Em 1957, uma ideia improvável ganhou vida nas estradas da Eurásia: um autocarro que ligava Londres a Calcutá, percorrendo mais de 32 mil quilómetros e 18 países em cerca de 50 dias. Era o “Albert”, um veículo britânico de um só andar transformado em casa sobre rodas, símbolo de uma época em que viajar era, antes de tudo, uma aventura.
O projeto foi idealizado pelo australiano Andy Stewart, fundador da empresa Albert Tours, que sonhava em criar uma ligação terrestre entre o Ocidente e o Oriente. Naquele pós-guerra em que voar ainda era privilégio de poucos, o Albert oferecia uma alternativa acessível e romântica: atravessar o mundo de estrada, com tempo para ver cada quilómetro.
Uma rota lendária
A viagem começava em Victoria Coach Station, no centro de Londres, e seguia para o continente via Bruxelas, Munique, Viena e Belgrado. Depois, cruzava a Bulgária e chegava a Istambul, o ponto de viragem entre a Europa e a Ásia. Em todos estes locais se parava – tal como num cruzeiro – o tempo suficiente para que os passageiros pudessem visitar os pontos de interesse mais importantes.
Dali, o Albert avançava por Ankara e Tabriz, percorria o Irão até Teerão, e atravessava o Afeganistão passando por Herat, Kandahar e Cabul. Entrava depois no Paquistão por Lahore, seguindo por Nova Deli, Agra e Benarés, até chegar à efervescente Calcutá, então capital cultural da Índia independente.
O trajeto era percorrido em cerca de 50 a 60 dias, dependendo das fronteiras e do estado das estradas. O regresso a Londres demorava outro tanto.
Um autocarro singular
O Albert era um AEC Regal III, modelo de um só piso, originalmente fabricado no Reino Unido e modificado para longas distâncias. A carroçaria azul-clara, com o letreiro “London–Calcutta–London” pintado em letras brancas, tornou-se inconfundível.
No interior, Andy Stewart fez adaptações engenhosas: havia assentos reclináveis, espaços para dormir, uma cozinha compacta, armários e até uma pequena biblioteca. Durante a viagem, o próprio Stewart conduzia, cozinhava e orientava os passageiros, criando um ambiente familiar e colaborativo.
O bilhete custava 145 libras esterlinas — o equivalente a cerca de 4.000 euros atuais. O preço incluía refeições simples e alojamentos ocasionais em pousadas ou campings. Cada viagem incluía 20 a 25 pessoas, entre estudantes, diplomatas, militares reformados e aventureiros curiosos.
O espírito do caminho
A experiência era mais do que um meio de transporte: era uma comunidade em movimento. Os passageiros partilhavam tarefas, cozinhavam juntos e ajudavam nas fronteiras. As refeições eram servidas à beira-da-estrada, e as noites, muitas vezes, passadas sob as estrelas do Irão ou do deserto afegão.
O Albert parava em lugares lendários — Istambul, Cabul, Agra, Varanasi — e transformava cada etapa numa lição viva de geografia e cultura.
Antecessor do “Hippie Trail”
Nos anos 1960, a rota tornou-se parte da mítica Hippie Trail, o percurso usado por jovens ocidentais em busca de espiritualidade, liberdade e experiências psicadélicas. O autocarro Londres–Calcutá oferecia uma versão mais organizada, mas igualmente imbuída desse espírito contracultural: viajar não para escapar, mas para compreender o mundo.
Em 1968, Andy Stewart ampliou a ideia e lançou a rota Londres–Sydney, desta vez com um autocarro de dois andares.
O fim de uma era
A viagem deixou de ser possível no final dos anos 70, quando o Afeganistão mergulhou em guerra e o Irão passou pela revolução islâmica. As fronteiras fecharam-se, e a travessia terrestre tornou-se perigosa. O último Albert fez a sua viagem final no início dessa década, encerrando um capítulo épico da história das viagens por estrada.
As imagens que restam mostram o autocarro azul estacionado diante de monumentos orientais, e passageiros sorridentes segurando cartazes com os nomes das cidades percorridas. Nenhum outro serviço comercial igualou a proeza: 32.669 km entre Londres e Calcutá, a mais longa rota de autocarro de todos os tempos.
Entre o mito e a memória
Hoje, o Albert é lembrado como um símbolo de curiosidade e coragem. Representa uma época em que o tempo corria devagar, as fronteiras eram mais permeáveis e a viagem era tão importante quanto o destino.
Muitas das fotos que circulam na internet mostram o autocarro de dois andares usado na rota Londres–Sydney (1968), não o veículo original de Calcutá — uma confusão repetida por inúmeros artigos recentes. O verdadeiro Albert, de 1957, tinha apenas um andar, e com ele começou uma das aventuras mais extraordinárias da história das viagens terrestres.



