14 de Maio de 2025

Primeiro dia no Iraque. Não se passa nada. Não sei como são as coisas para sul, mas no Curdistão e especialmente em Erbil existe “apenas” uma cidade moderna e cheia de vida. Foi isso que vislumbrei à chegada e confirmarei hoje. Um local onde qualquer pessoa pode viajar, sem necessidade de enfrentar aventuras ou dificuldades.

O pequeno-almoço não teve história. Lá fora o dia sorria, um belo céu azul e um calor moderado que convidava à exploração do que Erbil tem para oferecer. Que não é muito. Trata-se de uma daquelas cidades que são intrinsecamente agradáveis mas sem grandes destaques.

Erbil cresceu em redor da cidadela, como acontece com tantos outros núcleos urbanos. Mas neste caso uma vista de olhos ao mapa torna tudo bem claro: a cidadela é como o centro de um alvo, e em seu redor surgiram anéis de ocupação concêntrica, algo que é confirmado pela organização viária.

E já que acabamos de chegar e o dia está no início, falemos um pouco de Erbil, de forma factual: é considerada uma das cidades continuamente habitadas mais antigas do mundo e escavações arqueológicas sugerem que a área foi ocupada desde a Idade do Bronze. O centro simbólico e físico da cidade é a Cidadela de Erbil, construída sobre uma colina artificial formada por camadas sucessivas de ocupação humana. Esta cidadela circular, hoje classificada como Património Mundial da UNESCO, domina a paisagem urbana e testemunha a longa continuidade da vida na região.

Situada entre os grandes rios Tigre e Eufrates, nas rotas que ligavam a Mesopotâmia à Anatólia e à Pérsia, a cidade foi ponto de passagem de comerciantes, exércitos e peregrinos. Assim, ao longo dos séculos, conheceu a influência de inúmeros povos: assírios, babilónios, persas, gregos, árabes, mongóis e otomanos.

No período assírio, Erbil era conhecida como Arbela e possuía um importante templo dedicado à deusa Ishtar. Mais tarde, no século IV a.C., ganhou notoriedade pela Batalha de Gaugamela (331 a.C.). Foi neste confronto que Alexandre, o Grande, derrotou definitivamente Dario III, abrindo caminho para a expansão no Médio Oriente.

Com a chegada do Islão, no século VII, a cidade transformou-se num importante centro cultural e religioso. No século XII, tornou-se conhecida por ser o local de nascimento de Saladino, o célebre líder curdo que enfrentou os Cruzados.

No século XIII, os mongóis conquistaram a região. Mais tarde, sob o Império Otomano, a cidade manteve a sua relevância como centro administrativo e económico local, até à formação do Iraque moderno após a Primeira Guerra Mundial.


A cidadela ficará para mais tarde. Para já chamamos um Careem (um serviço do tipo Uber muito comum em países árabes) para a mesquita Jhalil Khayat, localizada num ponto mais periférico. É uma mesquita moderna, não tanto nas linhas mas na construção, mas muito bonita, especialmente no interior.

Trata-se de um dos marcos arquitetónicos mais impressionantes da cidade e um símbolo da fé islâmica no Curdistão iraquiano. Construída entre 2007 e 2009 em memória de Jalil Khayat, um influente comerciante local, a mesquita combina influências das grandes mesquitas otomanas e mamelucas, lembrando monumentos como a Mesquita Azul de Istambul.

O interior é particularmente notável graças ao trabalho de artistas turcos especializados em decoração islâmica, que criaram intrincados mosaicos, painéis de vitrais coloridos e caligrafia árabe detalhada. Estes artesãos conferiram à mesquita uma riqueza estética rara na região, transformando o espaço de oração num ambiente de grande beleza e espiritualidade. A cúpula principal, acompanhada por várias cúpulas menores e minaretes imponentes, reforça a sensação de majestade do edifício.

O mais complicado ali foi encontrar a entrada. Demos basicamente a volta completa ao edifício, o que deu belas perspectivas, mas continuávamos na rua e eu sabia que o queria ver mesmo era o seu interior.

 

Por fim fez-se luz. E a solução ali tão perto…

O interior é magnífico. Compreendo rapidamente que a fama é merecida. Como tantas vezes acontece nestes espaços, logo o guardião, armado do seu melhor inglês, que era suficiente para a ocasião, nos tomou sob a sua asa com explicações curiosas sobre o edifício e o Islão. É algo que merece um sem número de imagens. Close-ups, grandes ângulos, configurações diferentes, tanta coisa para tentar o melhor para captar aquela visão fantástica.

Saciados do local, mais um Kareem, desta vez para a cidadela.

A primeira sensação captada é a do intenso movimento. O trânsito ali é intenso e a multidão quase se acotovela pelas passagens mais estreitas. Toda a zona central é um enorme centro comercial ao ar livre. Há lojas, vendedores de rua, cafés, pastelarias e sei lá que mais. E há também a entrada para o verdadeiro mercado, um labirinto coberto, onde se multiplicam mais lojas.

Andamos por ali a sentir o ambiente, troco alguns Euros por Dinares Iraquianos. Num recanto dos corredores vemos um dos cafés mais característicos de Erbil, o Mam Khalid, a que voltaremos mais tarde, na narrativa e em pessoa.

Quando comecei a planear esta viagem tinha algumas expectativas para a cidadela. Afinal era quase o único ponto de interesse destacado em Erbil.

Mas mesmo antes de chegar soube que se encontrava encerrada ao público por tempo indeterminado. Bela treta. O porquê? Parece ser uma decisão da UNESCO. Portanto, da cidadela, só mesmo uma perspetiva exterior e, inversamente, a vista sobre o ponto central da Erbil, visto da zona da entrada encerrada para a antiga fortaleza.

E lá em baixo, nesse parque urbano aos pés da cidadela, muito acontece: famílias que visitam, crianças que brincam e outras que vendem os seus produtos a quem por ali andam. É especialmente água, e compro uma garrafa a um gaiato. Os velhotes sentam-se, iguais a outros velhotes em qualquer outra parte do mundo, a ver o mundo passar enquanto evocam memórias e conspiram sobre o presente.

As fontes jorram água, os aguadeiros vendem agora sumo de romã, delicioso e barato, e os balões coloridos encantam as crianças que pedem que se lhes compre um. Sente-se um ambiente positivo por ali, é agradável.

A fome chegava e numa rua movimentada, por mero acaso, encontrámos uma atarefada tasca a vender pequenas sandes de carne. Foi um manjar fabuloso, com um sabor intenso, uma delícia.

Agora íamos encontrar o Sardar, um couchsurfer de Erbil que, não nos podendo hospedar prontificou-se para um encontro e muita conversa. Foi uma excelente experiência. Lá estava ele no ponto de encontro. Sentámo-nos num café popular, na base da muralha da cidadela. Foi enriquecedor e também a oportunidade de fazer um amigo com que me mantenho em contacto. O Sardar é guia profissional, movimenta-se no mesmo meio que eu, mais um ponto em comum.

Saímos daquele café e fomos ao outro, no interior do mercado coberto. É um daqueles locais que gosto mesmo, onde os locais passam tardes à conversa, entre cigarros e jogos de dominó, o chá a correr célere, de menta para uns, simples chá-preto para outros.

Há alguns estrangeiros. Das três vezes que ali fui havia-os sempre, mas não em número que rompesse o equilíbrio: o café é dos locais e as visitas são aceites. E não o contrário como acontece em demasiados sítios.

A curiosidade dos clientes mantém-se por saciar. Há sempre aquelas perguntas… de onde és… o que estás a achar disto…

Passou-se um bom bocado. A seguir fomos esticar as pernas. Tinha pedido ao Sardar para me mostrar o antigo bairro árabe, que sem estar abandonado se tornou numa zona morta onde apenas algumas famílias. E ali tão próximo do centro.

Vêem-se edifícios decrépitos, certamente com muitas histórias para contar e uma arquitectura sempre interessante. De facto as pessoas escasseiam. Entre as ruínas lá se vão vendo sinais de vida humana, uma casa aqui e outra acolá.

O tempo tinha passado, como sempre acontece quando a conversa é boa e as palavras e ideias fluem para um lado e para outro. O Sardar leva-nos ao hotel. Às 18 horas é o briefing da tour, conhecemos alguns dos companheiros para os próximos dias, a tour leader da Young Pioneer Tours e o guia local, o Shaian. E é o fim de um agradável – mas não especialmente preenchido – dia em Erbil.

Erbil “by night”

 

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