Este foi um dia bem preenchido, como o foram todos os que foram passados na Tunísia ao longo desta semana e meia. Afinal, com tão pouco tempo disponível para visitar o país era necessário aproveitar cada momento.
Começou com uma segunda noite muito bem dormida no confortável quarto posto à nossa disposição pelo hospitaleiro anfitrião Couchsurfing em Tunis. O pequeno-almoço tinha ficado combinado que seria dispensado. Já estamos no Ramadão por isso para eles não seria suposto ser tomado, pelo menos aquelas horas. É verdade que ela, estando grávida, tem isenção da observância do jejum. Mas de qualquer forma, para ser honesto, já estava a comer demais, porque a generosidade daquelas pessoas fazia com que a mesa estivesse coberta de comida a cada refeição. E além disso, era preciso fazer render a manhã, já que à tarde estaríamos a caminho de Sousse.
Saímos mais ou menos à hora combinada. Desta vez ela viria connosco, ao contrário do que tinha sucedido na véspera. De carro, para Cartago. Sim, as ruínas da antiga cidade de Cartago, essa entidade política que ousou desafiar a toda poderosa Roma, pagando seriamente por isso. As Guerras Púnicas resultaram na destruição total de Cartago e inscreveram o verbo Punir no nosso dicionário. Assim como Punição, claro.
A primeira paragem foi no complexo principal da cidade. Mas o bilhete obtido franqueia a entrada numa série de outros locais de Cartago, ali próximos, como é o caso do coliseu.
Para dizer a verdade não estava especialmente interessado em ver isto. Não sou muito dado a vestígios arqueológicos e pelo que tinha investigado online o que resta da cidade de Cartago é especialmente desinteressante (para mim, claro). Mas por outro lado sou um colecionador nato, e este complexo faz parte da lista UNESCO World Heritage Sites. Além disso os anfitriões faziam questão, logo, havia que fazer a visita, quanto mais não fosse pelo momento social.
E foi de facto agradável e acabei por ver coisas que me surpreenderam pela positiva. De facto o site central não é de todo interessante, mas o coliseu e um outro local cujo nome não captei foram muito mais cativantes.
O Wifek fez uma gestão competente do tempo disponível, mantendo em mente que tínhamos um comboio para apanhar às 14:00. Visitámos quatro locais da rede de sítios arqueológicos de Cartago e depois fomos até Sidi Bou Said.
Trata-se de uma pictoresca localidade nos arredores de Tunis, quase encostada a Cartago. Originalmente uma comunidade de pescadores, celebrizou-se nos meios intelectuais franceses no início do século XX, tornando-se um local muito procurado por artistas e pensadores que transformaram a aldeia dando-lhe um carácter muito especial.
Hoje é um dos locas mais turísticos da Tunísia e com algum mérito. Apesar de o dia estar bem cinzento quando visitámos, consegui imaginar o impacto visual com outra luz e céus azuis. O mar, as casas brancas com elementos decorativos a azul… maravilhoso.
Explorámos a aldeia a pé, percorrendo os seus recantos mais bonitos. Gostei especialmente de um ponto junto ao cemitério, já longe do bulício dos turistas, de onde se tem uma imensa tranquilidade e uma vista magnífica.
Aproximava-se a hora da partida mas não do adeus. Sabendo que tínhamos uma última noite na zona de Tunis antes de apanharmos o voo de regresso a Portugal, o Wifek convidou-nos amavelmente para pernoitarmos com eles também nessa ocasião. As coisas viriam a seguir um rumo diferente, como a seu tempo contarei, mas de facto tivemos oportunidade de voltar a estar com este simpático casal.
O regresso a Tunis fez-se com uma certa pressa. Havia um comboio a apanhar e o timing foi perfeito, justamente o suficiente para sairmos do carro, caminharmos até à estação, ir à casa de banho e encontrar o comboio certo. Passados dez minutos estávamos em marcha. À hora certa, contrariando o pessimismo do Wifek.
Foi uma viagem curiosa. O comboio era mauzinho. Esperava padrões um bocado melhores. Já andei em comboios nos países vizinhos, em Marrocos e Argélia, e os tunisinos estão num patamar muito abaixo.
Para começar os passageiros eram quase todos homens. As carruagens eram desconfortáveis e uma boa parte do caminho foi feito a ritmo de caracol.
Tinha comprado bilhetes de segunda classe, mas assim que saíamos da estação o revisor foi chamar todos os passageiros e disse-lhes que podiam transitar para as carruagens de primeira classe. Não sei se foi algo excepcional ou se é um ritual comum.
A paisagem não era especialmente interessante. Lá fomos, andando. E chegámos a Sousse apenas com uns dez minutos de atraso.
Encontrar o hotel foi simples. Uma pequena caminhada de uns 400 metros e lá estávamos. Foi uma escolha em cheio, mesmo ali próximo, dentro da medina mas junto à muralha. Um quarto simples, mas muito barato.
Depois de descansar um bocado saímos para explorar um pouco da cidade antiga e, mais tarde, para comer qualquer coisa.
Foi um passeio encantador, descontraído. Tive grande prazer a explorar aquelas ruas, observando, sentindo o ambiente.
Subimos uma rua de comércio que se iniciava ali mesmo, junto a uma praça bastante central. Um vendedor disse-nos que já não iríamos encontrar nada, acertou em cheio na nossa nacionalidade e cumpriu a rotina de nos tentar impingir qualquer coisa. Numa coisa ele tinha razão: as lojas estavam todas a fechar e o trânsito pedestre era em sentido único, oposto ao nosso.
Lá fizemos o nosso passeio. Foi bom ver tudo aquilo. Os clientes que procuravam uns petiscos misteriosos numa banca de rua. Um mercado que começava a fechar. A vizinhança que voltava a casa depois de um dia de trabalho.
Já era de noite. Sem problema. Não se sente uma ponta de insegurança. Continuamos a explorar mas a fome vai chegando. Uso o Google Maps para procurar alternativas. O restaurante aberto mais próximo não é inspirador. Lá dentro um espaço escuro, quase deserto, apenas uma mesa ou duas com clientes.
Encontro outro. Vamos até lá. A simpática proprietária diz-nos que só para beber qualquer coisa, comida naquele dia não. Mas apiedou-se e disse para a seguirmos. Caminhou pelas ruelas da medina até um restaurante escondido num recanto obscuro. Nunca teríamos conseguido encontrar aquilo sozinhos. E deixou-nos lá.
Veio um senhor que nos apresentou a opção. Bem, uma única opção: menu completo, 10 Euros. Dez Euros por uma refeição não é muito, mas na Tunísia é uma fortuna. Mas tinha fome e o que já estava na mesa pré-preparada era tentador. Ficávamos e em boa hora. O jantar foi um verdadeiro banquete com comida até rebentar.
Saímos saciados e felizes e passando à porta da senhora que nos guiou fomos “apanhados”. Falámos um pouco, pedimos desculpa por não lhe fazermos companhia para um chá como tínhamos prometido mas não cabia mais nada na pança.
Foi um regressar sereno. No hotel pedi um aquecedor. Estava frio! E com o quentinho dormimos embalados.