15 de Janeiro de 2023
A visita a Udaipur estava terminada. Foi bom rever uma cidade de que tanto tinha gostado em 2019. Mas agora, ao partir, sabia que estava de contas feitas. Não é um local onde pretenda ou deseje regressar. Está esgotada e algo diferente. O COVID despertou nos indianos uma vontade de explorar o país que tem tido um impacto negativo nestes locais mais famosos. Há mais barulho, perdeu-se uma tonalidade intimista, de comunidade e existem muito mais pessoas pelas ruas. Uma boa parte do charme de Udaipur desvaneceu-se com esta evolução.
Negativo não só para mim, como viajante, mas também para os habitantes locais, exceptuando naturalmente uns poucos que lucram com esta invasão silenciosa. Isto foi uma conversa recorrente que tive com pessoas nos pontos onde parei nesta fase indiana da viagem.
Para Ahmedabad pode-se ir de comboio ou de autocarro. Uma longa viagem pela frente. São 350 km por estrada, umas oito horas de caminho. Quanto ao comboio, chega ao destino já perto da meia-noite, algo que prefiro evitar se não estiver familiarizado com o local.
Conseguimos chegar ao French Haveli, uma casa maravilhosa no coração de um dos bairros antigos de Ahmedabad. Primeiro, um tuk-tuk. Que nos deixou junto a uma das portas do bairro. Lá dentro não pode circular. Há áreas da cidade que estão vedadas ao tráfego destes veículos. Mas haverá excepções, pois mesmo nestas zonas proibidas se vão vendo uns quantos Tuk-Tuks.
Bom, depois há que caminhar até à residência, um antigo palácio caído em desgraça e recentemente renovado com inteiro respeito pelas suas raízes. Um lugar maravilhoso que recomendo totalmente.
O trajecto desde o portão do bairro é uma outra delícia. Vida local, sentido de comunidade a pairar no ar, casas maravilhosas, vacas, cães e gatos. Ao chegar notamos o templo hindu, mesmo ali em frente, e outras residências classificadas como património da cidade.
Feito o check-in é tempo de relaxar e descansar. Tem sido um logo dia. O despertar cedo, o ligeiro stress que sempre acompanha estas viagens, os quase 400 km de autocarro. Agora existe conforto, aconchego.
Segue-se um passeio pelas imediações. O bairro é um labirinto com que nunca aprenderei a lidar. Não encontro as vielas que preciso, ando em círculos, volto ao ponto de partida, percorro um quilómetro para chegar ao destino pretendido, a duzentos metros de onde iniciei o passeio. Mas divirto-me. Na descoberta.
Ahmedabad é uma cidade louca, cheia de trânsito, ruído e pessoas. Já tenho alguma experiência na Índia, mas esta cidade testou os meus limites de paciência. Tirando um momento num determinado ponto de Varanasi, nunca tive tanta pressão de multidão como em Ahmedabad.
Bem, eventualmente emergi das labirínticas ruelas do bairro para a movimentada cintura que abraça a cidade antiga. Voltei por fora, assegurando-me que não me perderia de novo. Visitei o complexo de uma antiga mesquita, fascinante, diferente de qualquer outra mesquita que já tivesse visitado. Aqui, como que protegida por um casulo, e apesar do ruído de fundo, havia um sentido de tranquilidade bizarro.
Voltava agora para casa. O portão por onde tínhamos penetrado no bairro era já a seguir. Mesmo ao seu lado noto uma loja de batidos e peço um. Coisa deliciosa, uma espécie de leite creme com frutos secos, que repetirei amiúde nos dias que se seguirão.
À chegada a casa encontramos o rooftop. E enquanto estamos lá, acontece a coisa mais maravilhosa: o céu de fim de tarde começa a encher-se com papagaios. Não os de pena, mas sim os de cordel. É o final do famoso festival de papagaios de Ahmedabad. De onde estamos avistamos a cidade a perder de vista, e até onde o horizonte começa existem papagaios a esvoaçar. Durante mais de uma hora fotografei a cena cheio de entusiasmo.
No terraço estava também a Olga, uma hóspede russa apaixonada pelo sub-continente indiano com quem fizemos uma amizade fugaz que se traduziu em pequeno almoços tomados em conjunto e muita conversa. Ela falava a língua local fluentemente e tinha vivido no Bangladesh. Além da Olga, uma família indiana de classe média alta. Viviam nos bairros modernos da cidade, afastados do coração histórico e tinham decidido passar ali uma ou duas noites para mostrar ao filho o ambiente tradicional.
Com o cair do sol o espectáculo intensificou-se. A luz era ainda melhor e havia mais papagaios nos céus. Depois, claro, o fogo de artíficio. Estes fogos de artíficio são algo sem comparação, pelo menos na minha experiência de vida. Não é o normal lançamento de 5 minutos com um grande finale. Não, aqui impera um sentido de caos. Em quilómetros e quilómetros em redor são lançados todo o tipo de fogos, sem qualquer ordem, durante, literalmente, horas.
E foi assim, de alma cheia, que nos recolhemos para passar a primeira noite em Ahmedabad.