Dia 17 de Fevereiro de 2020, Domingo

Acordei sozinho, tranquilo e com um sentimento de tristeza. Uma noite passada num dormitório vazio, com um sono calmo. E um abrir de olhos a tomar consciência que os maravilhosos dias de Sucre tinham chegado ao fim.

Há autocarros constantes entre Sucre e Potosí, por isso as horas tornavam-se irrelevantes. Um último pequeno-almoço no hostel e depois a partida. De mochila às costas, para a rua, em busca de um táxi para o terminal rodoviário.

Era Domingo e a cidade parecia ainda adormecida, mas não demorou muito a aparecer um velho carro conduzido por um jovem. Fiz-lhe sinal e o preço dado era o justo. Muito pouco. Entrei e seguimos, conversando alegremente até chegarmos à estação. Até na despedida Sucre se revelava simpática.

Comprei calmamente o bilhete para o autocarro. Ainda faltava cerca de uma hora para a partida seguinte. Esperei, num terminal obsoleto e quase vazio. Algumas pessoas entravam e dirigiam-se aos escritórios das transportadoras para levantar ou entregar encomendas. Uma senhora lavava o chão. As lojas estavam todas fechadas. E, contudo, havia ali Wi-fi.

Chegou a hora e lá estava o autocarro. Embarque. Viagem tranquila, umas quatro horas, por uma paisagem impressionante. Inóspita, fria, cinzenta, seca. Vamos acima dos 4.500 de altitude. Um recorde para mim. Passam-se os quilómetros, Potosí aproxima-se.

Eu não sei se isto é comum, mas acho que ninguém consegue ficar indiferente a Potosí. É certamente um lugar marcante. Penso que se ama ou se odeia… ou ambos, em simultâneo.

Para mim, Potosí tem um lugar no imaginário desde que num ido 10º ano de liceu aprendi sobre este lugar, distante e inacessível, onde os castelhanos encontraram uma mina de prata com filões incalculáveis que financiaram o seu império durante séculos.

O monte onde o tesouro se abrigava ainda ali está e por incrível que pareça continua a fornecer minério precioso a quem o escava. É o famoso Cerro Rico. Podem-se visitar algumas das suas minas, dizem que é uma experiência única, mas não faz muito o meu estilo.

Chegámos ao terminal de Potosí. É enorme, algo megalómano. Nota-se que já não estou em Sucre. O tempo está outra vez cinzento, depressivo, e as pessoas têm expressões crispadas. Em Sucre a atmosfera cosmopolita e urbana, em Potosí, a tensão da pobreza e de uma vida difícil. Aqui a multidão é feita de índios. Totalmente.

Preciso de ir para o centro histórico, demasiado longe para caminhar. Não faço ideia como. Dois viajantes sobem as escadas do terminal e pergunto-lhes. Dizem-me que em Potosí os táxis não têm nenhuma marca característica. Mas quando acabo de descer vejo um, a largar um passageiro. Pergunto quanto é, ao tipo mais antipático que cruzou o meu caminho em quase três meses de América do Sul. Pede um valor absurdo e nem quer ouvir falar de negociar.

Começa a chover. Atravesso a rua, porque vejo que passam ali uns mini-autocarros. Enquanto penso o que fazer da vida, chega um que diz “Centro” e entro… o condutor confirma. Serve-me.

Segue-se uma corrida por esta cidade triste. De céu triste, pessoas tristes e edifícios tristes. Saio próximo do meu hostel e caminho o que falta. Encontrado sem dificuldade. Grande escolha, bem localizado, preço mínimo por um quarto privado com casa de banho. Em Potosí está frio. Deve estar sempre frio, aquela altitude. Estou a 4.100 metros. Felizmente o quarto vem com uma eficiente unidade de aquecimento central que me oferece um calorzinho delicioso.

Deito-me no chão alcatifado, como fazia quando era pequeno. Um período de descontracção precioso. E depois vou sair.

Já não é cedo, dou umas voltas por ali. Potosí é uma cidade sempre a vibrar. Há pessoas por todo o lado e muito trânsito, tudo sempre a abrir, cheio de pressa. Ando sem objectivo.

As ruas no centro histórico têm alma. Os edifícios são antigos, maltratados mas carismáticos. O trânsito, sempre.  Igrejas, bastantes. Na praça central, a uns meros 200 metros do meu alojamento, há uma catedral impressionante. Um viajante errante, aquilo a que inglês se diria um “tramp”, passa por mim, sorri e acena-me. A sua trupe caminha um pouco ao lado.

Tenho fome. Não encontrei nenhum supermercado. Quero uma pizza. Aposta segura quando se tem fome e não se quer entrar em experiências. Consulto a Internet e escolho uma. Felizmente está aberta, apesar de vazia. Delicio-me com um jantar adiantado. Ainda são 18:00.

Lá fora o burburinho da multidão está ao rubro. É hora de ponta. Estou cansado, está frio e a altitude faz mossa. Vou recolher-me no quentinho do meu confortável quarto. Falo um pouco com o rapaz da recepção. Simpático. Futebol é o tema, claro. Bruno Fernandes no Manchester United. Acabo de descobrir isto. Para mim é um choque mas fico feliz pelo jogador que me é tão simpático. E pelo que vejo já foi há uns tempos, leva três jogos feitos, golos marcados. Excelente.

Bem, no dia seguinte tentarei ver um pouco mais de Potosí antes de apanhar o autocarro para Uyuni.

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