um belo almoço. Por esta altura tinha dinheiro local a mais, uma surpresa inesperada, e decidi afogar as mágoas passageiras sofridas na véspera com um desprendimento material por um dia. Por um dia apenas seria rei, gastaria aqui e acolá sem pensar em contas.

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Senti-me feliz. Triste e feliz ao mesmo tempo. Triste por estar de partida, feliz por estar ali e por ter vivido estas duas últimas semanas. Do assalto da véspera, apenas uma ligeira memória desconfortável. E pronto… não há muito mais a dizer. Ainda pensei em dar um salto à Cidade Velha. Tinha tempo, à vontade. Mas… não… seria a quarta vez em quinze dias, simplesmente deixei-me estar. Decidi-me por uma despedida mesmo muito pachorrenta. De passo arrastado, andei por ali. Entrei na igreja, só para ver. Mais umas ruas revisitadas e fui andando para casa.

Depois, ao fim da tarde, fui ver mais um jogo de futebol ao Celebridades. Mais um jogo com resultado desfavorável. No plano desportivo – tal como tinha sucedido há um par de anos em São Tomé – África não trouxe sorte. Mas foi um serão agradável, o Jójó – o proprietário – sentou-se um bocado à mesa, conversámos sobre o assalto. A Sueli apareceu também, bebemos mais uma cerveja juntos. E depois, ao fim do serão, apanhei um táxi e fui para o aeroporto. Acabou.

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