19 de Maio de 2025

Depois do pequeno-almoço, um dos pratos fortes desta viagem. Para o meu gosto, claro. Trata-se de Amna Suraka, ou Red Prison.

Este centro de detenção foi construído entre finais dos anos 70 e 80 como centro regional da polícia secreta de Saddam Hussein. Na realidade o complexo era oficialmente a sede do Partido Baath, mas na realidade era uma prisão temida.

Aqui ficaram detidos e foram executados muitos dissidentes, especialmente curdos, estudantes e ativistas, muitos dos quais foram torturados. Durante a campanha genocida de Anfal (1986‑1989), que matou dezenas de milhares de curdos, parte dos detidos em Amna Suraka foi vítima dessas medidas repressivas. Em Março de 1991, durante a revolta curda, a prisão foi capturada pelas forças peshmerga (resistentes curdos) após intensos combates.

Hoje, Amna Suraka é um museu nacional de memória. Abriu como tal em 2003 e preserva boa parte da estrutura original, incluindo as paredes com marcas de bala e as celas. A “Sala dos Espelhos” é um dos principais destaques: contém 182.000 cacos de vidro, representando cada curdo morto na campanha de Anfal, e 4.500 lâmpadas correspondentes às aldeias curdas destruídas.

Há reconstruções de celas, mostras de tortura com manequins, reproduções de interrogatórios e gravações de vozes de prisioneiros. Também são exibidos itens militares, como tanques e peças de artilharia, e fotografias históricas. No museu há exposições dedicadas à Anfal, à resistência peshmerga e à guerra contra o Estado Islâmico.

Enfim, é um ponto de grande interesse para os amantes de história, especialmente para os mais interessados em dark history, como é o meu caso.

Felizmente tivemos tempo para visitar todo o complexo com calma. De olhos muito abertos tirava fotografias sem parar. A exposição exterior, com material bélico iraquiano, interessou-me especialmente.

Uma pausa no agradável café existente no interior do complexo, com muita oferta, tornando difícil escolher. Está ali um espaço muito agradável mas com pessoal menos simpático.

O último momento da visita é a passagem pela impressionante Sala dos Espelhos. E depois, para o autocarro, vai-se seguir o almoço.

 

Na linha do programa da manhã, a tarde é ocupada essencialmente em Halabja, onde chegamos após uma viagem de cerca de uma hora. Ali, estamos junto à fronteira do Irão. Até 1988 pouca gente teria ouvido falar nesta pequena cidade no Iraque, habitada por curdos e com uma forte ligação ao país vizinho.

Foi nesse ano, mais precisamente a 16 de Março de 1988, que Halabja foi atacada com armas químicas pelas forças iraquianas. A ofensiva envolveu gases de cloro, mostarda e sarin, largados em contentores a partir de aviões de ataque ao solo.

Imagem do espaço destinado ao reactor, agora vazio, de um dos aviões exposto no exterior do Museu Memorial

O ataque ocorreu depois de Halabja ter sido tomada por milícias curdas pró-Irão, no contexto da guerra Irão-Iraque (1980-1988). As forças iraquianas cercaram a cidade e lançaram os ataques químicos em sequência durante várias horas.

O número de mortos estimado varia entre 3.200 e 5.000 pessoas, incluindo mulheres e crianças, e cerca de 7.000 a 10.000 ficaram feridas, muitas com efeitos a longo prazo, incluindo problemas respiratórios, cegueira e lesões neurológicas. Praticamente todas as casas e edifícios foram danificados, e os sobreviventes sofreram de contaminação ambiental prolongada.

Interior de um veículo blindado de transporte de pessoal exposto no espaço exterior do Museu Memorial

O incidente foi amplamente condenado internacionalmente e é considerado um dos piores ataques químicos contra civis da história moderna. Documentos iraquianos e testemunhos de sobreviventes confirmam que foi uma operação deliberada planeada pelo governo de Saddam Hussein, como parte da sua política de repressão contra a população curda.

E foi ali que à chegada encontrámos o Museu Memorial de Halabja, um espaço museológico primoroso, com exposições bem arranjadas e grande diversidade. Um grande destaque é dado à forte imagem recolhida imediatamente após o ataque: a fotografia do corpo de Omer Khawar que tentou até ao último suspiro proteger a sua filha ainda bebé.

Representação em diorama da cena captada em fotografia após o ataque.

Este trabalho do fotojornalista iraniano Ahmad Nateghi é considerado o símbolo visual do massacre de Halabja. A foto captura o horror absoluto do ataque químico; não só documenta a tragédia imediata, mas também simboliza a perda da inocência e a vulnerabilidade da população civil diante de armas químicas. O bebé, indefeso, nos braços de um adulto, reforça o contraste entre a brutalidade do ataque e o instinto humano de proteger a vida.

O impacto histórico da imagem é enorme, tendo sido publicada em jornais internacionais e usada em documentários e memoriais, servindo como evidência visual da campanha genocida contra os curdos.

Terminada a visita ao museu, seguimos até ao cemitério. Ali conjuga-se o passado distante com a marca recente do ataque. Existem memoriais aos que pereceram em consequência da exposição aos agentes químicos com velhas sepulturas. Um espaço interessante, ainda hoje vedado aos que foram membros do Partido Baath, como indica um cartaz pendurado junto ao portão.

Foi tempo de regressar a Sulaymaniyah. O dia rendeu. Apenas dois pontos significativos, mas que valeram por mais. E ainda deu para passar pelo Museu de Sulaymaniyah, um espaço que na véspera tinha visto por fora. É basicamente um museu de arqueologia, mas de elevada qualidade. É pequeno, apenas uma grande sala, mas a exposição está perfeitamente organizada, legendada e iluminada.

É verdade que existem bastantes réplicas, mas mesmo assim o património exposto é considerável. Afinal, estamos em terras da Mesopotâmia, onde floresceram as civilizações Assíria, Suméria, Babilónica.

E assim acabou o dia. Cansado, antes de recolher ao quarto, passei por um pequeno supermercado das imediações e abasteci-me para o serão. Faltei ao jantar, preferi o repouso no sossego do hotel.

 

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