15 de Maio de 2025

E começa formalmente a tour. Todos para o minibus e a caminho de Mar Mattei, ou Mosteiro de São Mateus. Há quem possa achar estranho que exista um mosteiro por estas paragens, mas é normal. Em vastas áreas do Médio Oriente existe uma sobreposição de Cristianismo e Islão e no Iraque passa-se isso mesmo.

O mosteiro fica a cerca de 100 km a noroeste da Erbil, quase duas horas por estrada. Não muito longe de Mosul, esteve em grande perigo durante a ofensiva do ISIS, em 2014. Nessa altura serviu de refúgio para muitas famílias locais. As forças curdas protegeram o local, garantindo que permanecesse um símbolo vivo de fé e resistência.

Localizado no Pico do Monte Maqlub, a sua posição elevada confere-lhe um panorama extraordinário sobre as planícies de Nínive e uma aparência quase suspensa entre o céu e a terra.

Foi fundado em 363 d.C. por Mar Mattai — um eremita que fugiu das perseguições do imperador romano Juliano, o Apóstata — o mosteiro cresceu rapidamente. A comunidade passou a abrigar milhares de monges, o que vale ao Monte Maqlub o apelido de “Monte dos Milhares”. Entre os séculos VII e XII, o local tornou-se um importante centro de erudição e espiritualidade na cristandade síria.

 

Mar Mattai resistiu a vários séculos de ataques: no século XII, os mongóis infiltraram-se, e em 1369 outro ataque danificou muitos manuscritos. O santuário só voltou a retomar sua grandiosidade após reformas entre os séculos XVIII e XIX, especialmente em 1795 e 1845.

O complexo, composto por mais de 50 salas, várias capelas, uma sala de santos (Baith Qadisheh) e bibliotecas que guardam manuscritos raros em siríaco, é considerado um dos mosteiros cristãos mais antigos ainda em atividade embora pouco reste da antiga construção. Não se deve esperar muito do ponto de vista monumental, as estruturas são todas modernas. Continua a ser mantido pela Igreja Ortodoxa Siríaca, recebendo peregrinos de diversas denominações todos os anos, especialmente no dia 18 de setembro, data tradicional da morte de Mar Mattai.

Da visita fica a memória de uma comunidade viva e harmoniosa. Numa das capelas uma feliz família traz o seu rebento para o batizado. Cá fora dois padres posam para a fotografia com outros peregrinos. A um canto discreto um homem jovem mantém um diálogo com outro padre… uma confissão? Conselho espiritual?

Por um lado arrepia estar num lugar com uma história tão profunda, mas a modernidade das instalações é anti-climática.

Deixando o mosteiro para trás, fazemos uma breve paragem para observar o terreno onde se deu a batalha de Gaugamela. Foi ali que em 331 a.C. Alexandre o Grande derrotou os persas liderados pelo rei Dario III. O exército persa era numericamente muito superior, contando possivelmente com mais de 200 mil soldados. Alexandre dispunha de menos homens, cerca de 40 a 50 mil, mas bem treinados, organizados e com uma disciplina tática inigualável.

O resultado foi a vitória total de Alexandre, que selou a queda do Império Aqueménida. A partir daí, o macedónio assumiu o controlo da Babilónia, Susa e, pouco depois, Persépolis.

Segue-se a pausa para almoço. Com uma ou outra excepção o menu durante toda esta viagem não foi muito variado: espetadas. Espetados de frango ou borrego. Carne em pedaços ou picada e reaglomerada. Mas quase sempre espetadas.

Para a parte da tarde tínhamos a visita a Lalish, centro espiritual dos Yazeed. É uma comunidade religiosa fascinante, pela independência das suas crenças e pela persistência ao longo dos séculos (parece que agora diz-se “resiliência”).

O Yazeedismo mistura elementos do zoroastrismo, do cristianismo, do islamismo e de antigas crenças mesopotâmicas. O seu pilar espiritual é a veneração de Melek Taus, o Anjo-Pavão, figura vista por eles como o principal mensageiro de Deus. Essa devoção, porém, levou muitas vezes a mal-entendidos: grupos vizinhos acusaram-nos de ser “adoradores do diabo”, o que resultou em séculos de perseguições e massacres.

O templo principal de Lalish é dedicado a Sheikh Adi ibn Musafir, um místico sufi do século XII que acabou por ser integrado como figura central na fé yezidi. O local é um importante centro de peregrinação: todo os yazeeds devem visitar Lalish pelo menos uma vez na vida.

Em Lalish, as práticas religiosas incluem rituais de purificação com a água sagrada das nascentes locais, oferendas de azeite para iluminar o templo e celebrações como a festa do Cejna Cemaiya (Festa da Reunião), que acontece todos os anos em setembro e reúne a comunidade em torno de danças, cânticos e ritos de renovação espiritual.

Tal como aconteceu no mosteiro a visita valeu mais pela experiência humana. Para se entrar em Lalish há que respeitar alguns preceitos. Para começar toda a visita deve ser feita de pés descalços. Não só no interior dos templos mas também nas áreas exteriores. Não se pode usar roupa azul, pois esse é um exclusivo do Anjo-Pavão, e deve-se evitar pisar as soleiras das portas, sob risco de incomodar as criaturas mágicas que aí vivem e chocar todos os yazeeds em redor.

O ambiente tem um toque místico, idílico. Alguns humanos têm toques de anjo. Enquanto alguns usam a roupa do dia a dia, outros trajam o chamado “fatinho de Domingo” e ainda há os que vestem a tradição.

Os preceitos da sua religião criaram salas que para os nossos olhos são misteriosas, como aquela que atravessamos, em escuridão quase total, com ânforas de azeite de um lado e do outro.

Os olhares que recebemos são de curiosidade. Uma família de yazeeds mete conversa. Vêm em peregrinação desde Bagdade. Outros vivem na Europa, falam bem inglês. Enquanto o Shaian procede às suas explicações alguns chegam-se, curiosos de ouvir o que está a ser dito.

E neste dia não se passou muito mais. A noite seria passada em Duhok, uma cidade que se transfigurou em 2014, com a chegava em massa de refugiados que procuravam escapar à invasão do ISIS.

Ainda houve tempo para um passeio nocturno. A ideia era visitar o bazar, mas já se encontrava em encerramento, com pouca animação e muitas lojas fechada.

 

Neste serão tive oportunidade para alguma exploração a solo, afastado do grupo. O centro social da cidade é o parque Newroz, uma ampla zona calcetada onde as pessoas vão dar um passeio depois do calor do dia.

Sentei-me ali um longo período, vi o grupo passar a poucos metros, mantive-me a observar as pessoas e a sentir o ambiente. Foi agradável.

Jantei num restaurante local, kebab no prato, com batatas fritas. A conta seria de cerca de 3 Euros, mas o proprietário insistia em não cobrar nada. Porque no seu país os convidados não pagam. Acabou por aceitar o dinheiro após alguma insistência, mas não me deixou partir sem levar um cartão com o número pessoal dele. Para o caso de ter algum problema e precisar de ajuda.

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