20 de Maio de 2025
Será este o último dia completo no Iraque e no ar já paira o cheiro da despedida. Vai ser longo, com o percurso entre Sulaymaniyah e Ebril a ser feito com algumas paragens breves.
A primeira é em Dukan, um lago artificial foi formado pela construção da barragem no rio Diyala, um afluente do Tigre. Tinha como objetivo armazenar água para abastecimento doméstico, irrigação, produção de energia hidroelétrica e controle de cheias na região. Mas durante muitos anos os geradores estiveram desativados, pois os iraquianos leais a Saddam Husseim levaram consigo componentes electrónicos essenciais para o funcionamento das turbinas, uma situação que só recentemente foi solucionada.
Mesmo assim foi cumprindo com as suas outras missões. Datando já da década de 1950, é do tipo terra compactada e tem cerca de 116 metros de altura.
Quanto ao lago tem cerca de 270 a 300 km² em plena capacidade, com um comprimento de aproximadamente 70 km e profundidade que chega a 60–70 metros em alguns pontos. O Lago Dukan é um dos maiores reservatórios do Iraque e tem importância estratégica significativa para a região de Sulaymaniyah e para o país em termos de abastecimento de água e eletricidade.
E foi junto a este cenário que parámos. O parque de estacionamento serve também um restaurante, encerrado. Alguns membros do grupo optaram por pagar para dar uma volta de barco nas águas serenas do lago. É lá com eles. Os outros, a maioria, esperam, contemplando o cenário desértico que envolve as margens.
Um homem desce a encosta pedregosa que leva ao pequeno pontão onde embarcações se encontram atracadas. Irá a algum lado, sabe-se lá onde, neste deserto.
Os outros regressam do passeio e podemos retomar a estrada. Esta manhã de viagem rende por algumas paisagens magníficas de um mundo seco e vazio, feito de depressões rochosas, o alcatrão negro a serpentear montanha acima e depois, mais adiante, montanha abaixo.
Depois do almoço foram ainda mais três horas de caminho até entrarmos em Erbil. Antes, sensivelmente a meio caminho, paramos na cidade de Koya. Uma passagem pelo mercado, pitoresco, interessante, mas um pouco já à pressa não deu para uma exploração profunda. Vamos a caminho do antigo caravanserai, hoje em ruínas e fechado a cadeado. Mas o nosso guia conhece as pessoas certas e logo a chave aparece. De lá vê-se a pequena cidade quase na totalidade. Ali perto uma bela mesquita, minaretes a rasgar o céu.
Este caravanserai, apesar do abandono e da deterioração ao longo dos séculos, preserva ainda vestígios das estruturas originais, como muros robustos e áreas de armazenamento, oferecendo um vislumbre da vida comercial e da hospitalidade no período otomano.
E logo nos chamam para irmos ver a cidadela de Koya, em grande contraste com o que acabámos de visitar. Este centro de poder político de antigamente foi completamente renovado. Somos recebidos por guardas armadas de expressão solene e temos autorização de soltura para durante uns quinze minutos explorar o local e recolher imagens.
O projecto de renovação foi apenas parcialmente cumprido. A estrutura foi reparada, mas as exposições e salas previstas para visita do público encontram-se encerradas. Ficamos com o prémio de consolação: a vista de Koya desde as muralhas. E encontramos um pequeno cemitério que fica na memória.
A próxima paragem é, por assim dizer, a final: enfim em Erbil, de regresso onde a viagem se iniciou. Vencemos o tempo e já que não nos é permitido visitar a cidadela, que está encerrada para toda a gente até ordens em contrário, o Shayan leva-nos a um parque onde se encontra um dos monumentos icónicos de Erbil, um minarete – e é tudo o que resta da velha mesquita – inclinado. Assim como a Torre de Pisa, para terem uma ideia.
É também conhecido como Minarete de Mudhafaria e foi construído no século XII durante o período seljúcida. A torre é feita de tijolos de barro e possui uma base circular, estreitando-se gradualmente à medida que sobe, com ornamentos geométricos típicos da arquitetura islâmica da época. A inclinação é resultado de assentamento desigual do solo e da idade da estrutura, mas apesar disso, o minarete manteve-se de pé por séculos, tornando-se um símbolo histórico e cultural de Erbil.
E para acabar vamos até outro parque onde a 1 de Fevereiro de 2004 um atentado à bomba matou dezenas de pessoas. Tratou-se de um ataque duplo suicida contra os escritórios dos dois principais partidos curdos, o Partido Democrático do Curdistão (KDP) e a União Patriótica do Curdistão (PUK), ocorrido durante as celebrações do Eid al-Adha, quando muitas pessoas estavam reunidas nos locais.
O ataque causou a morte de entre 100 e 117 pessoas, incluindo figuras políticas importantes como um ex-ministro, o vice-governador de Erbil e o chefe da polícia da cidade, além de ferir centenas de outras pessoas. A autoria foi atribuída a dois suicidas ligados a grupos islâmicos, com possíveis conexões à Al-Qaeda ou ao Ansar al-Islã. O atentado teve um forte impacto político, sendo visto como uma tentativa de desestabilizar as estruturas de poder curdas e minar a crescente estabilidade da região. Atualmente, a tragédia é recordada todos os anos pelo parlamento do Curdistão, e há este memorial que visitámos em homenagem às vítimas.
Sendo o dia de despedida estava previsto um jantar para a ocasião, mas aconteceu uma debandada geral. Acho que toda a gente precisava de um pouco de isolamento. Entretanto já tinha combinado com o meu amigo de Erbil um serão só para a gente. Acabei por convidar o Gustavo americano, uma excelente companhia. Vejam lá como as primeiras impressões são falíveis. Neste caso nenhum de nós gostou dele quando entrou no autocarro no primeiro dia, e afinal…
Foi um bom serão, só temos a agradecer ao nosso anfitrião. Um belo jantar num espaço ao ar livre com muita socialite local, guardado à entrada por seguranças armados de AK47’s e depois um pequeno passeio a pé pela zona quente nocturna da cidade. Uma boa despedida. E assim acabou a viagem pelo Iraque. No dia seguinte só haveria a saída para o aeroporto e o voo para Atenas, onde pernoitámos antes de seguir para Lisboa.











