Dia 26 de Fevereiro de 2024

Fiz bem em, na dúvida, reservar duas noites para ficar aqui em Amritsar. Ainda respiro a liberdade e o prazer de ter deixado o Bangladesh para trás. Aqui tudo me parece limpo e pleno de sentido. Dá prazer em explorar. E explorar é o que faço durante uma boa parte do dia.

Depois de acordar, de me espreguiçar e de tomar calmamente o pequeno-almoço num dos amplos espaços comuns do meu hostel vazio, saio para a rua. Está um dia deveras agradável. Sol sem calor excessivo. Perfeito para estas aventuras.

A minha primeira paragem é no Museu da Partição. Como o seu nome sugere, é dedicado aqueles tempos conturbados que envolveram a independência da Índia e do Paquistão e a saída do Reino Unido da região. Foram cometidas atrocidades em partes sensivelmente iguais por ambas as partes. Hindus contra muçulmanos. As minorias vítimas das maiorias em cada lugar. A fuga para a segurança de agora indianos e paquistaneses. Em ambos os países abundam museus e testemunhos com a parcialidade esperada.

Há que pagar um bilhete para visitar o museu. Mais caro para estrangeiros. É um local popular e as salas estão cheias de gente. Visito a exposição, é interessante, não foi tempo perdido.

Passo pela praça que parece marcar o início da zona pedestre, mais movimentada. Dois polícias de farda caqui e turbante fazem a ronda. Parecem-me personagens de uma história de Tintim.

As ruas estão preenchidas de pessoas pitorescas. Os homens que não têm turbante colocaram na cabeça uma espécie de lenço cor-de-laranja. Poucos são os que como eu nada têm. Há um espírito de harmonia no ar. A grande maioria dos transeuntes são peregrinos e partilham sem palavras a alegria de ali estar, na sua cidade sagrada.

Entro num recinto onde em 1919 se deu o massacre de Jallianwala Bagh. Este era o espaço tradicionalmente usado pela comunidade. E ali se reuniu uma multidão para protestar contra uma nova lei considerada injusta e contra o aprisionamento de destacadas personalidades anti-colonialistas. Uma unidade do exército britânico na Índia tomou posições de fogo em redor do recinto e, bloqueando qualquer escapatória, abriu fogo. Morreram entre 380 a 1500 pessoas. Mais detalhes sobre esta página negra da história de Amritsar no artigo Wikipedia.

Existem no local diversos monumentos e numa parede que se manteve intocada podem ainda ver-se marcas dos impactos das balas britânicas.

Quando saí do recinto aventurei-me pelas mesmas ruas que na noite da véspera estavam já desertas e escuras. Hoje o cenário é diferente. Encontram-se repletas de restaurantes e pequenas casas de hóspedes e há muita gente. Delicio-me com algo que parece ser uma especialidade local, uma espécie de pudim preparado na altura e servido em pequenos copos. Voltarei ao longo do dia para mais.

Vou então até ao Templo Dourado. Teoricamente podia visitar. Mas desde há algum tempo a fotografia no interior do recinto está proibida e para mim ver sem fotografar é uma provação que prefiro evitar. Além disso há uma esperada fila para aceder. Por tudo isto limito-me a passear no exterior, o que é só por si uma experiência memorável.

Ninguém se parece importar com fotografias. O local é o paraíso para o fotógrafo de rua e não me faço rogado. Os peregrinos oferecem mil possibilidades, especialmente quando enquadrados com o templo.

No regresso paro para mais um pudim. E depois, em vez de me recolher para um descanso, meto-me sem destino pelas ruas da cidade. Um passeio gratificante, durante o qual observo aspectos da vida quotidiana longe da azáfama religiosa do núcleo central.

Compro abastecimentos numa mercearia e prossigo as deambulações. Vejo donas de casa que saem para comprar aquele último ingrediente que falta para o almoço. Meninos que experimentam com orgulho as bicicletas. Homens que regressam do trabalho para a pausa da refeição. Reformados que conversam como se não houvesse tempo, sentados à porta de casa, em cavaqueira com a vizinhança.

Rumo a casa, passando uma vez mais pelas vias pedestres de maior azáfama. Mantêm-se ao mesmo ritmo e assim ficarão serão adentro.

Vou descansar um pouco que o dia vai longo. O dormitório é um oásis de frescura e tranquilidade.

Mais tarde sairei para me despedir de Amritsar. Foi uma excelente escolha esta. De caminho para o Paquistão pude conhecer outra cidade indiana, muito particular e muito amigável e simples.

As ruas fervilham, como na véspera. Mas estou cansado e já vi tudo aquilo. Vou só até ao Templo e regresso, calmamente. Está na hora de pensar na paragem seguinte e na travessia da fronteira que me aguarda. Amanhã, Lahore!

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