A notícia não é de hoje, datando de finais de Setembro, mas na altura escapou-me. O que importa é que num número recorde, a UNESCO alargou a lista de Reservas da Bioesfera com 26 novas entradas, espalhadas por 21 países. Nunca tantos locais foram adicionados num só ano.

Esta iniciativa representa não apenas um aumento no número de territórios protegidos, mas também uma mudança de paradigma na forma como conservação, ciência, comunidades locais e desenvolvimento sustentável se articulam.

Com esta ronda de novas designações, a Rede Mundial de Reservas da Biosfera – vinculada ao programa “Homem e Biosfera” (MAB) da UNESCO – atinge cerca de 785 sítios em 142 países. A área total protegida dentro desta rede ultrapassa os 8 milhões de km², equivalente em superfície à Austrália. Estas dimensões refletem a ambição de tornar as reservas da biosfera não apenas enclaves isolados de natureza, mas laboratórios vivos, onde a conservação da biodiversidade e a vida humana se articulam.

Uma característica relevante desta designação é o alcance geográfico expandido: seis países receberam pela primeira vez o estatuto de reserva da biosfera — Angola, Djibuti, Guiné-Equatorial, Islândia, Omã e Tajiquistão. Além destes, outros países com regiões recém-designadas incluem Albânia, China, Etiópia, França, Grécia, Índia, Indonésia, Jordânia, Madagáscar, Malásia, Mongólia, Portugal, Arábia Saudita e Suécia. Particularmente, Portugal é agora o país de língua portuguesa a integrar esta lista através da Reserva da Biosfera da Arrábida, um território de valor natural e cultural no litoral atlântico.

O processo de designação teve lugar durante a 37ª sessão do Conselho Coordenador Internacional do programa MAB, em Hangzhou, na China. Neste fórum, foram também lançados instrumentos estratégicos para a próxima década, integrando fenómenos climáticos, serviços dos ecossistemas e economia verde. Uma das metas definidas é que cada Estado-Membro estabeleça pelo menos uma reserva da biosfera até 2035.

As reservas da biosfera representam um modelo híbrido de conservação: não são áreas puramente protegidas ao estilo de parques nacionais, onde a presença humana é mínima. Pelo contrário, incluem zonas de uso humano, agricultura, habitação, turismo e comunidade, combinando três funções principais: conservação, desenvolvimento sustentável e logística de investigação e educação. É este caráter que as distingue e lhes permite cumprir um papel relevante nas metas globais de biodiversidade, incluindo a conservação de 30% da superfície terrestre e marinha até 2030.

As novas reservas ajudam a reforçar áreas ecológicas essenciais e frágeis, revelando-se como “laboratórios vivos” de práticas inovadoras. Por exemplo, a reserva de Raja Ampat, na Indonésia, cobre cerca de 135.000 km² e alberga mais de 75% das espécies de coral conhecidas no planeta, além de florestas tropicais e tartarugas marinhas em risco. Na Islândia, a reserva de Snæfellsnes inclui 1.460 km² de picos vulcânicos, campos de lava, zonas húmidas e tundra, com mais de 4.000 habitantes que vivem da pesca, criação de ovelhas e turismo. Em Angola, a Quiçama Biosphere Reserve estende-se por 206 km de costa atlântica, savanas, estuários e ilhas, com uso humano em pastorícia, apicultura e turismo de natureza.

A razão para esta expansão massiva reside no reconhecimento de que a perda de biodiversidade e as alterações climáticas tornaram urgente uma cobertura mais ampla de áreas que sirvam de interface entre o homem e a natureza. A UNESCO destaca que muitas das reservas existentes já foram afetadas por eventos extremos, como ondas de calor, secas ou subida do nível do mar. A monitorização através de imagens de satélite, modelagem digital e bases de dados históricas é cada vez mais usada para avaliar mudanças e definir estratégias adaptativas.

No plano prático, para os países que agora passam a integrar a rede, o estatuto de reserva da biosfera traz não apenas prestígio internacional, mas também acesso a financiamento, investigação científica e visibilidade para práticas de turismo sustentável, agricultura regenerativa e economia ecológica. Para as comunidades locais, isto pode significar emprego verde, revitalização de paisagens, ensino ligado ao meio ambiente e turismo de menor impacto. A UNESCO alerta, no entanto, que a inclusão das comunidades e dos povos indígenas nas decisões é condição chave de sucesso, sendo a exclusão potencialmente geradora de conflitos ou falhas nos projetos.

No contexto europeu e português, o surgimento da Reserva da Biosfera da Arrábida oferece uma oportunidade para alinhar turismo, paisagem e conservação na costa atlântica portuguesa. Em conjunto com outras designações, o novo lote eleva a capacidade da rede global de ação, protegendo áreas essenciais e conectando iniciativas em diversos países. Por outro lado, há o desafio de operacionalizar as funções de cada reserva, de manter o equilíbrio entre conservação e desenvolvimento, e de garantir que o estatuto não seja meramente simbólico.

Para os viajantes, estas novas reservas significam destinos diferentes e ricos — seja uma ilha inteira de São Tomé, paisagens únicas na Islândia ou savanas costeiras em Angola — com a vantagem adicional de se inserirem em iniciativas globais de sustentabilidade. A crescente interligação entre ciência, política e comunidade local nestes locais abre caminho para novas formas de turismo consciente, em que visitar uma reserva da biosfera implica mais do que observar natureza: envolve aprender, respeitar e participar.

Em resumo, a recente designação de 26 novas reservas da biosfera pela UNESCO representa um passo significativo na proteção global da natureza e no reforço de modelos de desenvolvimento que incluem seres humanos como parte integrante da paisagem. A expansão da rede não é apenas numérica, mas simbólica: evidencia que a conservação já não é vista como contrária ao uso humano, mas como algo que pode coexistir com o bem-estar, a ciência e a cultura locais. À medida que o mundo enfrenta os efeitos de um planeta em rápida alteração, essas reservas funcionam como pontos de convergência entre conhecimento, vida quotidiana e futuro sustentável.

Boas viagens e que o destino o leve a pelo menos alguns destes fabulosos locais!

  • Albânia – Vjosa Valley Biosphere Reserve

  • Angola – Quiçama Biosphere Reserve

  • China – Daqingshan Biosphere Reserve

  • China – Zhouzhi Biosphere Reserve

  • Djibuti – Archipel des Sept Frères – Ras Siyyan – Khor Angar – Godoria Biosphere Reserve

  • Guiné‑Equatorial – Isla de Bioko Biosphere Reserve

  • Etiópia – Anywaa Forest Biosphere Reserve

  • França – Lac du Bourget, between the Rhône and the Alps Biosphere Reserve

  • França – Marshes and Tides between the Loire and the Vilaine Biosphere Reserve

  • Grécia – Mount Parnon – Cape Maleas Biosphere Reserve

  • Islândia – Snæfellsnes Biosphere Reserve

  • Índia – Cold Desert Biosphere Reserve

  • Indonésia – Raja Ampat Biosphere Reserve

  • Jordânia – Ajloun Biosphere Reserve

  • Jordânia – Yarmouk Biosphere Reserve

  • Madagáscar – Mantadia Biosphere Reserve

  • Madagáscar – Tsimembo Biosphere Reserve

  • Malásia – Kinabatangan Biosphere Reserve

  • Mongólia – Khomyn Tal Biosphere Reserve

  • Omã – Al Jabal Al Akhdar Biosphere Reserve

  • Omã – Sirrin Biosphere Reserve

  • Portugal – Arrábida Biosphere Reserve

  • Arábia Saudita – Imam Turki Bin Abdullah Biosphere Reserve

  • São Tomé e Príncipe – Ilha de São Tomé Biosphere Reserve

  • Suécia – Storkriket Biosphere Reserve

  • Tajiquistão – Romit Biosphere Reserve

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